Jornal Estado de Minas

ADVOCACIA ACESSÍVEL

Advogadas lançam projeto focado em atendimento acolhedor de mulheres negras


Muitas mulheres em situação de violência ou vulnerabilidade enfrentam duras batalhas nos tribunais, podendo sair vitoriosas ou não. Entretanto existe um ponto em comum em todos os processos judiciais: o desgaste psicológico e emocional. Pensando nisso, Zaila Pereira, Luíza Helena Martins e Cristina Tadielo, três advogadas negras, se uniram para criar a Casa das Pretas, um projeto que visa extrapolar os muros dos tribunais em busca do resgate humano, com lançamento nesta quarta-feira (27/07).



“Eu entendia que deveria ultrapassar os muros dos tribunais. Principalmente para aquela mulher que sofreu uma violência, seja ela qual for, que chegava pra mim destruída e eu era só a advogada. E como que ficaria o depois? Quem auxiliaria aquela mulher? Como ela iria se reconstruir?”, conta Zaila Jesus Pereira, cofundadora da Casa das Pretas, advogada criminalista, especialista em direito processual e Diretora da Comissão de Enfrentamento a Violência contra a Mulher Negra da OABMG.

O objetivo é ser um espaço para pessoas pretas, centrado nos afetos e aconchegos que oferecerá apoio para além das demandas jurídicas, com metas afro centradas e atividades com o foco no desenvolvimento do Ser, principalmente do “ser” mulher e preta. Para além de atendimento jurídico e psicológico, serão oferecidas oficinas de expressão corporal, palestras, rodas de conversa e cursos a preços sociais.

Casa estará aberta a todas as mulheres que necessitarem, mas o foco é a mulher negra. “As mulheres negras sempre foram invisibilizadas, seu choro apagado, nunca tivemos direito a nada. Trabalhar com os direitos, com os sentimentos, com o ser humano mulher negra é o mesmo que falar ‘estou dando voz a quem nunca teve voz’, é mostrar que somos também pessoas, mas nunca fomos tratadas como tal”, explica Zaila.




O início de um sonho

 Luísa, Zaila e Cristina fazem parte da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB-MG, e ali construíram uma amizade. Durante um almoço em janeiro deste ano, um momento de descontração, que surgiu a ideia da Casa das Pretas.

“De repente a Casa das Pretas surgiu como um encontro de sonhos, idealizações e uma vontade de abarcar essas questões e essas pessoas em estado de vulnerabilidade, em especial as mulheres”, conta Cristina Tadielo, Professora, Cofundadora da Casa das Pretas, advogada, psicopedagoga e arte educadora. 

A Casa, então, foi sendo desenhada como um projeto para mostrar a mulheres negras a importância de se verem e se potencializarem enquanto mulheres negras. Totalmente feito, elaborado e administrado por mulheres negras que tem a advocacia em comum e talentos diversos que se complementam. 





“Três gerações diferentes, três mulheres negras totalmente diferentes uma da outra, desde o cabelo até a cor da pele. Isso é muito importante, são três visões totalmente diferentes. Nós somos mulheres negras, nossas dores se encontram, mas temos visões dessas dores de forma diferente, formas de cura diferentes e cada uma lidou com isso de forma diferente”, afirma Luísa Helena, advogada, doula e membro da Comissão de Promoção de Igualdade Racial da OAB-MG.

Os caminhos que levaram à Casa das Pretas

Cada uma das três fundadoras da Casa das Pretas passou por situações ao longo da vida que as levaram a ter um olhar sensível para a questão da mulher negra na sociedade. Três caminhos que se cruzam e se complementam.

Zaira 

Zaíra se dedica à defesa de mulheres em situação de vulnerabilidade (foto: Arquivo pessoal)


Zaira, hoje com 41 anos, foi acometida Alopecia Areata Universal no 6º período da faculdade, perdendo todos os pelos do corpo, e desde então passou a usar peruca. Ao longo da carreira se dedicou a auxiliar mulheres em situação de vulnerabilidade, que passavam por violência doméstica e outras violências, assim como mulheres trans e travestis. 



Com o tempo passou a palestrar, primeiro sobre o meio jurídico e depois com foco motivacional. Em 2020 contraiu Covid-19, passou 21 dias no CTI e passou por um momento de introspecção. Ao sair do hospital, assumiu a careca e se assumiu como instrumento de mudança social.

Toda essa vivencia engrandeceu muito tanto o lado profissional quanto o pessoal. Em suas palestras, passou a abordar o empoderamento da mulher negra e tinha propriedade para falar sobre racismo em especial sobre a vivência de uma mulher negra. 

“Eu vivo o racismo desde o meu nascimento, meus cabelos, por exemplo, que eu perdi, eu lutei contra eles a minha vida inteira, porque eu me negava. Em razão do racismo que eu sofri pela sociedade eu tinha ódio do meu cabelo, eu queria mudar. Eu só não imaginava que o meu cabelo, a perda de algo que eu sempre odiei me fizesse sofrer tanto”, conta Zaira. 



Cristina

Cristina agrega seus conhecimentos como educadora no exercício da advocacia (foto: Arquivo pessoal)


Cristina Tadielo tem 56 e conta que sua trajetória como educadora a ajudou a ter percepções sobre o que é a sociedade e o que é o ser humano, aspectos que valoriza na atuação como advogada. “Pra mim não tem como separar a educação da advocacia, é tudo um processo educacional”, afirma.  

A advogada tem um grande foco no combate ao etarismo. “O que para nós também é um diferencial na Casa das Pretas, é o olhar para o etarismo, a questão do envelhecimento da mulher. Se uma mulher jovem já sofre exclusão e rechaçamento, imagina uma mulher madura que passou por todo o processo de violência”, questiona.

Luísa Helena

Luísa utiliza as habilidades como doula para humanizar o atendimento de mulheres (foto: Arquivo pessoal)


Luísa Helena tem apenas 25 anos e pautou sua formação em advocacia na negritude e nos estudos raciais. “Assim que eu formei eu senti uma necessidade de, quando eu advogasse, não me afastasse dessas pautas e também exercesse uma advocacia mais humanizada, sempre atentando que os casos afetam muito a vida das pessoas no sentido emocional”, conta.

Desde 2019 é também doula, o que a ajudou a ter um olhar diferenciado para a advocacia, tornando os atendimentos jurídicos mais humanizados e acolhendo melhor as mulheres que chegavam até ela. “Tem dados estatísticos de que 66,6% das mulheres que sofrem violência obstétrica são mulheres negras, e isso me tocou muito. Poucas pessoas focam nisso na hora de estudar e na hora de exercer a advocacia. A violência obstétrica ainda é um tabu dentro do judiciário”, afirma. 



SERVIÇO
Lançamento Casa das Pretas
Dia: 27/07
Local: Casa dos Jornalistas - Av. Álvares Cabral, 400, Centro, Belo Horizonte
Horário: 20h
Inscrições através do link: https://forms.gle/Td3Mj5AZLUJk7WjVA

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