Jornal Estado de Minas

ESCOLHAS SÁBIAS

Choosing wisely: movimento quer diminuir exames e tratamentos evitáveis



Choosing wisely. Já ouviu falar? é um movimento que visa diminuir a quantidade de exames e tratamentos desnecessários - iniciativa da American Board of Internal Medicine Foundation (ABIM Foundation) para estimular profissionais de saúde e pacientes a conversarem sobre o uso correto e o momento adequado de exames diagnósticos e intervenções em saúde. A intenção é evitar procedimentos desnecessários ou que podem levar a consequências ruins. 




 
Estudo publicado por pesquisadores da Harvard Medical School e do Beth Israel Deaconess Medical Center comprovou que 30% de todos os exames de laboratório são desnecessários e outros 30% podem ser subutilizados. A análise foi feita em escala global a partir de 1,6 milhão de resultados de 46 testes laboratoriais mais solicitados por médicos e instituições de saúde.
 
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 
 
 
 
O ortopedista especializado em coluna vertebral Daniel Oliveira destaca que o choosing wisely é uma excelente alternativa para estimular tanto a classe médica quanto os pacientes a conversarem sobre qual é o momento adequado e para qual finalidade está sendo sugerido determinado exame. 

“Isso tem como resultado principal diminuir o número de procedimentos desnecessários e para que o paciente não ache problemas de saúde onde não tem. Na ortopedia, principalmente quando se trata de coluna, a grande maioria dos pacientes já chega em meu consultório sentindo dores há muito tempo e sem conseguir solução para o incômodo. Então, na maioria das vezes, preciso pedir alguns exames. O que todos têm de entender é que muitas das alterações apresentadas numa ressonância, por exemplo, não são as causadoras do problema.”




 
“É preciso conhecimento embasado para a tomada de decisão.” Daniel Oliveira revela que tem uma estratégia. “Examinar o paciente de forma minuciosa, identificando as alterações neurológicas. A partir daí, já levanto a suspeita de quais locais podem estar causando o problema e só então abro a ressonância, confirmando e mostrando o local em que está localizado aquilo que gera o incômodo. Outros locais, que aparecem com alguma protusão discal (hérnia), também identifico para que o paciente entenda que não é ela que está causando o problema e está tudo bem. É uma orientação para ele entender que nem tudo que está alterado significa ser um problema. E, mais do que isso, é estimular a população a criar bons hábitos para que as doenças sejam prevenidas.”
 
Leia a continuação desta matéria: Antes de exames, médico e paciente devem conversar para avaliação clínica
 
Por isso, além dos exames, é fundamental a anamnese criteriosa e com o tempo necessário para cada paciente, sem atropelos ou consultas cronometradas e o paciente saindo do consultório com uma lista de pedidos de exames. Para Daniel Oliveira, “médicos devem investir tempo de consulta para conseguir o máximo possível de informações sobre o paciente e sobre o que o levou ao consultório médico. Entender a história, o histórico da família, a rotina, os bons e maus hábitos para, em cima disso, realizar o exame físico no paciente e, se necessário, fazer o pedido de exame. E o paciente também precisa ser encorajado a falar mais. Quanto mais o médico souber sobre seus hábitos ao longo da vida, mais chances de acertar no diagnóstico sem que haja a necessidade de exames para a investigação”.

OUVIR O PACIENTE

Daniel Oliveira enfatiza que conversar com o paciente causa uma repercussão positiva na relação dos dois, na redução de queixas e de erros nos diagnósticos, além de fazer com que haja mais aderência ao tratamento e confiança naquilo que o especialista está falando. “O médico tem responsabilidade, enquanto profissional, de entender e diagnosticar o que o paciente tem, está passando ou sentindo, e isso só é possível quando há uma conversa sincera e detalhada por parte do indivíduo que o procura. Antes de se consultar, escreva no papel as principais queixas, pontue casos de família que sejam parecidos (caso existam), quando as dores começaram, quando elas pioraram, qual é sua rotina e cuidados com relação à alimentação, prática de atividade física, entre outros. Pacientes precisam entender que quanto mais informações o médico tiver em mãos, melhor será no tratamento de qualquer patologia.”




 
Daniel Oliveira, aliás, compartilha um caso em que a conversa com o paciente foi responsável por mudar o diagnóstico. “Um paciente que se queixava por estar com uma dor na perna e foi até o consultório por acreditar estar com hérnia de disco. Fez uma ressonância na coluna e viu algumas pequenas alterações. Com isso, fez um procedimento de bloqueio para aliviar a dor e foi até ele para buscar uma segunda opinião. Quando o examinei, as alterações pareciam não estar sugestivas de vir da coluna, mas, sim, do quadril. Pedi, então, um exame da região do quadril e aí apareceu a metástase de um tumor que ele não sabia que tinha.”
 
O paciente, lembra o ortopedista, havia apontado uma perda de peso significativa nos últimos meses, sem causa aparente. “Isso levantou a hipótese de que, eventualmente, estaria desenvolvendo algum tipo de câncer e, por isso, a necessidade de fazer uma ‘investigação’ minuciosa. Era alguém que tinha algumas alterações na coluna lombar, degeneração e dor na perna, achando que poderia ser de alguma compressão do nervo, mas, na verdade, era um tumor na parte proximal do fêmur, perto do quadril.” 
 
Por isso, Daniel Oliveira discorda daqueles que pensam que os avanços tecnológicos, a evolução dos exames e os robôs guiados em cirurgias tornam a medicina mais fria e distante e não mais humanizada. “Pelo contrário, a tecnologia veio para fazer com que os diagnósticos e tratamentos sejam ainda mais precisos. Eles só não podem substituir, de forma alguma, a anamnese médica profunda e a conversa acolhedora entre o profissional e o paciente. Por trás de algum incômodo, sempre existe uma história. E essa história tem total relação com o que está ocorrendo e com o motivo de o paciente ter procurado ajuda médica. Isso não pode ser deixado de lado nunca.”