Quando Mercedes Baptista rompeu com o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e passou a integrar o Teatro  Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, para em seguida fundar o Ballet Folclórico com seu nome, ela não imaginava que a semente plantada iria dar frutos em Belo Horizonte.





Sua discípula Marlene Silva fixou residência na capital mineira e fundou uma escola de dança na Rua Carangola, 44, no Bairro Santo Antônio, ao lado da antiga Fafich da UFMG. Ali ela conheceu e ensinou um jovem recém-chegado de Diamantina e já apaixonado pelas danças tradicionais das festas do Rosário e folia de reis.

Aos 16 anos, Evandro Passos chegou a Belo Horizonte e tem se dedicado desde então a engrandecer o cenário da dança artística na cidade. Em 1982, ele funda a Bataca, sua própria companhia de dança, para trabalhar com jovens da periferia e capacitá-los profissionalmente através da dança.

Em dedicação exclusiva à dança desde 1996, os passos de Evandro o guiaram pelo mestrado em artes cênicas, pela Unesp, e agora pelo doutorado na Universidade Federal da Bahia, sempre com foco nos estudos das danças afrodiaspóricas, inclusive tendo passado uma temporada na Costa do Marfim.





Resgate

De Salvador, onde está atualmente, Evandro retorna a BH na próxima semana para coreografar uma ala  para o desfile da escola de samba Acadêmicos de Venda Nova, que este ano traz enredo temático sobre a África. Ele celebra o ressurgimento do Ministério da Cultura e a valorização de instituições historicamente ligadas à preservação da danças afro-brasileiras, como a Fundação Palmares.

Evandro comemora também o resgate das danças afro-brasileiras nas celebrações tradicionais em cidades do interior, como o congado, e nas alas das escolas de samba no Rio, São Paulo e BH. Pela primeira vez à frente de uma ala, ele não esconde o desafio que é montar uma coreografia que se desenvolve ao longo da avenida, mas se diz feliz em poder transportar para o desfile seus estudos em dança-identidade.

"As influências de Diamantina estão no meu corpo ainda hoje. Eu faço uma mesclagem com essa dança de matriz africana, mas já contemporânea, com as manifestações tradicionais. Estou sempre fazendo essa ligação em todas as minhas coreografias, trazendo sempre esse legado tradicional dialogando com a contemporaneidade, porque a cultura é exatamente essa coisa dinâmica, ela não pode ser estática. Mas o que me alimenta são as danças tradicionais. Eu gosto muito e faço questão," conta o coreógrafo.





Depois de BH, Evandro vai ao Rio para acompanhar o trabalho de colegas coreógrafos em blocos e escolas de samba do carnaval carioca. Em contato com um grupo de 83 coreógrafos, ele mesmo é responsável pela coreografia de um bloco com 50 foliões estrangeiros na capital fluminense.

Efervescência

Dando aulas on-line na Cumbe, escola de danças afrodiaspóricas do Brooklyn, em Nova York, desde 2021, Evandro pretende ir  pessoalmente conhecer as instalações e os alunos da escola, onde divide os ensinos sobre danças afro-brasileiras com professores de danças haitianas, colombianas e outras.

Com o fim do doutorado, ele também não descarta voltar à África para aprofundar seus estudos. A temporada em Salvador, porém, tem rendido bons frutos. "Eu brinco que em Salvador você discute um texto em sala de aula e na hora em que você sai na rua, vê tudo que discutiu, tudo in loco. É sobre essa efervescência que falo na minha dissertação e que eu vejo nas ruas aqui, mas que vislumbro também em Belo Horizonte." 
 
* Estagiário sob a supervisão da subeditora Tetê Monteiro 

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