Jornal Estado de Minas

ARTES CÊNICAS

'Teatralidades em cena' discute a reinvenção nos palcos durante a pandemia


Entre maio e julho de 2020, o Grupo Magiluth, do Recife, fez 1.605 apresentações do experimento cênico “Tudo que coube numa VHS”. Depois da temporada inicial houve outras duas para plateias de 30 países, já que a montagem também pode ser apresentada em espanhol, inglês e libras. Indicado para os prêmios Shell e Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), recebeu, na última semana, o troféu de melhor espetáculo inédito ao vivo concedido pela Associação dos Produtores de Teatro (APTR).





No momento inicial da pandemia, em que absolutamente tudo relativo à cultura estava fechado no Brasil, o Magiluth escancarou suas portas para o mundo através de um smartphone. A trajetória dessa montagem, assim como de sobrevivência e reinvenção durante um ano e meio de crise sanitária, será apresentada nesta segunda-feira (23/08), às 19h, no YouTube.

DEBATE

Integrante do Magiluth, Giordano Castro participa com Eduardo Moreira, do Galpão, da mesa de abertura do seminário “Teatro em tempos de pandemia”, que vai até quinta-feira (26/08). O tema do bate-papo será “Teatro nas telas: A importância de se reinventar”. Não custa lembrar: a companhia estreou anteontem o experimento on-line “Sonhos de uma noite com o Galpão, que cumpre temporada até 12 de setembro.

O encontro virtual integra um projeto maior, “Teatralidades em cena”, do Circuito Municipal de Cultura, realizado pela Secretaria Municipal e Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte. A programação, que vai até domingo (29/08), reúne exposição, espetáculos, cenas curtas e leituras dramáticas. Tudo on-line e de graça.





Para entender como um grupo de teatro conseguiu fazer um número absurdo de apresentações em apenas dois meses, é preciso conhecer a natureza de “Tudo que coube numa VHS”. O experimento, apresentado por apenas um ator para um só espectador, dura meia hora. Giordano Castro conta que é basicamente uma história de amor, que se dá ao vivo através de diferentes meios digitais (telefone, WhatsApp, Instagram, Facebook, YouTube, Spotify etc). No próximo fim de semana, a experiência será apresentada no “Teatralidades em cena”.

A partir de uma ligação telefônica (previamente agendada, obviamente), o ator conduz o espectador para o que o grupo chama de “experiência sensorial”.

“Exploramos várias possibilidades. Em um momento, a pessoa recebe o áudio, depois é convidada para assistir a um vídeo, ler um texto, escutar uma canção. Levando em consideração que temos o mundo nas mãos a partir do smartphone, tentamos investigar e utilizar o máximo de recursos para despertar a sensação nas pessoas”, explica ele.

“Tudo que coube numa VHS” trata da memória. “O mote é o seguinte: uma pessoa resolve te contar os momentos de um relacionamento a partir dos fragmentos”, continua Giordano. Seis atores do grupo participam da montagem (cada sessão individual é apresentada por apenas um deles).




''Portas que dão para dentro'', do Teatro Universitário (TU), vai ao ar no "Teatralidades em cena" (foto: FMC/divulgação)

FALÊNCIA  

Em abril de 2020, o trabalho nasceu justamente da falta de trabalho. Ou era isso ou  ada. “A gente praticamente faliu quando começou a pandemia. Vínhamos de um dos momentos mais fervorosos da nossa trajetória. Tínhamos saído das comemorações dos 15 anos do grupo, quando estreamos o espetáculo ‘Apenas o fim do mundo’, cotado para circular em festivais. Tínhamos acabado de inaugurar um teatro/bar, que tomou um investimento enorme do grupo. Com dois meses de inaugurado, teve de fechar. Ainda tínhamos o contrato fechado para ‘Estudo nº 1 Morte e vida’, em cima de ‘Morte e vida severina’. Ou seja, levamos uma rasteira imensa”, conta Giordano.

Rapidamente, o grupo colocou o experimento em prática. A aceitação foi imensa – assim como a quantidade de trabalho. “A gente funcionava quase como call center. Para o público, o espetáculo dura meia hora. Para nós, seis, sete horas. Como era o começo da pandemia e não sabíamos como tudo ia ficar, fazíamos apresentações das cinco da tarde até meia-noite.”

Nesse período, “Tudo que coube numa VHS” gerou uma espécie de continuação, “Todas as histórias possíveis”, também apresentado para uma só pessoa. “É importante dizer que esse tipo de investigação não existia antes da pandemia, não era o que pesquisávamos”, acrescenta Giordano.





Até o fim de 2021, o Magiluth vai lançar um terceiro e, espera-se, último experimento on-line: “Virá”, que discute a ideia de utopia.

CENAS CURTAS 

Outra seção do “Teatralidades em cena” reúne trabalhos de seis grupos mineiros em mostra de cenas curtas. São eles Luna Lunera, Oficcina Multimédia, Toda Deseo, Breve Cia., Núcleo de Atuação e Pesquisa, e Teatro da Pedra.

A programação também terá cenas de formandos das escolas de teatro de Belo Horizonte – Escola Livre de Artes Arena da Cultura, Centro de Formação Artística e Tecnológica (Cefart), Teatro Universitário (TU) e curso de graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Por fim, também foi convidada para a mostra “Fiandeira”, de Rainy Campos, uma das vencedoras do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto.

Integrante do Núcleo de Atuação e Pesquisa, Francisco Falabella Rocha participa da mesa-redonda “A dramaturgia nos momentos atuais” na quinta-feira, em debate com Amora Tito. “A pandemia nos fez rever a relação com o tempo. Começamos a trabalhar em cima da urgência do tempo e de ter os artistas em casa com a impossibilidade de ir ao teatro, já que ele nasce do encontro”, diz Francisco.





A partir de “Ensaio para a morte” (2019), o Núcleo produziu, durante a crise sanitária, experiências que derivavam desse espetáculo. “Trabalho muito no que chamo de dramaturgia autoral e atoral. Ou seja, centrada na experiência do ator”, continua Francisco. “Ensaio para a morte” nasceu de um ataque do coração sofrido pelo ator Antônio Rodrigues que o tirou do teatro durante seu período de recuperação.

Entre um dos desdobramentos dessa montagem está a cena de 15 minutos“A corda certa”. Com dramaturgia de Francisco, será exibida no sábado (28/08). Antônio Rodrigues contracena com Epaminondas Reis, que também dirige a cena. À beira da morte, um experiente ator, impossibilitado de voltar ao palco, sonha que ensaia cenas de sua vida ao lado de um diretor de teatro.

“Tudo o que aconteceu com o Antônio foi antes da pandemia. Isso para a gente ver como as coisas estão ligadas. Atualizamos a história desenvolvida há quatro anos porque o teatro em que acreditamos é mais processual do que definitivo”, finaliza Francisco Falabella Rocha.




''Ensaio para a morte'' inspirou experimentos do Núcleo de Atuação e Pesquisa (foto: Daniel Ferreira/divulgação)

“SEMINÁRIO TEATRO EM  TEMPOS DE PANDEMIA”

Sempre às 19h, no YouTube (www.youtube.com/user/canalFMC) e no site do CMC.

HOJE (23/08)
“Teatro nas Telas – A importância de se reinventar.” Com Eduardo Moreira, do Grupo Galpão (BH), e Giordano Castro, do Grupo Magiluth (Recife)

TERÇA (24/08)
“Teatralidades virtuais no interior de Minas Gerais.” Com Juliano Pereira, do Teatro da Pedra (São João del-Rei), e Léo Coessens, do Coletivo Aberto de Teatro (Ipatinga)

QUARTA (25/08) 
“As escolas teatrais e as novas possibilidades de permanência.” Com Paulo Maffei (Cefart), Heloisa Marina (UFMG), Rogério Lopes (TU) e Amaury Borges (Escola Livre de Artes)

QUINTA (26/08) 
“A dramaturgia nos momentos atuais.” Com Amora Tito e Francisco Falabella Rocha

“TEATRALIDADES EM CENA”
Até domingo (29/08), no Circuito Municipal de Cultura (circuitomunicipaldecultura.com.br). Todas as atividades que necessitam de retirada de ingresso podem ser acessadas pelo link linktr.ee/circuitomunicipaldecultura. Acesso gratuito

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