O lugar mais perigoso do mundo é o corpo de uma mulher. Como mulheres, com corpos objetificados, vivemos uma realidade de violências e agressões, muitas vezes cometidas por parceiros íntimos e dentro de casa. Em 2024, a ONU afirmou que “o lar é o lugar mais perigoso para mulheres”. Essa conclusão veio a partir de estatísticas que mostraram que, para milhões de mulheres em todo o mundo, o local que deveria ser o mais seguro é, na verdade, o de maior risco de violência fatal.


Quatro mulheres são assassinadas todos os dias no Brasil, de acordo com o Mapa da Segurança Pública de 2025. Os relatórios e notícias baseados em dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destacam que a maioria dessas mulheres vítimas de feminicídio são mães - pelo menos 80% das tentativas de feminicídio no país são contra mães.


Estima-se que um terço das mães vítimas de feminicídio deixam ao menos três filhos órfãos. A condição de ser mãe é um fator alarmante: elas estão mais vulneráveis frente à violência, frequentemente praticada por companheiros ou ex-companheiros dentro do ambiente doméstico.


Nos últimos dias, vimos casos absurdos: mulheres mortas pelo colega de trabalho, mulher atropelada e arrastada pelo ex tem as pernas amputadas, mulher e filhos são mortos pelo marido que ateou fogo na casa. O mais absurdo, no entanto, é que sempre haverá um caso de violência ainda pior contra mulheres.


Algo precisa ser feito para frear essa epidemia que nos apavora e traumatiza. Como bem escreveu em seu perfil, Lígia Moreiras: “Isso que estamos sentindo ao ver tantas de nós morrendo é real. Não somos "impressionáveis", não somos muito sensíveis. É real: é trauma de gênero, trauma por ser mulher".


Em março de 2018 o psicanalista Contardo Calligaris deu uma entrevista à revista E do Sesc. Para ele, os textos inaugurais da nossa cultura, tanto do lado judaico-cristão quanto do lado grego, colocam a mulher como a representante do mal. Na entrevista, ele afirmou:


“Somos uma civilização construída há três mil anos em cima do ódio pelas mulheres. Isso está no coração da nossa cultura. A mulher é um lugar onde todos – homens e mulheres – projetamos o mal que nos persegue. Então, a misoginia não é um acidente. Esse é um problema maior que a posição ocupada pela mulher na sociedade. Todos esses problemas são consequência desse ódio que se perpetua. Uma mudança pode vir a acontecer daqui para a frente se o feminismo colocar o dedo em cima disso.”


Vamos precisar de mudanças estruturais profundas e de tempo para desconstruir o machismo que está em nós, que nos atravessa desde que nascemos. A misoginia está enraizada em nossa cultura. Eva e Pandora estão consolidadas no imaginário coletivo, no qual a mulher é vista como fonte de tentação, perigo. A mulher é aquela que traz o caos para a ordem divina. O que vemos hoje, nada mais é do que uma versão contemporânea da caça às bruxas da idade média, justificada por estruturas patriarcais que nos silenciam.


Minha colega Inez Lemos escreveu para o blog do 247:


“Sem uma moral civilizatória, código de convivência, mães e pais empenhados numa educação menos misógina, no desenvolvimento saudável dos filhos, (...) O feminicídio deve ser tratado como questão social, universal, de homens e mulheres. As famílias devem pautá-lo nos almoços, prato principal de domingo. As escolas devem incluir educação sexual, as redes sociais estão ensinando matar, estuprar. Red Pill não! Sem ensinar as crianças a amar, respeitar a mulher, o diferente, nada mudará.”


Existe solução para diminuir a violência contra a mulher e ela passa por uma masculinidade saudável. A base de uma masculinade saudável é uma educação feminista. Uma educação feminista não se resume a "ensinar meninas a serem fortes" ou a excluir os meninos. É uma abordagem pedagógica que busca identificar e desmontar as hierarquias, preconceitos e estereótipos de gênero que limitam o potencial humano de todas as crianças.

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