Outro dia, enquanto aguardava na fila do sacolão, observei um homem que escolhia meticulosamente suas laranjas. Pegava uma, analisava como se fosse uma joia, cheirava, apertava levemente e, insatisfeito, devolvia à pilha. Repetiu o ritual dezenas de vezes até encontrar as perfeitas. Pensei comigo: quanto tempo de vida gastamos escolhendo laranjas? E quantas outras decisões triviais consomem nossa existência sem que percebamos? O tempo depois dos 60 passa a valer bem mais que laranjas.

Nós, humanos, somos criaturas de hábitos curiosos. Criamos rituais para tudo. Temos manias inexplicáveis que, vistas de fora, beiram o absurdo. Mas quem está livre delas? Eu mesmo tenho as minhas. Sempre verifico se tranquei a porta, mesmo sabendo que já o fiz. Coisa de quem já morou em casa e agora vive em apartamento.

A medicina me ensinou que o corpo humano é uma máquina perfeita em sua imperfeição. Vírus e bactérias, que trato diariamente, são tão previsíveis quanto o comportamento humano é enigmático. Um paciente segue à risca a medicação para uma infecção grave, mas é incapaz de resistir à tentação de uma feijoada no sábado, mesmo sabendo que seu colesterol está nas alturas. Somos assim: racionais para o extraordinário, irracionais para o cotidiano.

Esta semana atendi um senhor que sobreviveu a uma septicemia gravíssima. Quando lhe dei alta, perguntei o que aprendeu com a experiência de quase morte. "Doutor", respondeu ele com a sabedoria dos simples, "aprendi que a vida é curta demais para usar cuecas apertadas". Ri, mas depois refleti sobre aquela filosofia de elástico. Não estaria ele certo? Quantas "cuecas apertadas" metafóricas toleramos em nossa existência?

O mundo moderno é um catálogo de esquisitices coletivas. Pagamos fortunas por celulares que nos isolam uns dos outros. Construímos redes sociais para nos conectar e acabamos mais solitários. Desenvolvemos a medicina a ponto de erradicar doenças milenares, mas criamos novas patologias com nossos hábitos. Contradição é nosso sobrenome.

Observo meus pacientes na sala de espera, todos hipnotizados por suas pequenas telas luminosas. Ninguém mais conversa, ninguém mais observa o outro. Antigamente, uma sala de espera era uma pequena terapia de grupo, onde se trocavam histórias, receitas de bolo e remédios caseiros. Hoje é um silencioso mosteiro tecnológico, onde cada monge contempla seu próprio universo digital.

Minha avó dizia que "cada cabeça é um mundo". Se isso é verdade, vivemos num multiverso de mais de oito bilhões de realidades paralelas, cada uma com suas próprias leis da física, química e lógica. A Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou estudo recente que coloca o Brasil como campeão de fake news sobre efeitos colaterais de vacinas. O mais curioso, mas não surpreendente, é que os mesmos que divulgam essas mentiras, vendem fórmulas mágicas para combater os falsos efeitos maléficos. A razão humana é elástica como as cuecas, estica-se para acomodar as crenças mais absurdas e os interesses espúrios. Ainda tem gente que cai nessa conversa fiada.

Somos também especialistas em complicar o simples. Inventamos burocracias kafkianas, transformamos o ato de comprar um pão em uma operação que exige senhas, aplicativos e cartões de fidelidade. Criamos dietas mirabolantes quando bastaria comer menos e melhor.
Como médico, vejo diariamente o corpo humano em sua vulnerabilidade. Como cronista, observo a alma humana em suas contradições. Ambos são igualmente fascinantes e misteriosos. O baço e o ego, o fígado e a vaidade, os pulmões e a ambição - órgãos físicos e metafísicos que compõem essa estranha criatura chamada ser humano.

Talvez a maior esquisitice seja nossa obsessão por normalidade. Queremos ser únicos e iguais, diferentes e aceitos, originais e compreendidos. Gastamos energia tentando nos encaixar em moldes que nós mesmos criamos e depois nos queixamos de falta de autenticidade.

No fim, somos todos esquisitos à nossa maneira. O normal é apenas o estranho que se tornou comum pelo hábito. Como dizia meu velho professor de medicina que nos deixou muito cedo, Antônio Cândido: "Normal é um ajuste na máquina de fazer exames". Ou, parafraseando Guimarães Rosa, colega de profissão e conterrâneo ilustre: normal é quase nada.

Talvez a verdadeira sabedoria esteja em aceitar nossas pequenas loucuras, nossas idiossincrasias, nossas manias peculiares. Em reconhecer que o mundo é esquisito porque nós o fizemos assim, à nossa imagem e semelhança.

E enquanto isso, continuaremos escolhendo laranjas como se fossem decisões de vida ou morte, verificando três vezes se a porta está trancada e usando cuecas que comportem o nobre conteúdo de forma arejada e confortável. Porque no grande teatro do absurdo que é a existência humana, cada um representa seu papel com a seriedade cômica que a vida merece.

Afinal, como diria minha velha terapeuta de sobrenome Brasil: "Se não podemos ser normais, sejamos pelo menos interessantes". E neste quesito, pelo menos como objeto de estudo, temos sido bem-sucedidos.

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