Em setembro de 2017, o fluminense Wagner Schwartz apresentou no Museu de Arte Moderna de São Paulo a performance “La bête”. Inspirado na série “Bichos”, de Lygia Clark, Schwartz, nu, ficava no centro de um tablado com a plateia em volta. 





O público tinha uma participação fundamental na performance, já que seu corpo era manipulado por espectadores, que se espelhavam na figura geométrica da artista mineira. A performance terminou ali. Mas um trecho, em que uma criança tocava o pé do artista, foi parar na internet. E começou o linchamento público de Schwartz, que recebeu 150 ameaças de morte naquele período.

Dirigido a seis mãos, por Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr., o documentário “Quem tem medo?” acompanha Schwartz e outros artistas e grupos que, de cinco anos para cá, foram censurados. O filme mostra que, a partir de 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência do Brasil, os episódios de censura se multiplicaram. 



O longa mineiro, que chega aos cinemas na próxima quinta-feira (4/8), terá pré-estreia gratuita nesta terça (2/8), no Cine Santa Tereza. “De 2016 a 2018, foram compilados 16 casos de censura no Brasil. De 2019 até agora, foram mais de 220! O que percebemos foi que a censura, em suas mais diferentes formas, se espraiou para todos os setores ligados de alguma maneira ao executivo federal”, afirmam os diretores.




Censura 

“O que antes se ‘limitava’ ao universo artístico, atinge indiscriminadamente toda a sociedade. A gestão pelo medo, pelo assédio, pela ameaça, pela coerção, pela perseguição, faz parte do modus operandi do governo Bolsonaro (e de seus apoiadores nos âmbitos estaduais e municipais)”, dizem.

Além de Schwartz, os diretores ouviram outros artistas que foram perseguidos no período. Entre eles está Renata Carvalho que, no monólogo “O evangelho segundo Jesus, rainha do céu”, mostra como seria o mundo se Jesus voltasse como uma mulher transgênero. 

Outro depoimento é o do ator José Neto Barbosa, que na peça “A mulher monstro” interpreta, de forma caricata, uma mulher de classe alta. Esta, enjaulada, desfia sua visão deturpada do mundo, em declarações preconceituosas que o autor colheu da vida real – seja de anônimos, celebridades e políticos.





O documentário apresenta trechos do espetáculo ou performance censurado, entrevista com o artista e as reações de políticos – pelas redes sociais e sessões na Câmara dos Deputados. Neste “elenco de coadjuvantes” estão os pastores Marco Feliciano (PL-SP) e Eurico (Patriota-PE), ambos deputados federais, o ex-senador Magno Malta (PL), o presidente Bolsonaro e o diretor teatral Roberto Alvim. 


Este último, em janeiro de 2020, três meses após se tornar secretário especial da Cultura, caiu em desgraça ao emular Joseph Goebbels em um vídeo institucional do órgão federal. Muitos destes nomes digladiam-se com o ex-deputado Jean Wyllys (PT), como mostram imagens da época das sessões em Brasília.

O filme nasceu a partir de uma reação do próprio Alvim, que, em 2017, então diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte em São Paulo, censurou o espetáculo “Re Publica 2023”, do grupo A Motosserra Perfumada. Na época, Dellani faria um curta-metragem sobre a montagem. Com a censura, mudou seus planos.  

“Indignado com a situação, decidi produzir um documentário que denunciasse os atos de censura às artes que começaram a eclodir por todo o país. Acumulei mais de 60 horas de material bruto de espetáculos, performances e atos contra a censura”, diz ele, que posteriormente convidou Alves Jr. e Zanoni para participar da empreitada.





De acordo com Alves Jr., o documentário foi construído na montagem. “Os relatos são um espelho do medo e da violência que nós, artistas, estamos vivendo nesses últimos anos no Brasil. Durante o processo, vimos que para dar a real dimensão da violência e da construção desse medo, mostraríamos o discurso de ódio de políticos obscurantistas da extrema-direita.”

Para Zanoni, a chegada de “Quem tem medo?” aos cinemas dois meses antes das eleições é uma forma de questionar o espectador. “Depois de quase 700 mil mortes (em decorrência da pandemia) no governo mais corrupto e inepto que já existiu, que implementou a lógica miliciana e do crime organizado como ‘modelo de gestão’, que exala morte por todos os seus poros, o que nos resta fazer? Resistir. Nas ruas, nas criações, nas urnas.”

“QUEM TEM MEDO?”
(Brasil, 2022, 71min.) – Documentário de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr. O filme, que estreia no circuito nesta quinta (4/8), terá pré-estreia amanhã (2/8), às 19h, no Cine Santa Tereza, Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza, (31) 3277-4699. A sessão será seguida de debate com a jornalista Carol Macedo e o ator e dramaturgo David Maurity. Entrada franca. Os ingressos podem ser retirados no site diskingressos.com.br e na bilheteria do cinema, 30 minutos antes da sessão.

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