Jornal Estado de Minas

COVID-19

Juristas não acreditam que Bolsonaro será chamado para depor na CPI

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) quer que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 tome o depoimento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nesta quarta-feira (26/5), ele apresentou requerimento solicitando presença do presidente. A ideia é ouvir o chefe do poder Executivo na condição de testemunha. Juristas ouvidos pelo Estado de Minas, contudo, acreditam que não há como a solicitação prosperar.



O ofício pedindo a convocação de Bolsonaro ainda não foi votado pelos senadores que compõem o comitê. Para propor a audiência, Randolfe se baseia no artigo 58 da Constituição Federal, que versa sobre as prerrogativas das CPIs — e explicita que inquéritos parlamentares têm alguns poderes de Justiça.

Para José Alfredo Baracho, advogado e professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), os poderes judiciais concedidos aos componentes da CPI não são suficientes para sustentar o chamado a Bolsonaro. Ele afirma que a situação poderia ser diferente, por exemplo, se o presidente fosse convocado para depor, como testemunha, em um processo conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF)

“Não temos um processo. A CPI não equivale a um processo judicial. Quando a constituição fala que as CPIs têm poderes próprios de investigação, de autoridades judiciais, isso não significa que elas tenham todos os poderes de investigação judiciais. E, mesmo assim, são poderes apenas de investigação”, diz.

Acácio Miranda, especialista em direito penal e direito constitucional, também vê poucas chances de Bolsonaro comparecer ao Parlamento. Ele lembra que, quando um presidente é arrolado como testemunha em um inquérito, pode fornecer explicações sem estar presente.



“O presidente da República pode optar por responder isso por escrito. A CPI manda as perguntas e ele manda por escrito. O Código de Processo Penal diz isso em relação ao presidente que é testemunha”, afirma.

“Isso (a convocação de Bolsonaro) é violação ao princípio da separação de poderes”, ressalta José Baracho.

Prerrogativa para chamar ministros não se estende ao presidente


Os integrantes do Congresso Nacional são amparados, também, pelo 50° artigo da Constituição, que garante aos parlamentares a possibilidade de convidar ministros de Estado para prestar esclarecimentos. Ausências sem justificativa podem gerar crime de responsabilidade.

Esse trecho, porém, não cita o chefe do poder Executivo, o que também afasta a possibilidade de, posteriormente, ser utilizado pelos integrantes da CPI da Pandemia como mecanismo para inquirir Bolsonaro.

“O Congresso Nacional, definitivamente, não tem autoridade para convocar o presidente”, assevera Baracho.



Acácio Miranda, por seu turno, crê que Randolfe Rodrigues pode estar tentando meios de apurar crime de responsabilidade por parte do presidente. O caminho, no entanto, é considerado “tortuoso” pelo jurista.

“Não é o objeto da CPI apurar eventual crime de responsabilidade. O objeto da CPI é apurar a pandemia e, eventualmente, crime contra a saúde pública”.

A apresentação do requerimento por parte do senador amapaense gerou pequeno bate-boca entre Randolfe e o governista Marcos Rogério (DEM-RO).

“A cada depoimento e a cada documento recebido, torna-se mais cristalino que o presidente da República teve participação direta ou indireta nos graves fatos questionados por esta CPI”, argumenta o oposicionista, no ofício que trata da convocação de Bolsonaro.

No texto, Randolfe tece críticas ao presidente por ações como o desestímulo ao uso de máscaras, a defesa de medicamentos sem eficácia cientificamente atestada e a propagação da tese de “imunidade de rebanho”.



Convocação de governadores e prefeitos está amparada por lei


Nesta quarta, em que os senadores não tomaram depoimentos, os componentes da CPI aprovaram diversos requerimentos. Muitos deles tratam da convocação de governadores estaduais. O aval ao chamamento de prefeitos também está em pauta para sessões posteriores.

De acordo com José Baracho, o Congresso Nacional pode convocar os líderes dos executivos municipais e estaduais. O especialista explica que a separação dos poderes não é apenas entre Judiciário, Legislativo e Executivo. O sistema federativo brasileiro também faz distinções entre União, estados, Distrito Federal e municípios.

“Estamos falando do poder Legislativo federal convocando autoridades de âmbito estadual. Aí sim (há permissão), porque a separação é a vertical — e não a horizontal”, explica, traçando paralelo à convocação de governadores por parte de assembleias legislativas — o que, assim como ocorre no caso de Bolsonaro na CPI, não tem respaldo suficiente para sair do papel.





 

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.





O que a CPI da COVID investiga?

Instalada pelo Senado Federal em 27 de abril de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), a CPI da COVID trabalha para apurar possíveis falhas e omissões na atuação do governo federal no combate à pandemia do novo coronavírus. O repasse de recursos a estados e municípios também foi incluído na CPI e está na mira dos parlamentares.

O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.


Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.





Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.





Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão

 

 





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