Conhecida por trabalhos que lidam com a diversidade de corpos e estéticas, a Cia. Ananda de Dança Contemporânea apresenta, a partir deste sábado (18/3), seu novo espetáculo, “Andanças urbanas” – título que expressa com exatidão a proposta. Mesclando dança e música, cinco bailarinos e três instrumentistas vão ao encontro do público, executando uma coreografia que se molda ao espaço urbano.





Serão cinco apresentações gratuitas. A estreia será às 10h, no Parque Lagoa do Nado, no Bairro Itapuã, com acesso em Libras. Também amanhã, às 15h, a trupe leva o trabalho para a Praça Duque de Caxias, em Santa Tereza. No domingo (19/3), o espetáculo segue para o Parque Municipal, às 10h, com acesso em Libras e audiodescrição. No fim de semana seguinte, outras duas apresentações, dias 25/3 e 26/3, ambas no Barreiro, fecham o circuito.

Fundadora da Cia. Ananda, a dançarina e coreógrafa Anamaria Fernandes, que responde pela direção de “Andanças urbanas”, explica que o espetáculo é composto por performances previamente estruturadas, adaptáveis para cada um dos espaços, com ferramentas que permitem a criação instantânea a partir dos elementos físicos, ambientais e humanos.

“Existem várias possibilidades na improvisação, e esse espetáculo tem uma abertura grande para isso. Uma dessas possibilidades é a composição instantânea, que é a escritura dramatúrgica de uma dança com os elementos do momento presente. Não se trata apenas de explorar movimentos improvisando, mas de estar atento a várias outras coisas, como os pontos de tensão, as questões espaciais e o que o ambiente pede”, diz.




 
 

Arte do desapego

O espaço em que o bailarino executa sua performance pode, num dado momento, por exemplo, exigir a ruptura de uma ação, segundo Anamaria. “A improvisação é a arte do desapego. Isso é uma questão de prática e, no final das contas, é uma técnica que se desenvolve com o tempo.”

Ela sublinha que a questão da acessibilidade ocupa um lugar central em “Danças urbanas”, que tem entre seus bailarinos uma cadeirante, Natalia Candido, que passou a integrar a Cia. Ananda durante a pandemia. A presença dela se alinha com a proposta da trupe de contemplar a diversidade, reunindo “pessoas negras, pardas, brancas, LGBTQIAP+, com e sem deficiência”, segundo a coreógrafa.

“Colocar uma cadeira de rodas neste projeto não é para nós algo casual. Por ser um projeto itinerante, a falta de acessibilidade estará sempre presente para aquela dançarina, e o grupo terá que inventar, conjuntamente, soluções para viabilizar seu deslocamento”, aponta. Ela ressalta que a questão é tratada de forma lúdica e, ao mesmo tempo, consciente.





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Propostas inclusivas

Natalia já participou da última versão do espetáculo infantil “Lágrimas da floresta” e também esteve presente na criação mais recente da Cia. Ananda, “Ave”, juntamente com o dançarino Oscar Capucho, que é cego. O espetáculo, que estreou no ano passado, é fruto da parceria com o grupo Sapos e Afogados, formado por usuários dos centros de convivência da rede pública de saúde mental de Belo Horizonte.

Anamaria observa que a questão da acessibilidade abarca, também, o público que for acompanhar as apresentações. É necessário o cadastro prévio de pessoas com deficiências visuais para a retirada de fones de ouvido sem fio e a condução do deslocamento previsto pela criação. A audiodescrição acompanhará as composições instantâneas da coreografia.

O espetáculo não faz uso de texto e não há interlocução com a plateia, mas uma intérprete de Libras estará presente, recebendo o público e acompanhando o trajeto em caso de dúvidas. E, da mesma forma que o grupo terá que resolver os impasses vivenciados pela dançarina cadeirante, irá também se atentar para as pessoas com mobilidade reduzida e para outros cadeirantes que componham a plateia, segundo a diretora.





Ela situa que “Andanças urbanas” surgiu de outras duas experiências pregressas. A primeira, conforme diz, foi um espetáculo da companhia francesa Hydragon, intitulado “Croche-pieds”, cuja criação contou com sua colaboração. “É um trabalho que entrelaça dança, música e teatro, e que já tinha essa estrutura pré-estabelecida de pequenas coreografias, com toda uma abertura para a improvisação”, diz.

A outra experiência foi a pesquisa batizada “Corpo/espaço/paisagem”, também desenvolvida ao longo de alguns anos na França, juntamente com o artista Nicolas Lelièvre. Este trabalho culminou em duas videodanças – “Lugares”, criação apresentada em Lisboa, na Bienal de Dança de 2009, e “Percursos urbanos”, com a mineira Quik Cia. de Dança, em 2010.
 

Bailarinos da Cia. Ananda transformam ruas em palco em performances influenciadas pela estética circense

(foto: Gilberto Goulart/divulgação)
 

Diversidade de corpos

“O ‘Andanças urbanas’ surge dessas duas vivências, com o desejo de trazer a questão da diversidade de corpos, que é algo muito presente na estética da Cia. Ananda, algo que está no centro das nossas preocupações”, diz Anamaria, ressalvando que, apesar da seriedade do tema, trata-se de um espetáculo leve, com elementos da arte circense.





Ela detalha que “Andanças urbanas” herda de “Corpo/espaço/paisagem” precisamente a preocupação com a forma de compor o ambiente com a linguagem coreográfica. “É um olhar o tempo todo para a espacialidade dos acontecimentos e o que ela provoca ou proporciona como possibilidade de movimento”, aponta.

A coreógrafa observa que tal premissa torna “Andanças urbanas” um espetáculo mutante. “Isso é o interessante, ele nunca vai ser o mesmo, vai ser sempre diferente, em função do lugar, dos eventos, do que acontece ao redor”, ressalta. Ela destaca que, de “Croche-pieds”, o novo trabalho da Cia. Ananda guarda a interação da música com a dança de maneira muito estreita, além do verniz “clownesco”.

“Guarda também a questão das estruturas pré-estabelecidas. Pedi autorização e ofertaram três delas, que estavam em ‘Croche-pieds’, e a elas somamos outras 13 que criamos. O figurino de ‘Andanças urbanas’ eu também trouxe da França, e ele foi reelaborado para o nosso clima. Nossa figurinista, Daise Guimarães, tirou muito pano, fez várias adaptações”, diz.




Composições do elenco

A diretora destaca que as estruturas coreográficas comportam diferentes composições do elenco, que vão desde solos e duos até a integração de todos os bailarinos – Duna Dias, Eduardo Henrique, Juliana Cancio, Natalia Candido e Samuel Carvalho – com os músicos Alcione Oliveira, Dudu Amendoeira e Vanessa Aiseó.

Os instrumentistas, a propósito, cumprem o que Anamaria chama de coreografias de deslocamento, enquanto executam a trilha do espetáculo. “É uma conjunção da nossa musicalidade com nossa corporeidade”, diz. “Carinhoso”, de Pixinguinha, e “Nagô, Nagô”, de Lia de Itamaracá, são algumas das músicas que embalam as “Andanças urbanas” da Cia. Ananda.

Em sua maioria, são temas conhecidos, mas, assim como a própria coreografia, eles são trabalhados de forma a dar muita margem para improvisação. Ela explica que os músicos podem derivar a partir de certas melodias e chegar a momentos que são de puro improviso.




 
“Essa proposta de improvisação em dança relacionada ao espaço e às pessoas também se aplica à trilha sonora. Em uma determinada cena, os músicos podem tocar ou não – é algo totalmente aberto e imprevisível”, pontua. Ela ressalta que há uma relação dinâmica entre o que se ouve e o que vê.

“O que a gente tenta é trabalhar a questão do diálogo entre as expressões, e aí são várias possibilidades: a música pode acompanhar a dança, a dança pode acompanhar a música e elas também podem estabelecer uma relação de pergunta e resposta. Gosto de pensar o movimento enquanto sonoridade, um corpo-orquestra. Não são coisas necessariamente coladas; são diálogos, uma parceria musical e dançante”, explica.
 
Com relação à escolha dos espaços em que o espetáculo será apresentado, ela diz que foi orientada pelo desejo de descentralizar.
 
“Pensamos em ofertar ‘Andanças urbanas’ em regiões onde o acesso a produtos culturais ainda é restrito, onde não há muita oferta de espetáculos. Vamos para diferentes pontos da cidade, a fim de atingir o maior número de pessoas, nem tanto em termos quantitativos, mas de diversidade de públicos”, aponta.




“ANDANÇAS URBANAS”

Confira onde ver o espetáculo da Cia. Ananda de Dança Contemporânea

SÁBADO (18/3)

>>  10h (Libras): Parque Lagoa do Nado (entrada pela rua Desembargador Lincoln Prates, 240, e pela Rua Ministro Hermenegildo de Barros, 904, Bairro Itapuã, na Regional Pampulha)
>>  15h: Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, na Regional Leste

DOMINGO (19/3) 

>>  10h (audiodescrição/Libras): Parque Municipal Américo Renné Gianetti (Av. Afonso Pena, 1.377, Centro)

SÁBADO (25/3)

>>  10h: Praça Cristo Redentor (cruzamento das ruas Dona Lalá Fernandes com Mannes, Bairro Milionários, na Regional Barreiro)

DOMINGO (26/3)

>>  10h: Parque Ecológico Roberto Burle Marx (Avenida Ximango, 809, Bairro Flávio Marques Lisboa, na Regional Barreiro)

• Duração: de 45 minutos a 1 hora
• Classificação etária: Livre
• Entrada franca





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