"A transição para a economia de baixo carbono está avançando, combinando ações regulatórias com oportunidades antecipadas pelo capital privado"

crédito: Giuseppe Cacace/AFP

O velho e a ilusão se reuniram em Dubai, na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-28, e saíram todos frustrados. O velho foi seduzido pela riqueza petrolífera, que se descobriu condenada e sem a majestade da OPEP. A ilusão se foi, ao se constatar que o custo trilionário anual da transição energética não virá de filantropia, mas de fundos privados que visam lucros.

A delegação brasileira, que fez escala na Arábia Saudita antes de Dubai, teve quádrupla decepção – as duas, do velho e da ilusão, e a grosseria do presidente Emmanuel Macron ao sair de audiência com Lula, à margem da COP28, e anunciar que a França não concorda com o acordo Mercosul e União Europeia. Poderia ter feito o comunicado pelos canais diplomáticos. Pior fez o venezuelano Nicolás Maduro.

Presidente de um país cuja população foge da miséria, muitos para cá, nesta grande diáspora do século depois de 24 anos de governos chavistas que arruinaram a produção da maior reserva de petróleo do mundo, Maduro reabriu um antigo litígio de fronteira com a nano Guiana, mas muita rica em minerais. Truque barato de ditador.

Ele tenta insuflar o nacionalismo visando um pretexto para melar ou moldar a seu jeito, sem auditoria externa, a eleição de 2024.

Maior desfeita a Lula não poderia ter feito. O presidente lhe deu honras de chefe de Estado ao recebê-lo em maio e defendê-lo, sendo repreendido pelos presidentes do Uruguai e do Chile na cúpula dos governantes da América do Sul que houve na sequência. Maior país da região, o Brasil foi ignorado pelo dublê tropical de Putin.

Maduro atraiu a geopolítica da guerra sem medir as consequências. Putin é seu aliado, mas a China também apoia a Venezuela e investe na Guiana tanto quanto a ExxonMobil, gigante dos EUA responsável pela exploração offshore de seu petróleo. Não deu outra: militares dos EUA farão um treinamento com os guianenses esta semana.

O mundo está mudando, e quem não mudou ou não entendeu a mudança se descobre pelado. Como o xeque dos Emirados Árabes, que tentou tirar proveito comercial da conferência negociando... petróleo, e o ministro saudita se insurgindo contra a principal meta ambiental - impor prazo para o fim global da queima de combustíveis fósseis.

Geopolítica dos adultos

Um olhar para dentro da Arábia Saudita explica as idiossincrasias da geopolítica de hoje. O reino absolutista governava a seu gosto o cartel da OPEP e assim parecia dispor dos volumes ofertados e do preço praticado pelos países associados, faturando trilhões. E aí?

Aí que a prática do cartel de cortar produção para forçar alta de preço já não é mais eficaz, mesmo com a adesão da Rússia à OPEP+, um bloco adicional de produtores desobrigados de acompanhar o que os sócios fundadores impuserem. O governo Lula comunicou a adesão à OPEP+ entre os dias em que se encontrava entre Riad e Dubai.

Conforme o script original, o Brasil seria levado à vitrine das potências ambientais, talvez a principal, o que de fato é, mas o anúncio da “sociedade” com a OPEP maculou a comunicação. A ironia é que ao contrário da percepção corrente os EUA são, na verdade, o grande formador de preço do petróleo, graças à sua enorme produção de óleo de xisto e às reservas estratégicas. Tem 16% da produção mundial, contra 13% da Rússia e cerca de 10% da Arábia Saudita.

Em tal quadro, a produção saudita de 9 milhões de barris/dia, o triplo da brasileira, não a impediu de registrar queda anualizada de 4,5% do PIB no terceiro trimestre. O corte feito este ano para subir preço foi compensado pelo aumento da produção dos EUA. Mais.
Alvo de sanções do Ocidente desde a invasão da Ucrânia, a Rússia tem escoado parte de sua produção para a Índia, onde é refinado e reexportado, ajudando a suprir a oferta que a OPEP+, com o apoio formal de Putin, tenta restringir. Índia é parceira estratégica dos EUA na contenção da China, o que inclui decisões enigmáticas.

Os lobbies dos condenados

Esse foi o velho que esteve em Dubai. A transição para a economia de baixo carbono está avançando, combinando ações regulatórias com oportunidades antecipadas pelo capital privado. É onde cruza com o fim da ilusão das doações dos países ricos aos pobres para ajudar a transição e a expectativa de convivência com petróleo e carvão.

Mesmo sem grande indústria de placas fotovoltaicas nos EUA, um setor dominado pela China, a geração de energia solar vai crescer 64% no mundo este ano sobre 2022, segundo o serviço BloombergNEF, adicionando 413GW à capacidade instalada. Tamanha rapidez fez cair o custo da geração solar de US$ 0,23 para US$ 0,14 por watt.

No Brasil, o ritmo também é intenso. Usinas eólicas, entre novas e projetadas, têm o dobro da capacidade de Itaipu, a segunda maior hidrelétrica no mundo. E não vai parar. Decisões esquisitas, como a extensão do subsídio a usinas a carvão até 2050, e a termos a gás, inseridas no PL 11.247 aprovado na Câmara, significam a ação de lobbies cabulosos tentando estender benefícios espúrios.

Nada tem a ver com a tendência dominante das energias limpas. Tal como o governo Biden liberando a exploração de petróleo no Alaska, uma forma de desarmar a OPEP e agregados, além de dar valor ao que vai caducar em breve (como nosso óleo da Margem Equatorial).

Tosquiadores da política

O mundo (quase) invisível em que se faz o embate entre as grandes e aspirantes a potências não é linear. Ações altistas da OPEP não servem à China, hoje o maior importador de petróleo, tanto quanto a Palestina sob controle de radicais assusta os reis da região.
Mas ajuda a Putin, super dependente da China de Xi Jinping, algo que desvie atenções dos EUA de Biden e aumente o preço do que tem a vender, seu petróleo, comprado pelos chineses a preço de saldão. Maduro, líder de um país arruinado, nada tem a oferecer, exceto confusão, esperando que os amigos da região salvem a sua pele.

Encenações da geopolítica não são muito diferentes do teatro da política parlamentar no Brasil: quem piscar primeiro tem de ceder. Os sem-cacife não devem aventurar-se, pondo-se na dependência de votações em que não têm fichas nem para aprovar nome de rua.
É a engenharia desse jogo que passará a tomar o tempo do governo para não ser tosquiado a cada votação no Congresso. E enquanto há plumagem para tosquiar. O parlamentarismo informal está com tudo.