Jornal Estado de Minas

HISTÓRIA EM RISCO

Manifestantes exigem arqueólogo em construção no Largo do Rosário

Manifestantes pedem que obra seja acompanhada por arqueólogo, para salvaguardar qualquer item encontrado (foto: Marcus Rocha/Divulgação)

Grupos do movimento negro de Belo Horizonte fizeram uma manifestação na tarde dessa terça-feira (25/10), exigindo a presença de um arqueologo na construção de um prédio na área que seria o antigo Largo do Rosário, no bairro de Lourdes, região Centro-Sul.  A obra está sendo erguida na esquina da rua da Bahia com a dos Timbiras, um espaço tombado como patrimônio imaterial da cidade

O empreendimento imobiliário estaria localizado no antigo Cemitério da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos que data do século XIX, local considerado sagrado para a população preta da capital mineira.



Para o grupo, composto por membros do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu) e do projeto NegriCidade, a presença de um técnico arqueólogo é essencial para preservar o que possa ser escavado durante a obra.

“Queremos garantir que qualquer artefato arqueológico, possivelmente encontrado, não seja danificado. Só não queremos ter a dúvida de que um prédio foi construído em cima de um antigo cemitério”, comenta o Padre Mauro, curador do Muquifu e coordenador do NegriCidade.

Em carta encaminhada à Superintendência Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Minas Gerais, em setembro, os manifestantes reconhecem a legalidade da obra, mas reforçam a necessidade do licenciamento arqueológico em contextos urbanos. O pedido corre no instituto, ainda sem resposta.

Por outro lado, a presença de retroescavadeiras no local motivou a chamada para o ato desta terça (25/10), que, para o Padre Mauro, “é o início de um caminhada”. O grupo não entrou em contato com a Sólido Engenharia, empresa responsável pelo prédio, por acreditar que o encaminhamento mais correto seja com o Instituto do Patrimônio

O Estado de Minas entrou em contato com o Iphan, mas ainda não obteve resposta.




Segundo sepultamento

Tombado no fim de março deste ano, o espaço do Largo do Rosário era o nome dado ao espaço compartilhado no Curral Del Rey, entre um cemitério, inaugurado em 1811, e uma igreja, finalizada em 1819. O mito de que Belo Horizonte foi construída "em cima de nada" não procede, já que o largo, assim como o Curral, foram “soterrados” pela metrópole que surgia.

À esquerda, o mapa do Curral Del Rey sobre o mapa de BH destaca em vermelho o cemitério; à direita, a placa do Largo do Rosário (foto: Abílio Barreto (1945)/Marcus Rocha/Divulgação)

Essa ideia faz com que as obras não sejam acompanhadas por arqueólogos. Como o espaço do largo é reconhecido como patrimônio imaterial, os manifestantes exigem esse acompanhamento, mas não para impedir a construção de um prédio que possui todas as autorizações legais.

Leia mais: 'Largo do Rosário' é reconhecido como patrimônio cultural de Belo Horizonte

Caso o imovel seja concluído sem a presença de um arqueólogo para avaliar e preservar o que for encontrado, a memória pode ter um dano irreparável. É uma perda da história para o movimento negro belo-horizontino.

“De novo a população negra, e eu sou negro, continua sem ter como contar a história de seus antepassados na cidade. É um segundo sepultamento”, conclui Padre Mauro.

*Estagiário sob supervisão do subeditor Thiago Prata