Muito além das características mais evidentes, a música cumpre um papel importante no contexto da medicina. E essa é uma associação secular. Ainda na Antiguidade, o médico e matemático Pitágoras acreditava nas relações entre as harmonias musicais e o corpo. Depois da Segunda Guerra Mundial, o uso terapêutico da música ganhou relevância, e assim surge uma nova área do saber: a musicoterapia. 




 
Ela pode ser aplicada para diversos tipos de transtornos mentais, físicos, sociais, cognitivos ou emocionais. E, no caso das crianças, essa é uma interação em particular. Procedimentos da musicoterapia para atender e amenizar o sofrimento entre os pequenos se vestem de importância, ajudando no cuidado com uma abordagem sutil e, ao mesmo tempo, potente. Afinal, o som é um dos primeiros estímulos que o ser humano recebe, ainda no útero.
 
 
 
Especialistas ensinam que a música é capaz de abrandar sintomas no momento em que leva o cérebro a uma integração acima do normal. Os sons estabelecem um fluxo, estimulando e coordenando as atividades cerebrais, fazendo com que sigam na marcha correta. Parece mágica. De um momento para o outro, a música elimina hábitos mentais congelados para fazer com que a mente se movimente de uma maneira que sem o impulso sonoro não aconteceria. A neurociência explica que a música, assim sendo, ativa várias regiões do cérebro.
 

A musicoterapeuta Luisiana Passarini é fundadora do Centro de Musicoterapia Benenzon e utiliza nas sessões uma série de instrumentos e brincadeiras para facilitar a interação musical

(foto: arquivo pessoal)
 

FASCINANTE É justamente o fato de trabalhar com tantas áreas cerebrais ao mesmo tempo, tão importantes para a linguagem, como a memória, a atenção e a motricidade, que torna a música tão fascinante como método de te- rapia. Estudos científicos na área da neurociência da música mostram que crianças que passam por treinamento musical têm sua anatomia cerebral modificada. 




 
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“Áreas auditivas, motoras, de linguagem e raciocínio sofrem alterações em sua estrutura e em seu funcionamento, que se apresenta aprimorado em muitos casos”, explica a musicote- rapeuta Luisiana Passarini, fundadora do Centro de Musicoterapia Benenzon.
 
A musicoterapia oferece benefícios para crianças com paralisia cerebral, síndrome de Down, autismo, distúrbios neurológicos, dificuldade de aprendizado e dislexia, com atrasos ou transtornos de linguagem, dificuldade de comportamento, depressão, ansiedade, estresse pós-traumático,  bebês prematuros e crianças que sofreram lesões cerebrais, para citar apenas alguns exemplos.

As atividades propostas podem ser cantar em conjunto, dançar, tocar composições conhecidas ou improvisar livremente. Seguindo os jogos e tocando os instrumentos, o musicoterapeuta interpreta as emoções, inseguranças e desejos dos participantes, respondendo a eles com música. 




 
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No fim das contas, a criança se sente compreendida. Entre tons, ritmos e melodias que o profissional copia das crianças, é como se mostrasse um espelho, também modificando alguns aspectos, indicando outras soluções, comportamentos e emoções alternativos.
 
Cada conjunto de instrumentos de percussão, harmônicos e de sopro auxiliam em um processo terapêutico. Entre os muito utilizados estão o violão e o piano; entre os percussivos estão pau de chuva, tambores, bongôs, caxixi, chocalhos, reco-reco e pandeiro. A aplicação varia conforme o contexto musical de cada paciente, seu convívio social e cultural.
 
O trabalho resgata o folclore, brincadeiras musicais, contos, sempre de forma lúdica. "Podemos utilizar instrumentos e brincadeiras musicais, canções, danças, melodias, harmonias e ritmos que facilitem uma interação musical. É ao longo dessa interação que trabalhamos diferentes habilidades da criança", indica Luisiana. Por meios tecnológicos, é possível ainda, dentro do trabalho terapêutico, reproduzir sons que lembram animais, meios de transporte, sonoridades corporais, além de jogos e brinquedos, como fantoches que te- nham som.




 
Manuela é um dos três filhos da empre-sária Silvia Nogueira Vidal e do economista Marco Aurélio Vidal. Aos 9 meses, foi diagnosticada com deficiência de piruvato desidrogenase (PDHD), uma doença neurometabólica rara caracterizada por vários sinais clínicos com componentes metabólicos e neurológicos, de gravidade variável. 
 
Com a patologia, o paciente não metaboliza o carboidrato e, em termos didáticos, acaba faltando energia para o desenvolvimento satisfatório do cérebro. No caso de Manuela, o desequilíbrio acarretou deficiência física e cognitiva, um atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.  

PROGRESSOS Logo que o problema foi identificado, foi indicada para a menina a dieta cetogênica, sem carboidratos. Com a alimentação correta, ela despertou, reagiu, fez alguns progressos, como sentar, ficar de pé com apoio, como descreve a mãe. Há cerca de cinco anos, Manuela, que sempre gostou de música, começou o acompanhamento com a musicoterapeuta e psicóloga Simone Presotti Tibúrcio, em Belo Horizonte. 
 
Antes da pandemia, fazia duas sessões por semana, em pequenos grupos, o que inclusive ajudou na socialização. Agora, os atendimentos são individuais.
 
Silvia relata melhoras no quadro de saúde da filha. Dona de uma boa acuidade auditiva, Manuela percebe bem as diferenças entre os sons, tem suas preferências musicais, adora os barulhos dos instrumentos. O fato de manusear os diferentes instrumentos ajuda na coordenação motora, e ouvir música, em si, é outro estímulo. "Ela desenvolveu mais sensibilidade aos sons. E se diverte fazendo sons com objetos ou com os próprios instrumentos. Melhorou muito sua habilidade de comunicação", diz Silvia.  
 
 

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