Único filho do casal Candido Portinari e Maria Martinelli, João Candido, aos 84 aos, soma 44 dedicados ao Projeto Portinari, ponto de partida para a realização da exposição "Portinari - raros". 





O projeto, pioneiro no Brasil, nasceu em 1979 para o resgate da obra do artista. Na época, a imprensa destacava que 95% de sua produção estava guardada em coleções privadas – portanto, distante dos olhos do público. Em suas quatro décadas, a iniciativa catalogou (e localizou) mais de 5 mil obras (hoje todas digitalizadas) e 25 mil documentos.  

Para dar conta do projeto, João Candido deixou sua carreira acadêmica. Ele é um dos fundadores do Departamento de Matemática da PUC-Rio, onde é professor emérito. Sua carta de intenções para o Projeto Portinari veio a público por meio de um texto que ele dirigiu ao pai, 17 anos após sua morte.  

"Tentei fugir de você, criar o meu próprio destino. Dez anos de estrangeiro, outros dez de Brasil, procurando um caminho livre de tua monumental presença… Aos poucos foi se esboçando em mim a necessidade de te buscar. Buscar você, buscar o Brasil", escreveu João Candido.
 
. Marcello Dantas e João Candido falam sobre Projeto Portinari
 

 Hoje mais do que estabelecido, mas sempre lutando por verba – "Dinheiro é sempre o problema, não temos lastro financeiro" –, o projeto continua dando visibilidade ao legado de Portinari por meio de diferentes iniciativas. João Candido, que fica em Belo Horizonte até sábado (17/6) acompanhando os primeiros dias da exposição no CCBB, afirma que a educação é o  eixo fundamental.
 
Quando o senhor começou o projeto, 44 anos atrás, qual era a sua intenção?
Era colocar a obra de Portinari acessível para pesquisadores e estudantes. Mas quando terminamos o trabalho mais técnico, 25 anos depois, veio o 'e agora'? Temos tudo estruturado, um catálogo, então qual a missão? E ela surgiu claramente para mim. Eram as crianças e os jovens, em um trabalho educativo. Por uma razão simples: a arte dele é completamente comprometida com o social, o humano, tem valores, proposta de não violência, de espírito comunitário, de justiça social, de respeito à vida. Em um mundo convulsionado pela violência, ficou muito claro que o legado dele não era só pictórico, mas também ético e humanista. Então nossa missão principal, com ações recentes, como o 'Portinari nas quebradas' (realizado em várias comunidades cariocas, Cidade de Deus, Complexo do Alemão e Rocinha, entre elas), tem sido levá-lo a lugares onde estão as pessoas mais excluídas.  

Não fosse o Projeto Portinari não haveria a exposição "Portinari - raros" nem outras iniciativas em torno da obra dele, certo?
Acho que correria o risco. Quando comecei o projeto, os companheiros de geração estavam todos indo embora. Ou seja, a memória viva que traziam dentro de si. Conseguimos então depoimentos de Drummond, Jorge Amado, Luis Carlos Prestes... Pegamos 74 pessoas que conviveram intensamente com ele. Por outro lado, Graciliano (Ramos), Manuel Bandeira já tinham partido. Se o Projeto Portinari tivesse começado 10 anos depois, perderíamos 90% da memória. Muito mais do que desejo, começamos naquele momento por necessidade.




 
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Sua iniciativa foi pioneira no Brasil. Tanto por isto, não deve ter sido fácil começar o projeto.
Quando começamos, a profissão de museologia tinha acabado de ser criada. Então, não era tradição empregar museólogos em projetos culturais e artísticos. E isto é muito importante para a questão da metodologia. Tivemos que partir do zero, pois não havia equipes com experiência. Então bebemos em várias fontes para buscar orientação. Até ficha de uma obra, por exemplo. O que é essa ficha? É onde você vai ter título, altura, largura, técnica, suporte. Na época, não era uma coisa óbvia.
 

Candido Portinari e obras que compõem 'Guerra e paz', criação do brasileiro para a sede da ONU, em Nova York

(foto: Antonio Rudge/O Cruzeiro/Arquivo EM/ 15/11/1955)
 

Desde a publicação do catálogo raisonné, em 2004, até agora, houve novas descobertas?
De 400 obras, que aconteceram das formas mais inesperadas. Fomos para a casa de um colecionador e não sabíamos o que ele tinha. Encontramos lá uma tela, 'Retrato de um homem'. Olhamos no canto inferior e estava escrito: 'Meu primeiro trabalho'. Foi uma emoção ver aquilo. Talvez não tenha sido realmente o primeiro, mas sim o primeiro que ele considerou completo. Como o catálogo (que venceu o Jabuti em 2005) completa 20 anos em 2024, vamos fazer uma nova edição para dar conta de todas as novidades.

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