Entrevista/Juliano Assunção (Economista, professor da PUC-Rio e diretor-executivo do Climate Policy Initiative)
O desmatamento da Amazônia trouxe riqueza?
Esta é a questão central. Eu diria que o desmatamento é hoje muito mais um empecilho ao desenvolvimento econômico do que uma fonte de renda à população. Se pegarmos o período em que fomos mais efetivos no combate ao desmatamento, que é o período de 2004 a 2012, a taxa caiu em torno de 80%, o PIB da agropecuária da Amazônia subiu.
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Então tipicamente os melhores investidores, as melhores empresas em suas avaliações de risco, eles olham para a Amazônia com o desmatamento associado às áreas como fator de risco. Além disso, há as questões internacionais: os pólos comerciais começaram a utilizar o desmatamento fora de controle como barreira não tarifária em suas importações.
Quais são as variáveis que mais impactaram a queda vertiginosa do desmatamento da Amazônia Legal no período compreendido entre 2004 e 2012?
Temos um trabalho do Climate Policy Iniciative, que eu dirijo, para estimar o impacto causal da política de combate ao desmatamento, que se inicia com o monitoramento via satélite sobre o desmatamento. Conseguimos afirmar, com grande segurança, que a maior parte da queda do desmatamento está associada à política de comando e controle que usa o satélite como ponto de partida.
Não tem muita dúvida que essa política lançada em 2004, que começou a monitorar a Amazônia via satélite e tomar ações e punições a partir das imagens, teve impacto extraordinário sobre a queda do desmatamento. No governo Bolsonaro teve o monitoramento, mas não teve política. É preciso ter o pacote inteiro. O que o satélite faz é aumentar a efetividade da ação policial: você aumenta muito a efetividade do esforço policial, com a tecnologia.
O desmatamento acaba acontecendo ao longo de algumas semanas e há tempo de fazer uma operação, apreender equipamentos, destruí-los e aplicar as principais punições aos desmatadores. Agora, claro, apenas a tecnologia, sozinha, não vai acontecer nada, apenas vai assistir ao desmatamento da floresta em HD. Então existe uma agenda de combate ao desmatamento para a qual o Brasil tem muita expertise, que precisa ser recuperada.
Esse sistema, apesar de efetivo, tem vários caminhos de aprimoramento. E é importante olhar para a atividade econômica do sistema como um todo, para que se consiga aumentar a governança da região e, ao mesmo tempo, abordar alguns dos obstáculos ao desenvolvimento.
Como a floresta amazônica pode se tornar sustentável?
O desmatamento na Amazônia em quase a sua totalidade é ilegal, está associado ao roubo de terra pública e a uma cultura de impunidade, de convivência com o ilegal. O grosso do desmatamento é para a pecuária, a grande atividade que se estabelece após o desmatamento. Sob o ponto de vista de eficiência econômica, da dimensão mais visível que é a do carbono - ou seja o carbono vis a vis a pecuária que ali se estabelece.
Temos feito algumas simulações. Se tirasse a pecuária e adotasse o restauro florestal, e se fosse capaz de capturar o carbono associado ao crescimento da floresta, a uma taxa de 20 dólares a tonelada, a pecuária não teria a menor chance de se estabelecer na Amazônia. O preço do carbono chegou a bater recentemente a 100 dólares nos mercados europeus. Além disso, 25% da área devastada da floresta está em processo de regeneração: há 7 milhões de hectares da Amazônia que estão regenerando há mais de três anos de maneira passiva.
E não há nada mais eficaz para capturar carbono do que o processo de fotossíntese. Na Amazônia, como as árvores crescem bastante - tem muita biomassa - o potencial de captura é muito grande. Então enquanto a floresta está se regenerando, a criação da biomassa está fixando o carbono atmosférico nas árvores, nas folhas. O desafio é como a gente estrutura o mecanismo para que esse potencial se realize. Mas não temos dúvida de que somente o carbono já seria suficiente para inviabilizar a agropecuária do ponto de vista da eficiência econômica.
Agora, além do carbono, temos um processo de ocupação humana desastroso da região e um contingente de jovens desalentados, disponíveis para se conectar ao mercado de trabalho, mas há o desafio de inserção produtiva: a qualificação profissional é baixa e o acesso à internet é mais limitado. Então tem alguns caminhos que conseguimos identificar para a região, mais condizentes com as oportunidades de trabalho que se apresentam do que o desmatamento.
O que podemos aprender que uma agenda de inserção produtiva de jovens na Amazônia, em que vamos tirar proveito da combinação entre capacitação profissional, acesso à internet e maneiras de conectar os jovens ao mercado de trabalho é muito mais promissor do que qualquer atividade voltada ao desmatamento, que é atividade ilegal que acaba deteriorando o ambiente de negócios e de investimento.