Apesar de mais controlada com a chegada da vacina, a pandemia de COVID-19 ainda afeta a sociedade. Pesquisadores de diversas áreas da saúde ainda vão, nos próximos anos, descobrir alguns efeitos danosos de ordem física e psicológica do contexto pandêmico na vida das pessoas. Recentemente, mais uma dessas consequências foi descoberta: o aumento e agravamento de casos de bruxismo e disfunção temporomandibular (DTM) na população.




 
A causa direta, conforme alerta o especialista em dores na face, Ricardo Tanus, é a relação entre essas disfunções e a ansiedade provocada pelo cenário incerto. “Durante a pandemia, as pessoas começaram a ficar mais em casa, entediadas, dormindo tarde, se exercitando menos, alteraram o padrão de sono, ficaram mais ansiosas, com medo de ficar doentes, de perder entes queridos. Tudo isso aumentou a ocorrência de bruxismo e DTMs, ou seja, as dores na articulação temporomandibular (ATM) e na musculatura mastigatória, ocasionando dores na face”, explica o dentista, que é mestre e especialista em DTM e dor orofacial.

A placa dental é aliada para amenizar as dores do bruxismo

(foto: Arquivo Pessoal)
Estudo publicado no Journal of Applied Oral Science, da Faculdade de Odontologia de Bauru/USP, aponta que a pandemia pode levar a grandes impactos nas ciências orais nos próximos anos. E que “pode-se esperar que fatores psicológicos associados à pandemia podem levar a um maior risco de desenvolver, piorar e perpetuar o bruxismo e a DTM”, revela a pesquisa, desenvolvida por pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
 
O fato é atestado por estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que avaliou o impacto da pandemia no estresse, sono e na saúde bucal de estudantes universitários. A pesquisa concluiu que o surto de Covid gerou impactos psicológicos, fisiológicos e comportamentais nos alunos.

Rotina de sono alterada

Bloqueios musculares também são aliadas para amenizar as dores do bruxismo

(foto: Arquivo Pessoal)


Entre os entrevistados, 72% tiveram sua rotina de sono alterada durante o período de isolamento social e 65% tiveram maior dificuldade em manter o ânimo. Também houve aumento estatisticamente significativo de estresse emocional, dores de cabeça e apertamento dentário diurno. Esse último ponto, segundo Ricardo Tanus, também é chamado de “bruxismo da vigília”, que é o ato de apertar, ranger, encostar os dentes levemente ou até pressionar os músculos da face mesmo sem ter o toque dos dentes, durante o período que estiver acordado.



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De fato, o estudo da USP apontou que pacientes com níveis altos de estresse são quase seis vezes mais propensos a relatar bruxismo acordado. Esse efeito é um padrão muito semelhante ao descrito como síndrome do estresse pós-traumático.

O tratamento para essas situações em que a causa foi identificada (estresse/ansiedade devido à pandemia), explica Tanus, passa pelo desenvolvimento de uma rotina que lembre o paciente de aliviar a sobrecarga muscular e/ou articular. “Buscamos também mudanças comportamentais como o controle da ansiedade com exercícios de respiração, meditação e ioga”, afirma Ricardo Tanus.





Para adquirir o hábito de manter os dentes desencostados e os lábios selados em posição de repouso, há também aliados como aplicativos que emitem alertas, tal qual o “Desencoste”, disponível gratuitamente para Android e IOS.

Tratamento multidisciplinar

Acabar com as dores provocadas pelo bruxismo e as DTMs precisa levar em conta todo o histórico e estilo de vida do paciente. É necessário entender as causas do estresse, o padrão de sono e até as medicações que a pessoa utiliza. Isso porque alguns antidepressivos têm como efeito colateral o agravamento do bruxismo e é preciso pesar, junto com o psiquiatra, os benefícios e as alternativas para esse tratamento.


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“Falo há mais de 25 anos que nós cuidamos de gente, não de dente. Não há receita de bolo para os tratamentos, que devem ser individualizados. Após identificar se o problema é articular ou muscular, começamos as intervenções, que podem incluir mudanças comportamentais, placas oclusais, termoterapia, medicações, agulhamento seco, laserterapia, exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, infiltrações intra articulares, bloqueios anestésicos, entre outros. Daí a importância de um profissional qualificado para individualizar cada tratamento conforme o que o paciente apresenta de problema”, esclarece o dentista.




 

A psicóloga Ana Carolina Paiva se livrou de dores fortes na cabeça, face e pescoço, além de um zumbido insuportável no ouvido, causados pela DTM. No tratamento, ela também usou laser para aliviar as dores

(foto: Arquivo Pessoal)
Foi esse acolhimento e entendimento completo do histórico da psicóloga Ana Carolina Paiva, 34 anos, que a livrou de dores fortes na cabeça, face e pescoço, além de um zumbido insuportável no ouvido, causados pela DTM. Ela conviveu com o problema por três anos, quadro que se agravou na pandemia, com aumento da ansiedade e do estresse. Ela perdeu um tio no auge da COVID-19, quando ainda não se tinha muita informação sobre a doença e perspectiva de vacinas. Teve muitos sintomas quando pegou o vírus e temeu pela saúde da mãe, de 67 anos. “Já perdi o meu pai e tive medo de perder minha mãe também. Toda vez que eu ficava mais nervosa, as dores aumentavam”, conta.

O laser integrou o tratamento para aliviar as dores de Ana Carolina
Na saga para obter diagnóstico e tratamento corretos, que, no fim, vieram pelo dentista, ela passou por otorrinos, neurologistas, fisioterapeutas, massagistas e dezenas de exames. Chegou a ser diagnosticada com labirintite, enxaqueca crônica e teve indicação para musicoterapia para aprender a conviver com o zumbido no ouvido, que apontaram ser permanente.

“Eu pegava atestados no trabalho porque acordava com muita dor. Parei de dirigir e tinha crises de pânico porque achava que tinha algo grave, mas ninguém descobria. Cheguei a pensar em me aposentar. Meu estado psicológico estava péssimo, emagreci e quase tive depressão”, relata. Há pouco mais de um mês em tratamento com o Dr. Tanus, e ela quase não tem dores no pescoço e na face. “Depois dos exames, entre outras ações, fizemos agulhamento, termoterapia, tens, uma nova placa e ele me orientou quanto a mudanças comportamentais. Parei com os relaxantes musculares e me livrei do que mais me atormentava, o zumbido no ouvido”, comemora a psicóloga.

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