Jornal Estado de Minas

COVID-19

'A dor mata': relato de uma jovem que quase morreu com COVID-19

Marina de Macedo Quadro tem 23 anos e um corpo saudável, pelo menos até o último 8 de dezembro, quando sentiu os primeiros sintomas da COVID-19. Ela mora em Belo Horizonte, na Região da Pampulha, com a mãe Marinalva e a irmã, Júlia. 




 
Nina, como gosta de ser chamada, é musicista desde criança. A música sempre fez parte da sua vida no teatro, balé clássico e instrumentos. Aos 18 anos, ela prestou vestibular para musicoterapia na UFMG e se formaria em 2020, mas a pandemia atrasou o diploma.
 
No início da quarentena, em março, Nina se fechou em casa e permaneceu durante seis a sete meses sem nenhuma atividade na rua. Ela tem asma controlada e ficou com medo de contrair a COVID-19. 
 
Durante o período em casa, se dedicou a um projeto da sua graduação, que fazia músicas para profissionais da saúde, o “Música para quem Cuida”. Fez as gravações do seu quarto, cumprindo com o distanciamento social. 
 
Há três meses, em setembro, ela voltou a trabalhar e precisava andar cerca de dois quarteirões até o local, mas esse era o único trajeto fora de casa. Ela e a família mantiveram os cuidados recomendados pelas autoridades de saúde desde o início: uso de máscara, álcool, limpeza de compras e objetos, trocar de roupa e sapato ao chegar em casa.

No entanto, mesmo sem ter contato com pessoas doentes, Marina contraiu o novo coronavírus. Ela diz não ter ideia de onde foi, mas os sintomas começaram dia 8, quando perdeu o paladar: “Comi um biscoito recheado que não experimentava há anos. Ele sempre foi muito doce, com aquele gosto de infância, mas não senti nada”.




 
Marina comemorou a vitória contra a COVID-19 (foto: Arquivo pessoal)

A partir dessa constatação, ela se isolou no quarto imediatamente. Foram 14 dias intensos desde o primeiro sintoma. Nos primeiros dias, se sentia indisposta, fraca e com dores, mas a piora não demorou e dois dias depois, ocorreu a primeira ida ao hospital.
 
Sua saturação geral e pressão estavam boas, mas seu coração tinha algumas arritmias e isso se tornou um problema, já que qualquer movimento a deixava com um cansaço extremo. Dobrar roupas ou levantar da cama eram atividades que Marina não conseguia fazer sem sentir o coração disparado.
 
Quase uma semana depois do primeiro sintoma, ela e a família viveram um dia muito difícil. Nina foi andar, com máscara, em outro cômodo da casa, para tentar reagir e melhorar a fraqueza. Minutos depois, ela reparou a boca e os pés arroxeados, além de dormência nos braços.




 
A dor só piorou e ela precisava de atendimento médico urgente até que uma ambulância chegou em sua casa, no Bairro São Luiz, e por 40 minutos, tentaram uma vaga em hospital. Em BH, não foi possível encontrar vaga em nenhum hospital particular, por isso ela teve que ser levada até um hospital de Contagem. 
 
Na ambulância, Nina conta que quase foi seu último respiro: “A dor parava, eu tentando abrir o olho, mas a visão estava escura e já não sentia mais nada, nenhuma dor. Ouvia minha mãe gritando 'volta pelo amor de Deus' e fazia uma força descomunal para conseguir abrir os olhos”. E completa: “Se não fosse a minha mãe implorando para voltar, eu teria aceitado que a dor passou e ficava ali, naquela ambulância”
 
No hospital, fizeram muitos exames e não acharam nenhum sinal de infarto ou inflamação após o episódio na ambulância. Era “só” a COVID-19. 
 
Marinalva e Júlia cuidaram dela durante 24 horas em todos os dias e, graças a isso, ela diz, que tem se recuperado bem. Apesar de ser uma cura demorada, ela já está se “sentindo viva novamente”. "Voltei a sentir os órgãos mexendo, o ar entrando e saindo, o coração bombeando sangue. Até ontem, meu corpo estava lutando para sobreviver, hoje ele está voltando a vida.”





Aos poucos, ela está conseguindo se mexer, sentindo dores de cabeça e no corpo, mas chegou a tomar banho em pé, comer com apetite e sentir alguns gostos. 
 
Uma postagem feita numa rede social em 20 de dezembro, ela relatou a situação e em entrevista, disse que “se uma pessoa ler o meu post e desistir de ir para uma festa, usar uma máscara ou se uma família não precisar passar pelo que passamos, pra mim já valeu alguma coisa”.
 

 
Ela diz não se importar com a exposição da privacidade se “uma vida for salva”. Encarar a morte aos 23 anos foi muito intenso, e sua visão sobre tudo mudou completamente em duas semanas. Tudo o que ela vê e sente agora é com mais gratidão. “Eu e minha família consideramos que foi um renascimento” ela completa. 
 
 
*estagiária sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz
 

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