Levantamento recente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) alerta para o avanço dos casos de miopia entre crianças e adolescentes - a taxa de progressão desse distúrbio visual cresceu em 70% dos pacientes de 0 a 19 anos a partir de 2020. Para 75% dos oftalmologistas consultados, a causa principal é a exposição aumentada dos jovens às telas de equipamentos eletrônicos. Outra pesquisa, publicada esse mês pelo Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG, aponta essa mesma tendência: os moradores das capitais brasileiras e do Distrito Federal aumentaram o tempo gasto no lazer em celular, computador ou tablet (grupo chamado CCT) de 1,7 para 2 horas por dia, entre 2016 e 2021.



O esforço para enxergar de perto as telas sobrecarrega a musculatura ocular e, por isso, pode estimular o crescimento ou desenvolvimento da miopia, conforme explica o oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira, professor de cirurgia oftalmológica da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.

"Além do surgimento ou progressão da miopia, a exposição prolongada a telas pode ocasionar a síndrome do uso de aparelhos eletrônicos, um cansaço ocular, uma fadiga ocular, quando aumenta-se muito o esforço visual. Também pode gerar alterações da superfície ocular, piora da síndrome do olho seco, inflamação, vermelhidão, irritação, coceira, sensação de corpo estranho nos olhos, tudo em decorrência desse uso exagerado de telas", explica Tiago César.

No caso de crianças, a progressão do grau da miopia merece ainda mais atenção, conforme o especialista. "O problema da progressão precoce do grau de miopia é que, a partir de cinco graus, muitos vão ter alguma doença ocular no futuro, seja descolamento da retina, incidência maior de catarata, glaucoma. Então, os míopes que estão surgindo agora podem ser míopes de grau alto futuramente, e aumenta a prevalência de doenças oculares graves."



Atividades ao ar livre

"Além do surgimento ou progressão da miopia, a exposição prolongada a telas pode ocasionar a síndrome do uso de aparelhos eletrônicos", explica o oftalmologista Tiago César Pereira Ferreira

(foto: Ramon Ferrary)
Coincidência ou não, o ano de 2020, apontado pelo CBO como o inicial nessa taxa de progressão da miopia entre crianças e adolescentes, foi o ano em que eclodiu a pandemia, levando a população ao isolamento social. "Crianças que são pouco expostas à luz solar também têm uma regulação hormonal no olho prejudicada. A luz solar está diretamente relacionada ao hormônio dopamina, e sua falta também está diretamente relacionada ao aumento da miopia. Então, excesso de tela, esforço para enxergar de perto e pouca exposição a atividades externas, brincar ao ar livre, tudo isso contribuiu para esse aumento", esclarece o oftalmologista.

A operadora de caixa Maria da Conceição conta que teve dificuldade para descobrir que a filha, Sophia Gabrielle Dias Ribeiro, de 8 anos, tinha dois graus de miopia, além de outro problema ocular. "Eu demorei para descobrir. Ela começou coçando muito o olhinho, ficava muito vermelho, alguns médicos chegaram a falar que era uma alergia, até que o oftalmologista identificou miopia com astigmatismo".

A operadora de caixa Maria da Conceição conta que teve dificuldade para descobrir que a filha Sophia, de 8 anos, tinha dois graus de miopia, além de outro problema ocular

(foto: Arquivo Pessoal)
Ela conta que a filha assiste televisão, mas faz pouco uso de celular ou tablet, e que tem passado mais tempo brincando ao ar livre, inclusive por recomendação do oftalmologista. "É uma menina que gosta muito de brincar ao ar livre, correr, brincar de boneca... O oftalmologista também recomendou", conta.



Para evitar esse tipo de complicação, é importante que os pais estejam atentos à criança dentro de casa. "Se a criança tem que chegar muito perto da televisão, aproximar muito os objetos para enxergar, pode ser um sinal de miopia. Na miopia, a pessoa enxerga bem de perto, e enxerga mal de longe", diz o oftalmologista, que ressalta ainda como sinais de alerta: olhos tortos, desviados, olho irritado, coçando ou vermelho.

"Qualquer indício de que algo não vai bem nos olhos deve ser avaliado. Além disso, toda criança, nessa primeira infância, até cinco anos, deve ser examinada pelo oftalmologista mesmo sem sintomas, pois um dos olhos pode estar em sofrimento, ou com um pequeno grau mal corrigido, e isso pode gerar um problema para aquela criança", recomenda.

Além de estimular as atividades ao ar livre, o tempo de tela deve ser limitado. "Em relação a crianças, a recomendação é: abaixo de dois anos, não devem ser expostas a telas. Entre dois e sete anos, não mais de duas horas por dia, contando o dia inteiro, não ficar direto, lembrando que isso inclui smartphone, TV e tablets. Ou seja, o tempo de tela deve ser bem limitado", explica Tiago César.



O que mais o excesso de exposição pode causar

Outro ponto de alerta é a luz emitida pelos equipamentos eletrônicos que, segundo o oftalmologista, é prejudicial ao olho humano. "Para quem usa óculos, recomendamos filtros anti-reflexo, que fazem o controle dessa luz azul. Os próprios aparelhos estão evoluindo cada vez mais para reduzir a emissão da luz azul, que causa um dano ao tecido ocular", diz.

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Mais uma recomendação é que a luminosidade esteja no nível mais alto. "Nada de ficar no escuro mexendo no celular com o brilho reduzido. Devemos iluminar a tela e, mais importante, sempre estar em ambiente iluminado ao manusear o aparelho, não assistir vídeos e etc com a luz do ambiente apagada. Tanto a tela quanto o ambiente devem estar bem iluminados e, sempre que possível, usar os controles de filtro de luz azul, que também vai ajudar no controle do dano ao tecido ocular", recomenda Tiago César.

O neurocirurgião Felipe Mendes pontua que, por estarem cada vez mais presentes, os smartphones podem, de certa forma, influenciar o funcionamento do cérebro

(foto: Ana Slika/Divulgação)
O neurocirurgião Felipe Mendes pontua que, por estarem cada vez mais presentes, os smartphones podem, de certa forma, influenciar o funcionamento do cérebro. "Existem modificações do ponto de vista estrutural e funcional, como, por exemplo, a área de representação dos dedos no cérebro se tornarem mais proeminentes", diz.



Em relação a impactos fisiológicos, o uso dos smartphones tem potencial de criar circuitos de dependência, aponta o neurocirurgião. "Todas as vezes que alguém recebe algum comentário ou curtida numa rede social existe a possibilidade de liberação de uma substância chamada dopamina, que está relacionada à sensação de prazer e bem-estar. Cria-se então, no nosso corpo, aquela busca incessante por esse efeito. O lado ruim é que são necessários cada vez mais estímulos para que se atinja essa percepção. Dessa forma, se estabelece um ciclo de dependência. Nosso corpo fica em um estado de prontidão e, a cada vez que recebe uma mensagem, logo queremos olhar de forma ágil para saber qual é a nova mensagem ou comentário", pontua Felipe Mendes.

Segundo Mendes, esse estado de prontidão também se relaciona com a liberação de outras substâncias, como o cortisol, que está ligado a casos de estresse, ansiedade e angústia. "Esse próprio estado de tensão constante, de ficar ligado no aparelho quase que 24 horas por dia, leva também ao excesso de distração, dificultando a realização de outras atividades, principalmente àquelas que exigem uma carga ou conteúdo cognitivo maior, como a leitura de um livro ou a execução de uma tarefa no trabalho ou na escola", comenta.

Como ponto positivo, o neurocirurgião ressalta a possibilidade de ampliar a capacidade do ser humano em armazenar e buscar informações. "Podemos anotar informações e deixá-las registradas e isso, de certa forma, tira uma sobrecarga de armazenamento da memória. Assim, conseguimos ter uma produtividade melhor ao longo do dia. Por isso a importância de ter o balanceamento e equilíbrio no uso, estabelecendo pausas para que esse hábito seja proveitoso e não traga maiores consequências", afirma.

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