As letras da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, levaram o Brasil ao reencontro com a democracia, depois de 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Como nenhuma de suas seis ntecessoras, ampliou direitos civis e garantias individuais, por isso “cidadã”. Desde então, sete presidentes juraram obedecê-la, dois impeachments ocorreram e, este ano, quando a mais antiga carta constitucional em vigor completa 30 anos, brasileiros viram ganhar corpo a discussão sobre a criação de um novo conjunto de leis mestras para reger a nação. Num país em crise e polarizado, o assunto esteve na tangente do debate presidencial. A ideia acabou jogada para escanteio após críticas, vindas também do Supremo Tribunal Federal (STF), casa criada para protegê-la. Além de garantir direitos fundamentais, a Constituição de 1988 assegurou a liberdade de pensamento e expressão, pondo fim à censura. Analfabetos tiveram direito ao voto, eleições diretas foram retomadas. “Nunca tivemos uma Constituição que durasse tanto em um estado de normalidade democrática. Pode ser criticada em vários aspectos, mas é louvável sobretudo no que diz respeito aos direitos e garantias da dignidade da pessoa humana”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Jayme, doutor em direito constitucional. Com ela, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado e a educação para todos assumida como dever do Estado. Cultura e meio ambiente ganharam a devida importância. O direito do consumidor passou a ser considerado fundamental. O Ministério Público foi fortalecido, assim como direitos trabalhistas. A Carta também desenhou uma reforma no sistema tributário. A participação popular foi valorizada, dando a cidadãos a chance, por exemplo, de apresentar projetos de lei, com a assinatura de 1% dos eleitores do país. No dia em o texto foi promulgado, 5 de outubro, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, afirmou, no plenário lotado do Congresso Nacional, que se tratava de um documento definitivo. “Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa”, disse para uma população de, na época, 30 milhões de pessoas.
Nesse tempo, mais de uma centena de emendas
Passados 30 anos, já somos 208 milhões de brasileiros, a Carta Magna permanece a mesma, porém transformada dentro das possibilidades que o próprio documento permite, de forma a resguardar seus princípios que asseguram direitos fundamentais, regime federativo, a república e a democracia. De 1988 para cá, foram 106 emendas constitucionais e 263 regulamentações, que tocaram em pontos como flexibilização de monopólios estatais, reforma previdenciária, remuneração no serviço público, entre outros.O Supremo, corte vocacionada para a interpretação da Constituição, também tomou 4.305 decisões para elucidar as letras da lei máxima e garantir que ela se sobreponha a todas as outras leis no país. Com base na Constituição, em 2011, por exemplo, o STF reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, abrindo caminho para o casamento homoafetivo. Mas, apesar das modernizações à luz dos novos tempos, a necessidade de novas regras para a nação apareceram com força nas eleições de 2018. O programa de governo do PT continha proposta de convocar nova Constituinte, retirada ao longo da campanha. Vice-presidente eleito, o general da reserva Hamilton Mourão defendeu a elaboração de nova Constituição por “notáveis”, sem a necessidade de participação dos “eleitos pelo povo”. Após críticas, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) desautorizou o vice. Garantiu que será um “escravo” da Constituição e, na sessão solene do Congresso, em homenagem aos 30 anos da carta, afirmou que “na democracia só há um norte, é o da nossa Constituição”. “Uma nova Constituinte é absolutamente antijurídico, significaria uma ruptura institucional. Não se estabeleceram prazos de validade. As alterações em seu texto são feitas por emendas”, afirma Fernando Jayme. “O problema é que a Constituição preconiza uma situação muito bacana de uma sociedade justa, fraterna, solidária. Isso gera uma frustração nos governantes que não dão conta de alcançar seus princípios, que acabam responsabilizando a Constituição”, completa."Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte (%u2026) Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil"
Ulysses Guimarães