Jornal Estado de Minas

MACHISMO

Caso Klara Castanho abre questionamento sobre ética jornalística

As redes sociais foram dominadas com o nome da atriz ‘Klara Castanho' nesse fim de semana. Apesar de a artista estrelar uma das maiores produções nacionais deste ano, ao lado de Reynaldo Gianecchini, sua vida pessoal se tornou alvo de discussão. 





Na quinta-feira (23/06), a apresentadora Antônia Fontenelle contou que conhecia uma atriz mirim de 21 anos que deu o filho para adoção. A fala remeteu a uma postagem do jornalista Matheus Baldi, em 24 de maio, que fazia um trocadilho com a identidade de Klara e confirmava o caso. O post de Baldi foi apagado, mas a história continuou na mídia. 

No sábado (25/06), o colunista Léo Dias, do site de notícias "Metrópoles", publicou uma reportagem detalhando a gravidez de Klara. Na noite do mesmo dia, a atriz publicou uma carta aberta contando que sofreu abuso sexual, engravidou e, por não ter condições físicas e psicológicas de cuidar do bebê, decidiu dá-lo para adoção. 
 
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Ela revelou também que foi procurada pela equipe de Léo Dias com todas as informações do que estava vivendo. Uma enfermeira vazou à imprensa a notícia do nascimento do bebê. Klara conversou com o colunista e explicou a situação e pediu para não publicar a reportagem. 





“Como mulher, fui violentada primeiramente por um homem e, agora, sou reiteradamente violentada por tantas outras pessoas que me julgam. Ter que me pronunciar sobre um assunto tão íntimo e doloroso me faz ter que continuar vivendo essa angústia que carrego todos os dias”, escreveu a atriz. 

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A fala da atriz abriu um questionamento sobre a relação entre a privacidade da vida de personalidades públicas e ética jornalística. A professora de Comunicação da UFMG Geane Alzamora diz que o que aconteceu com Klara é crime. “O que aconteceu foi uma violação dos preceitos universais do jornalismo”, pontua. Para ela, a informação deveria ter sido apurada com a atriz e confirmado se poderia, ou não, ser compartilhada com o público. 

“O que difere o jornalismo de qualquer informação produzida na internet ou página de fofoca ou ruído é a checagem. No princípio de ética profissional e respeito à cidadania, todas as informações devem ser checadas com todos os envolvidos antes de virar público. Esse é o princípio do jornalismo que foi violado”, explica. 





“Antes de a gente se perguntar qual é o valor notícia de uma informação, a gente tem que se perguntar qual é o impacto pessoal”, afirma Geane. 

A professora completa que o veículo de comunicação e o jornalista podem ser penalizados pela notícia em razão da Lei da Imprensa. “Uma nota no site dizendo que a publicação foi um erro, na minha visão, não é o suficiente”, afirma. 
 

Internet relembra casos semelhantes  


Nas redes sociais, usuários lembraram que não é a primeira vez que Léo Dias expõe o abuso sexual de uma celebridade. O jornalista tinha uma relação conturbada com a cantora Anitta, que trocava informações com ele para não ter o estupro aos 15 anos revelado. No documentário “Made In Honório”, a poderosa detalhou o abuso e como se sentiu invadida pela mídia por ter que reviver o trauma anos depois e compartilhar com o Brasil. 

Além de divulgar casos de abuso sexual, o jornalista é conhecido por dar “furos” que podem comprometer a carreira e vida pessoal de uma celebridade. Como Bianca Andrade, mais conhecida como Boca Rosa, que teve a gravidez revelada pelo colunista antes de contar para a família. 





Nesta segunda-feira (27/06), Léo Dias e o jornal Metrópolis postaram uma reportagem pedindo desculpas publicamente à atriz. “Apesar da minha proximidade com o fato, reconheço que não tenho noção da dor desta mulher”, escreveu. 

Apesar do pedido de desculpas, usuários nas redes sociais pedem a demissão do jornalista. 
 

Machismo 

Em razão do machismo da sociedade, o assédio público na vida privada de mulheres é maior em comparação na dos homens. “O que diz respeito à vida privada de uma mulher é algo que tem interesse social por causa da nossa sociedade patriarcal”, explica a professora da UFMG. 
 
Quando o clipe de “Flores”, da Luiza Sonza com Vitão, surgiu na mídia, muito se especulou sobre uma possível traição da cantora em seu casamento com o humorista Whindersson Nunes, o que gerou uma onda de ódio massivo contra a artista. 



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Em seu perfil no Twitter, Luiza comentou que não consegue fazer um exame de sangue sem que o resultado seja divulgado e pediu empatia.  
Perfis de “fofoca” online destrincham a vida de celebridades como um filme. Essa cultura é antiga e não é exclusiva do Brasil. Em 2007, um caso clássico da cultura pop: o mundo assistiu - e aplaudiu - Britney Spears ter um colapso. A cantora teve sua privacidade invadida diversas vezes: seja nas milhares de fotos enquanto ela chorava, seus segredos em capas de revista, suas inseguranças na “boca povo” e sua família exposta. 
 

Federação dos Jornalistas se posiciona

A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) divulgou uma nota manifestando solidariedade à atriz Klara Castanho. Além disso, afirmou que há indícios de que o colunista Leo Dias violou o código de ética da profissão e que irá investigar o caso. "São fortes as evidências de que o colunista feriu o Código de Ética do Jornalista Brasileiro. Pela gravidade do caso, a Diretoria Executiva e a Comissão de Mulheres da FENAJ vão encaminhar denúncia contra o jornalista à Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, que deverá apurar o caso, dando amplo direito de defesa ao profissional", afirmou.

 

Por fim, a FENAJ apontou a necessidade de fiscalização do trabalho jornalístico no país. "O caso serve para reafirmar a luta encabeçada pela FENAJ e Sindicatos de Jornalistas filiados pela criação do Conselho Federal de Jornalistas (CFJ), uma forma de garantir uma profissão digna, com um contrato público e ético com a sociedade. Temos lutado pelo Conselho Federal dos Jornalistas para que as próprias entidades sindicais possam controlar a emissão de registros profissionais e promover a cultura do respeito ao Código de Ética, por meio da fiscalização", concluiu.