Em cartaz em Belo Horizonte, o novo filme do diretor Kleber Mendonça Filho, “Retratos fantasmas”, resgata a história dos cinemas de rua do Recife e seu ocaso. Esse recorte regional espelha um fenômeno brasileiro: o apogeu das salas de exibição comerciais nas décadas de 1930 a 1950 e seu declínio a partir dos anos 1970 e 1980.





Belo Horizonte já contou com dezenas de cinemas de rua (a maioria concentrada na Região Central), mas houve significativa expansão rumo aos bairros na década de 1940.

A partir de 1943, foram abertas, ao longo dos sete anos seguintes, mais de 15 salas – nove delas nos bairros Floresta, Calafate, Santa Tereza e Cachoeirinha. No final dos anos 1970, muitos desses espaços fecharam as portas.

O fechamento mais rumoroso foi o do Cine Metrópole, em 1983, derrubado para dar lugar a um banco. A sala fez parte da história da capital mineira, com seu estilo clássico e elegante. Recebeu celebridades como a atriz norte-americana Janet Leigh (1927-2004), intérprete de Marion, a famosa loura esfaqueada em “Psicose”, clássico de Alfred Hitchcock.





O Estado de Minas relembra a história dos cinemas de rua de Belo Horizonte que sucumbiram com o passar do tempo, assim como as salas do filme "Retratos fantasmas". Atualmente, a cidade conta apenas com o Una Cine Belas Artes, o Cine Santa Tereza e o Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes, como cinemas de rua, além de espaços integrados a centros culturais, como as salas do Sesc Palladium e do Centro Cultural Unimed-BH Minas.

Poucos cineclubes se mantêm em atividade. É o caso do Cine Quintal e do Filme de Rua.
 
O Sesc Palladium e o Cine Theatro Brasil Vallourec são complexos culturais criados a partir de cinemas icônicos, que ao longo do século passado atraíram multidões: o Cine Palladium e o Cine Brasil, respectivamente.

Demolições implacáveis

Vários cinemas de rua foram demolidos para dar lugar a edificações com finalidades distintas ou convertidos em templos religiosos, estacionamentos, agências bancárias e estabelecimentos comerciais.





O olhar para o passado de Belo Horizonte revela algumas curiosidades. Uma delas é o fato de que boa parte das salas comportava público numeroso, comparado às que hoje proliferam em shopping centers. Algumas das antigas salas superavam 1 mil assentos. Tal dimensão se tornou obsoleta com o passar dos anos. Em 1983, o público médio de um filme de sucesso era de 450 pessoas.

Em seus estertores, vários espaços de exibição apelaram para filmes pornográficos, o que, em algumas situações, garantiu-lhes apenas sobrevida. Foi o caso dos cinemas Art Palácio, Alvorada, Candelária, México e Regina.
 
 

Ex-cinema de arte de Belo Horizonte, Pathé se confunde com a história da Savassi

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

O Pathé da Avenida Afonso Pena, na jovem capital mineira dos anos 1920

(foto: Igino Bonfioli/reprodução)

Sala de exibição do Pathé virou estacionamento

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE PATHÉ

. Avenida Cristóvão Colombo, 1.328, Savassi
Com 750 lugares, a sala que fez história em Belo Horizonte teve dois endereços. Aberta em 1920, funcionou por 13 anos na Avenida Afonso Pena, 759, no Centro. Em 1948, o novo Pathé foi inaugurado na Avenida Cristóvão Colombo, onde funcionou até ser fechado em 18 de abril de 1999. Entre os espaços da era de ouro das salas de rua de BH, foi o que mais resistiu ao declínio e ganhou fama como cinema de arte. A fachada, apesar do aspecto abandonado, é tombada pelo patrimônio histórico. O interior do imóvel já foi usado como sede de igreja. Atualmente funciona como estacionamento.





Fila em frente ao Cine Metrópole durante exibição de "Grease: Nos tempos da brilhantina", em 1978

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Em 1983, a demolição do Metrópole revoltou a população, que se mobilizou para tentar impedir a destruição

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Prédio bancário funciona no local onde ficava o cinema mais famoso de Minas

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE METRÓPOLE

. Rua da Bahia, 951, Centro
Situado na esquina da Rua da Bahia com Rua Goiás, o Metrópole era considerado um dos cinemas mais importantes de Minas Gerais. Costumava receber as produções mais caras de Hollywood e grandes lançamentos. No início, o público comparecia às sessões como se fosse a eventos de gala, usando roupas elegantes e chapéu.

O Metrópole funcionou como cinema de 1942 a 1983. Antes disso, o prédio abrigou o Theatro Municipal de Belo Horizonte, construído em 1906. O estilo eclético foi substituído, no final dos anos 1930, pelo art déco, a pedido do então prefeito  da capital, Juscelino Kubitschek. Sob protestos da população, o prédio histórico foi demolido em 27 de maio de 1983 para dar lugar a uma agência do banco Bradesco.

O prédio do Cine Guarani foi projetado pelo arquiteto Luiz Signorelli

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

O Museu Inimá de Paula funciona no prédio tombado do Cine Guarani, na Rua da Bahia

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


CINE GUARANI

. Rua da Bahia, 1.189, Centro
Com 454 lugares, funcionava no prédio projetado por Luiz Signorelli, construído entre 1926 e 1930, no estilo art déco. O perfil da programação mudou ao longo dos tempos. Em certo período, os filmes em cartaz eram voltados para a alta sociedade de Belo Horizonte.





Considerado um dos melhores cinemas da capital em termos de projeção e sonoplastia, posteriormente passou a buscar o público mais jovem, exibindo filmes com censura livre.

O Cine Guarani fechou as portas em 31 de março de 1980. Tombado como parte do Conjunto Urbano da Rua da Bahia e Adjacências, foi reformado e restaurado em 2008. Atualmente abriga o Museu Inimá de Paula.

Pessoas em frente ao Cine Progresso, no Padre Eustáquio, no dia de sua inauguração

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Prédio já abrigou a boate Phoenix e hoje virou academia de ginástica

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE PROGRESSO

. Rua Padre Eustáquio, 2.545, Padre Eustáquio
Com 1,4 mil lugares, o Cine Progresso integrou um dos maiores corredores de salas de exibição em Belo Horizonte, nos bairros Carlos Prates e Padre Eustáquio. A Região Noroeste teve seis
cinemas entre as décadas de 1960 e 1970, entre eles o Cine Azteca, na Praça São Francisco, em frente à igreja São Francisco das Chagas, e o Cine São Carlos, na Rua Padre Eustáquio, com capacidade para 780 espectadores. O São Carlos encerrou as atividades em 9 de fevereiro de 1980. Em 23 de fevereiro de 1980, foi a vez do Cine Progresso. Nas décadas de 1980 e 1990, funcionou no local a boate Phoenix. Atualmente, o endereço abriga uma academia de ginástica.

Prédio do Cine México foi projetado por Rafaello Berti, autor de obras importantes de BH

(foto: Evandro Santiago/EM/D.A Press/1990)

Cinema virou ponto comercial no Hipercentro

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE MÉXICO

. Rua Oiapoque, 194, Centro
Com 1.130 lugares, funcionava no prédio art decó construído em 1943, projetado pelo arquiteto Rafaello Berti. Inaugurado em 1944, o Cine México recebia público eclético. Entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990, já em decadência, a sala ganhou fama por suas sessões duplas – um filme pornográfico era invariavelmente precedido por uma fita de artes marciais.





Outros cinemas da zona boêmia de Belo Horizonte, na Rua Guaicurus, adotavam o mesmo formato.Fechado na década de 1990, a fachada do Cine México é tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), dentro do Conjunto Urbano Rua dos Caetés e Adjacências. Atualmente, o Mercado Mineiro (feira de artesanato) funciona no local.

Art Palácio, com 1,2 mil assentos, surgiu como modelo de cinema moderno e abrigou o Centro de Estudos Cinematográficos (CEC)

(foto: Evandro Santiago/EM/D.A Press/1991)

Loja que funciona no salão do antigo cinema exibe projetores e manteve a tela do Art-Palácio

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Letreiro do Art Palácio ainda 'resiste' na Rua Curitiba

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

CINE ART PALÁCIO

. Rua Curitiba, 601, Centro
Com 1,2 mil lugares, foi inaugurado em 1951. Em sua primeira década de funcionamento, foi considerado o cinema mais moderno de Belo Horizonte. A frequência era intensa, de domingo a domingo, com cinco sessões por dia, das 14h às 22h. Nos anos 1950 e 1960, foi ponto de encontro dos cineclubistas da capital. O Centro de Estudos Cinematográficos (CEC-MG), fundado em 1951, acabou se estabelecendo no segundo andar do Art Palácio, depois de passar por várias sedes. Os sócios do CEC montaram ali uma pequena sala de exibição para sessões exclusivas, aos sábados. No local, havia também cursos de cinema e debates sobre filmes em cartaz. Em 1983, o Art Palácio exibia o pornográfico “Garganta profunda”, indicando o período de decadência. Fechou as portas em 5 de janeiro de 1992.

Cine Amazonas, sala de bairro, tinha 1,2 mil assentos e anunciava projeções em Superama

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Prédio na Barroca hoje abriga uma igreja

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Fachada da Igreja Batista da Barroca, ex-Cine Amazonas

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

CINE AMAZONAS

. Avenida Amazonas, 3.583, Barroca
Com 1,2 mil lugares, era considerado o cinema mais amplo e confortável fora da Região Central de Belo Horizonte. Viveu sua época de glória acompanhando a fase áurea do cinema mexicano. O Cine Amazonas chegou a receber atrizes estrangeiras famosas, como a argentina Libertad Lamarque e a francesa Christiane Martel. Fechou as portas em 29 de junho de 1983. Publicações da época apontavam a lei da obrigatoriedade de exibição do filme nacional como uma das causas do declínio. Hoje, no local funciona a Igreja Batista da Barroca.





Cine Candelária, inaugurado nos anos 1950, era atração da Praça Raul Soares

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Descaso aniquilou a antiga sala de cinema para 2 mil pessoas

(foto: Gabriel Werneck/divulgação)

Ruínas apagam o passado do Candelária

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE CANDELÁRIA

. Praça Raul Soares, 315, Barro Preto
Com 2 mil lugares, o Cine Candelária foi inaugurado em 11 de dezembro de 1952. Durante longo período, foi considerado um dos maiores e mais confortáveis cinemas de Belo Horizonte. No primeiro momento, recebia filmes europeus e americanos de pequenas distribuidoras. De certa forma, acompanhou a dinâmica urbana de seu entorno, na região da Praça Raul Soares. Entre o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980, seu perfil social mudou. Com a falta de cuidados e o aumento da prostituição na área, o Cine Candelária passou a exibir apenas filmes pornográficos a partir de 1983. Após o fechamento, em 2000, o local virou estacionamento e posteriormente, em 2004, destruído por um incêndio. Hoje resta a fachada em ruínas.

Nazaré fez história com o CinemasCope e foi subdividido em três salas, mas sucumbiu em 1994

(foto: Vera Godoy/EM/D.A Press/1994)

Atualmente, o espaço do Nazaré vem sendo preparado para receber academia de ginástica

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

CINE NAZARÉ

. Rua Guajajaras, 41, Centro
Com 846 lugares, foi a única sala de Belo Horizonte com CinemaScope (tecnologia com lentes anamórficas criada 1953). O confortável espaço no Edifício Nazaré foi inaugurado no final dos anos 1960. Oferecia programação eclética. Tentou o quanto pôde resistir ao declínio dos cinemas de rua. Nos anos 1990, a sala foi dividida em três, seguindo o modelo do Cine Belas Artes e da Usina Unibanco de Cinema. Em 31 de janeiro de 1994, o Nazaré fechou as portas definitivamente. Atualmente, o espaço está em obras para receber uma academia de ginástica.

Cine Pax, com 300 lugares: espaço importante para a cena cultural da Região Nordeste de BH

(foto: Arquivo EM/D.A Press)

Prédio na Cachoeirinha mantém os traços originais

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

O velho letreiro ainda se destaca no prédio inaugurado em 1946

(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
 

CINE PAX

. Rua Coronel Alves, 171, Cachoeirinha
Dotado de 300 lugares, o Cine Pax foi inaugurado em 1946, com a exibição da comédia “Sem tempo para amar”. A construção de pequeno porte tinha características neoclássicas peculiares em relação a outras salas de cinema abertas na capital mineira. Assumiu lugar importante na cena cultural da Região Nordeste da cidade. O Cine Pax funcionou por cerca de duas décadas. Após o fechamento oficial, na década de 1960, o prédio abrigou loja de móveis e posto de saúde. Hoje, o imóvel está sendo reformado pela Igreja Nossa Senhora da Paz.

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