Jornal Estado de Minas

BISTRÔ EM FESTA

Taste-Vin comemora 35 anos com receitas francesas inéditas

Outro dia, Rodrigo Fonseca ouviu de uma senhora: “Fiquei pensando que, se o restaurante fechasse na pandemia, como ia fazer para comer suflê de legumes”. O chef e fundador do Taste-Vin sorriu, tranquilizando a cliente. Esse episódio ilustra bem como o bistrô francês, no Bairro Lourdes, é querido e sempre lembrado pelos belo-horizontinos. Referência em suflês, a casa lançou um menu comemorativo para celebrar os seus 35 anos.




“É uma satisfação sem tamanho ver o reconhecimento de um trabalho em equipe. Tem os que aparecem e tem os que não aparecem, mas todos trabalham para isso”, comenta Rodrigo, que quase toda noite está circulando pelo salão e atendendo as mesas. Ele anota pedidos, entrega contas, indica vinhos e, o mais importante, interage com os clientes. Fica de ouvidos bem atentos para registrar os comentários, para o bem e para o mal.

Na visão do chef, esse é um dos “segredos” para o restaurante existir há tantos anos: ouvir os clientes e estar sempre disposto a aperfeiçoar o trabalho. Sem exageros, Rodrigo é um obcecado por qualidade. “Sempre quero comprar o melhor ingrediente possível, não abro mão disso de jeito nenhum.” Soma-se ao primor na cozinha a beleza e o aconchego do ambiente, com louças, talheres, guardanapos de linho e flores naturais escolhidos a dedo. Sem falar na adega com 850 rótulos do mundo inteiro.

Foi um pernil de porco que deu início à história do Taste-Vin. Quando provou o prato preparado por um amigo, Rodrigo pensou: “será que consigo fazer também?”. O engenheiro eletricista que gostava de frequentar restaurantes resolveu aprender a cozinhar. Por quatro meses, fez aulas com Bernadette Mascarenhas, a Dadette, com planos de, quem sabe, montar um restaurante para reforçar a renda familiar.



Nesse meio tempo, Rodrigo conheceu o tradicional Marcel, bistrô francês em São Paulo conhecido pelos suflês, que fechou as portas na pandemia. “Procurei o dono, Jean Durand, e conversei com ele sobre fazer estágio na cozinha. Ele foi super gentil e atencioso, concordou na hora. Fiquei lá por duas noites para aprender a fazer suflê”, relembra. A primeira cozinha de restaurante onde entrou se tornaria uma inspiração para o que estava por vir.

Ensopado à provençal: cozida lentamente, a carne ganha sabor com azeitonas pretas, champignons, ervas e laranja (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
O Taste-Vin foi inaugurado em 8 de janeiro de 1988. Na cara e na coragem. Nenhum dos oito sócios (hoje são cinco) trabalhava na área da gastronomia. “Era uma aventura de um grupo que não tinha experiência nenhuma em restauração. Começamos cheios de incertezas, mas também cheios de vontade de acertar”, diz Rodrigo, que aproveita para expressar sua gratidão a Edmundo Lanna, do italiano Buona Tavola. Sem ter a menor noção de como montar um restaurante, recorreu a ele em busca de orientação.

Já existiam em BH restaurantes de comida francesa, como o Café Ideal, que marcou a cena gastronômica da cidade, mas não no conceito de bistrô francês. Quando abriu, o Taste-Vin tinha oito mesas, um garçom, um cozinheiro e um copeiro. Um dos sócios ficava no salão e Rodrigo comandava a cozinha. No cardápio, apenas o couvert, oito suflês, dois filés e três sobremesas. Muitos desses pratos continuam a ser servidos, como os profiteroles com sorvete de creme e calda quente de chocolate.



Os suflês sempre tiveram destaque. Rodrigo aprendeu a técnica em duas noites no Marcel e treinou muito em casa, junto com o cozinheiro da época. Não tinha dúvida de que as massas cresceriam bonitas e apetitosas. A única preocupação era se não ficaria limitado sendo conhecido como um restaurante de suflês. O tempo mostrou que não.

“Suflê é um diferencial do restaurante, algo que nos distingue. Tem muita gente que faz questão de comer suflê, mas atendemos um público variado, que vem porque gosta de outros pratos.” O camarão à provençal é um dos clássicos que atrai clientes habitués.

O que chama a atenção nos suflês? O chef opina: é um prato bonito, leve e gostoso. Na época da inauguração, alguns sabores eram exatamente iguais aos do Marcel, outros foram criação.



As bombinhas de massa choux com queijo são servidas com os pasteizinhos de vento do Vecchio Sogno (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Desde o primeiro dia, o suflê Taste-Vin, com camarão, queijo gruyère e champignon, segue entre os mais vendidos, assim como o de espinafre com passas e maçã. “Esse é inspirado no suflê que a minha mãe fazia em casa”, conta Rodrigo, que, por nove anos, trabalhou como engenheiro da Cemig durante o dia e de noite ia para a cozinha do restaurante.

Hoje você encontra 12 opções de suflês no cardápio, incluindo o de legumes (vagem, cenoura, espinafre e alho-poró), inesquecível para a cliente citada no início da matéria. Versáteis, eles podem ser servidos como entrada para dividir, prato principal para uma única pessoa ou acompanhamento dos filés (ao molho de oito ervas, pimenta verde ou cogumelos secos).

Ao longo dos anos, Rodrigo foi acrescentando outros pratos e carnes, como pato, codorna, galinha d'angola e cordeiro. Coincidiu com o período em que fez estágios em restaurantes no Brasil e no exterior, de duas noites a quatro semanas, com a intenção de melhorar seu aprendizado na cozinha. Entre eles, L’Arnaque (São Paulo), Grottammare e Margutta (Rio de Janeiro), Trattoria dall’ Amelia (Itália) e Charlie Trotter’s (Estados Unidos).



Por um tempo, o chef se propôs a mudar o cardápio a cada duas semanas, com novas sugestões de entradas, pratos e sobremesas. “Fizemos muitas experiências e deu para sentir quais eram os pratos que mais agradavam. Ficamos com uma coleção grande de receitas, que, com o tempo, foram entrando no cardápio. Para você ter uma ideia, devo ter feito oito preparações diferentes com coelho e a que servimos hoje foi a que mais agradou”, explica. Venceu o coelho ao molho de mostarda dijon.

Tradição renovada

Os pratos variam, mas não fogem da tradição francesa. Pelas palavras de Rodrigo, o Taste-Vin é um “bistrô com cozinha tradicional renovada, adaptada aos tempos atuais”. Eventualmente, entram ingredientes locais, como no caso do suflê de queijo da Serra do Salitre e das trouxinhas de rabada envoltas em taioba.

“Não sou nem nunca vou ser um chef criativo. Tem tanta coisa boa aí que não preciso inventar moda. Nada contra quem é mais criativo e faz experiências, mas o clássico de hoje foi novidade há não sei quantas décadas e, como agradou muito, permaneceu, tornou-se um clássico”, ressalta.




 
A carta de vinhos reúne rótulos para todos os gostos e bolsos (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
Quem frequenta o restaurante parece seguir o mesmo raciocínio. A maior parte dos clientes vão para comer um prato que já conhecem e querem repetir. “Acho interessante que exista esse público que come o de sempre. O Taste-Vin se tornou um lugar para onde as pessoas vão porque têm lembranças, às vezes nem pedem para ver o cardápio”, observa.

Por estar sempre no salão, Rodrigo ouve e sente o carinho dos belo-horizontinos. Não é raro ouvir frases como “aqui é o lugar que mais gosto”. Tem gente que começou a namorar lá e hoje vai com os filhos adultos.

Os vinhos são personagens importantes na história do bistrô. A começar pela ligação com o seu nome. Taste-Vin era um utensílio usado, séculos atrás, para avaliar o vinho antes de servir o cliente. Descrito como uma espécie de copo de prata redondo, com borda baixa e boca bem aberta, ficava pendurado no pescoço do sommelier.



Quando começou a pensar em abrir um restaurante, Rodrigo passou a consultar livros de gastronomia e em um deles encontrou a palavra, que em BH ganhou outro significado. Virou sinônimo de cozinha francesa de excelência.

“Quando comecei a frequentar restaurantes, como não gosto de cerveja, encontrei no vinho uma boa bebida para acompanhar as refeições. Passei a ler um pouco a respeito, fui estudando mais e aí o campo se abriu de maneira impressionante. Não consigo parar de pesquisar”, destaca o chef, que já abriu o Taste-Vin com a primeira adega climatizada da cidade e uma boa variedade de rótulos importados. Nesse tempo, ele chegou a ser sócio de uma importadora de vinhos e visitou vinícolas no mundo todo.

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A carta de vinhos reúne rótulos para todos os gostos e bolsos. Rodrigo faz questão de trabalhar com uma faixa de preços acessíveis, justamente para estimular o consumo de vinhos, que mais que dobrou desde a abertura do restaurante. O premiado sommelier Denis Marconi é quem atende os clientes há quase 20 anos.

Nesse momento de celebração, Rodrigo diz ser muito grato a quem abriu portas para ele e, ao longo dessa história, ele abriu portas para novos talentos. Bruna Martins e Leo Paixão, hoje grandes nomes da gastronomia mineira, fizeram estágio no Taste-Vin. Leo, inclusive, voltou como consultor antes de abrir o Glouton. Com o conhecimento adquirido em curso na França, ajudou a aperfeiçoar os processos e criou alguns pratos. A cozinha continua aberta para estagiários. “Fico super feliz com isso. É como se pudesse retribuir um pouco do que recebi.”



Recentemente, alguém espalhou a história de que o imóvel havia sido vendido e o restaurante seria fechado. “Não tem nada disso, é boato, fake news. A casa é minha e eu alugo para o restaurante”, avisa Rodrigo, deixando claro que não tem nenhuma intenção de fechar as portas do Taste-Vin, muito menos parar de cozinhar. Ainda falta encontrar um caminho para a sucessão na cozinha, mas ele tranquiliza os clientes. “Enquanto estiver com saúde, vou tocando. Qualquer hora aparece a solução.”

Garimpo de receitas

No ano passado, Rodrigo Fonseca viajou para a França. Estava em busca de pratos inéditos para incluir no menu que comemora os 35 anos do Taste-Vin. Visitou bistrôs em várias regiões do país e voltou com seis receitas que nunca tinham sido servidas no restaurante. O resultado desse garimpo de ideias pode ser saboreado até 14 de julho.

O restaurante ficou conhecido pelos suflês, como o de alho-poró (foto: Túlio Santos/EM/D.A.Press)
 O cliente fica livre para escolher quantos e quais itens quiser do menu comemorativo (o menu tradicional é servido normalmente).



Para começar, a sugestão são os gougères, bombinhas de massa choux com queijo francês comté, que muitos dizem ser uma versão francesa do nosso pão de queijo. As bombinhas são servidas com os pasteizinhos de vento do Vecchio Sogno, que entram como uma homenagem ao chef Ivo Faria. “Acho muito intrigante. São a coisa mais simples e gostosa que existe.”

De entrada, Rodrigo trouxe uma salada que viu muito na França, de folhas verdes com queijo de cabra empanado e frito. Outra opção são as quenelles (espécie de bolinho) de peixe cherne com emulsão de água de tomate e azeite de oliva.

Passando para os pratos principais, a escolha fica entre camarões à moda tailandesa com curry vermelho e abacaxi e ensopado de maçã de peito cozida longamente com azeitonas pretas, champignons, ervas e laranja. Para fechar, folhado de chocolates branco e preto com canela e creme inglês.



Seis vinhos, com rótulos especiais, fazem parte do menu comemorativo. Um espumante gaúcho do Vale dos Vinhedos, dois brancos (chileno e francês) e três tintos (dois franceses e um chileno). “Os vinhos foram escolhidos com bastante critério, por serem ótimos e terem preços competitivos. Um dos tintos franceses, da região de Roanne, ganhou nota altíssima em um importante concurso mundial.”

Ensopado de carne à provençal com azeitonas pretas, cogumelos, ervas e laranja

Ingredientes
750g de maçã de peito; 2 cenouras cortadas em pedaços grandes; 1/2 cebola cortada em fatias grossas; 6 dentes de alho cortados ao meio; 2 talos de aipo picados grosseiramente; 1 alho-poró picado grosseiramente; 3 ramos grandes de alecrim fresco; 5 galhos grandes de tomilho fresco; 3 galhos grandes de manjericão fresco; 5 cravos torrados e moídos; 6 folhas de louro; 1 tomate maduro grande cortado em 8; casca de 1/2 laranja; 150ml de suco de laranja; 100ml de vinho tinto seco; 100 de vinho branco seco; 40ml de vinagre de vinho tinto; 200ml de molho roti; pimenta-do-reino, sal com alho e azeite a gosto; 8 champignons de Paris cortados ao meio; 1 colher rasa de sobremesa de pasta de azeitonas pretas; 12 a 16 mini cenouras cozidas
 
Modo de fazer
Pique a carne em pedaços de cerca de 65g. Tempere com sal com alho e pimenta-do-reino. Doure a carne no azeite, em bateladas. Escorra a gordura. Deglace com o vinagre. Reserve a deglaçagem. Doure a cebola no azeite. Acrescente a carne e os vinhos. Acrescente a deglaçagem, alho-poró, aipo, ervas, tomate, molho roti, casca e suco de laranja. Acrescente água até quase cobrir. Ferva suavemente por pelo menos 3h, escumando sempre, até a carne ficar super macia. Cozinhe as cenouras e reserve. Retire a carne da panela. Coe o caldo de cozimento e reserve o molho. Ferva o molho, reduzindo até engrossar um pouco. Acrescente a carne. Acrescente os champignons, as cenouras e a pasta de azeitonas. Corrija o tempero. Sirva com 3 a 4 mini cenouras por pessoa, amarradas com uma tira de alho-poró cozido.

Serviço

Taste-Vin (@restaurante_tastevin)
Rua Curitiba, 2105, Lourdes
(31) 3292-5423