Jornal Estado de Minas

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Gravidez na adolescência: a importância das redes de apoio para mãe e bebê

A gravidez na adolescência traz riscos para a saúde física e mental da mãe e da criança, com consequências que podem ser para a vida toda ou provocar a morte da jovem e do bebê. Nesta quarta reportagem da série especial “Antes da Hora” para o podcast DiversEM, do Estado de Minas, vamos mostrar como uma rede de apoio durante a gestação pode ajudar mulheres a superar esse desafio. Exemplos dentro das famílias e também nas escolas.



A manicure Valéria Maria Santos, de 23 anos, mãe dos gêmeos Kaio e Kauê, de 3, contou com um apoio essencial para conseguir superar as dificuldades no período final da gestação, quando precisou ser internada. Após o nascimento dos filhos, foi na escola que buscou orientação. Ela participou da primeira turma do projeto Bebê a Bordo, no Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, em Santa Rosa de Lima, no Sergipe.

A história do Bebê a Bordo e suas áreas de atuação foram tema da terceira reportagem desta série, disponível no site do EM e no podcast DiversEM, já nas plataformas de streaming. Além de permitir a presença dos filhos na sala de aula, o colégio ensina cuidados com o bebê, como a massagem shantala, desobstrução das vias nasais e primeiros-socorros. O foco é acolher as alunas que são mães e as crianças, combatendo a evasão escolar.

"Quase que ele não vinha para casa"

Valéria teve uma infecção urinária que a fez ficar internada no hospital do sexto ao oitavo mês de gestação. Os filhos acabaram contraindo também uma infecção. Kauê conseguiu se curar com antibióticos, mas o irmão, Kaio, ficou internado por mais um mês. “Quase que ele não vinha para casa”, relembra a manicure. Os garotos moram com a mãe, o pai, a avó e a bisavó em uma casa em Santa Rosa de Lima, cidade com menos de 4 mil habitantes a cerca de 1 hora de carro de Aracaju.



“A gravidez para mulheres adultas já é uma grande mudança. Imagine para uma adolescente. É uma gestação que, em geral, vai ser negligenciada no pré-natal. Muitas vezes, o fluxo menstrual da adolescente abaixo dos 14 anos não se estabelece de forma concreta. Ela não sabe como funciona a menstruação. E pode ser que ela demore a reconhecer que a menorreia que ela está tendo não é o normal”, explica a ginecologista Ligia Santos, assessora da Área Técnica de Saúde da População Negra da Prefeitura de São Paulo.

Cerca de 40% dos 2,6 milhões de nascidos vivos no Brasil em 2021 eram filhos de mães de até 24 anos, conforme dados do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Quando o recorte de idade cai para abaixo dos 14 anos, foram 17.415 mil bebês nascidos vivos no país. Um número que supera a população de mais de 630 dos 853 municípios mineiros, por exemplo.

Os principais perigos para a mãe adolescente são a chance maior de haver pré-eclâmpsia, uma doença hipertensiva específica da gestação. Além disso, a pelve da garota é muito pequena para a passagem natural do bebê. Na lista de perigos para essas mães e filhos estão ainda diabetes e hipertensão, entre outras. Por esses motivos, a demora para a realização de exames pré-natal nessa faixa etária preocupa tanto os profissionais da saúde.



Apoio dentro da escola

A estudante Elida Santos teve Bryan aos 14 anos e contou com o apoio do Bebê a Bordo (foto: Ana Raquel Lelles/EM/D.A Press)
A estudante Elida Santos, de 18 anos, teve de superar um momento emocional delicado durante a segunda gravidez antes de buscar ajuda. Quando ela descobriu que estava esperando Maria Elisa, hoje com 3 anos, ela já era mãe de Bryan, um ano mais velho que a irmã. “Eu não queria fazer pré-natal nem nada. Fiz um pré-natal e foi o professor Almir (Pinto, diretor do Dr. Edélzio) que me levou. Eu fui com poucas informações para o hospital, falei que era psicológico e eles entenderam”, desabafa a jovem de Santa Rosa de Lima.

Mais de 10% dos bebês de mães adolescentes nascem prematuros, afirma a médica ginecologista Albertina Duarte, coordenadora do projeto Casa do Adolescente, em São Paulo. “Quando o bebê nasce prematuro, ele precisa ser amamentado com mais cuidado. Essa mãe que tem um bebê prematuro não está com a mama preparada. O seu leite já vai ser diferente para ser ofertado. Esse bebê tem mais risco de infecções, mais risco de mamar, porque a articulação não está preparada. Ou seja, ela tem mais dificuldade de oferecer e ele está menos preparado para absorver”, explica.

"O acolhimento da minha mãe foi fundamental"

A jornalista Renata Veneri teve a filha, Bruna, quando tinha 15 anos e contou com a ajuda da mãe e da avó (foto: Arquivo Pessoal)
O apoio das mulheres da família ajudou a jornalista Renata Veneri, de 45 anos, a criar a filha, Bruna. Ela engravidou aos 14 anos do seu primeiro namorado. Eles se conheceram em Porto Belo, em Santa Catarina. Mas, a jovem só descobriu a gravidez quando se mudou para São Paulo.




“A minha mãe falou: ‘Não chore, eu só vou ser avó um pouco mais cedo do que eu imaginava’. E aquele acolhimento da minha mãe, sem dúvida nenhuma, foi fundamental”, afirma Renata. Porém, mesmo com o suporte em casa, ela precisou deixar a escola de lado por um ano para focar na maternidade.

Renata conta que não se sentia acolhida no colégio e era julgada por colegas de classe e pais de outros alunos por ter sido mãe na adolescência. Assim que retomou os estudos, ela dividia a rotina entre estudar e cuidar de Bruna. “As pessoas têm aquela ideia de família: ‘meu filho vai ser assim, a minha filha vai ser assada’. Mas eles vão ser o que quiserem. Claro que dependem demais daquilo que eles ouvem em casa, daquilo que eles veem em casa, do que sentem em casa. É uma rede de proteção e uma rede de autonomia que a gente precisa dar para os filhos”, comenta.

Um espelho dos adultos

Um bebê se reconhece pelos olhos dos pais, conforme explica a psicóloga Anna Mehoudar, fundadora do Grupo de Apoio à Maternidade e Paternidade (Gamp21). Por isso, as crianças tendem a repetir o comportamento dos adultos responsáveis e a criar uma base emocional a partir desse contato. “É muito diferente, por exemplo, a família que se assusta com os menores movimentos do bebê da família que acolhe. Quando se tem uma mãe muito ansiosa, a criança tem a sensação que ela tá sempre errada”, diz a psicóloga.



Primeira turma do projeto Bebê a Bordo, no colégio Dr. Edélzio, em 2019 (foto: Arquivo Pessoal)
No colégio de Sergipe, a convivência das crianças com as mães na escola tem levado benefícios não apenas para as jovens que conseguem manter os estudos sem se afastar dos filhos. “A gente percebe que as crianças ficam mais acolhidas e é difícil que uma criança dessa, que cresce em um ambiente com tanto amor, não cresça saudável e seja amorosa. É nesse momento que vai se estabelecer essa base emocional, coisa que ela possa não ter na casa dela por conta de uma ruptura na relação familiar”, afirma o diretor Almir Pinto.

“Se essa escola está sendo essa base de amor, carinho, onde todos se encontram, ela (a criança) vai ter uma referência. Vai ficar guardadinho no interior dela lá”, completa o professor, formado em psicologia. Nesta idade, as crianças estão na fase da “imitação” e repetem o comportamento de adultos referência, segundo o diretor, que dá exemplos de filhos de alunas que têm como hábito imitar professores e brincar de “dar aula” aos coleguinhas.

O especial "Antes da Hora"

O 'Antes da Hora' é um especial do podcast DiversEM sobre gravidez na adolescência (foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
A série "Antes da Hora" para o podcast DiversEM conta com o apoio do programa Early Childhood Reporting Fellowship: Desigualdade no Brasil e no restante da América do Sul, do Dart Center for Journalism and Trauma, da Universidade de Columbia (EUA) e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. O especial com cinco episódios é publicado semanalmente nas versões impressa e digital do Estado de Minas.



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