Estado de Minas 90 ANOS

30 anos da Constituição Cidadã: direitos intocáveis

Texto publicado em 1988 assegurou o retorno da democracia e das liberdades ao Brasil e ampliou as garantias individuais


postado em 30/11/2018 07:00 / atualizado em 30/11/2018 19:46

As letras da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, levaram o Brasil ao reencontro com a democracia, depois de 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Como nenhuma de suas seis ntecessoras, ampliou direitos civis e garantias individuais, por isso “cidadã”. Desde então, sete presidentes juraram obedecê-la, dois impeachments ocorreram e, este ano, quando a mais antiga carta constitucional em vigor completa 30 anos, brasileiros viram ganhar corpo a discussão sobre a criação de um novo conjunto de leis mestras para reger a nação. Num país em crise e polarizado, o assunto esteve na tangente do debate presidencial. A ideia acabou jogada para escanteio após críticas, vindas também do Supremo Tribunal Federal (STF), casa criada para protegê-la.

Ulysses Guimarães, deputado, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, durante a promulgação da Constituição(foto: O Cruzeiro/Arquivo EM)
Ulysses Guimarães, deputado, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, durante a promulgação da Constituição (foto: O Cruzeiro/Arquivo EM)
Além de garantir direitos fundamentais, a Constituição de 1988 assegurou a liberdade de pensamento e expressão, pondo fim à censura. Analfabetos tiveram direito ao voto, eleições diretas foram retomadas. “Nunca tivemos uma Constituição que durasse tanto em um estado de normalidade democrática. Pode ser criticada em vários aspectos, mas é louvável sobretudo no que diz respeito aos direitos e garantias da dignidade da pessoa humana”, afirma o diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Jayme, doutor em direito constitucional. Com ela, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado e a educação para todos assumida como dever do Estado. Cultura e meio ambiente ganharam a devida importância. O direito do consumidor passou a ser considerado fundamental. O Ministério Público foi fortalecido, assim como direitos trabalhistas. A Carta também desenhou uma reforma no sistema tributário. A participação popular foi valorizada, dando a cidadãos a chance, por exemplo, de apresentar projetos de lei, com a assinatura de 1% dos eleitores do país. No dia em o texto foi promulgado, 5 de outubro, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, afirmou, no plenário lotado do Congresso Nacional, que se tratava de um documento definitivo. “Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte. Porque, antes da Constituinte, a ditadura já teria trancado as portas desta Casa”, disse para uma população de, na época, 30 milhões de pessoas.

Nesse tempo, mais de uma centena de emendas

Passados 30 anos, já somos 208 milhões de brasileiros, a Carta Magna permanece a mesma, porém transformada dentro das possibilidades que o próprio documento permite, de forma a resguardar seus princípios que asseguram direitos fundamentais, regime federativo, a república e a democracia. De 1988 para cá, foram 106 emendas constitucionais e 263 regulamentações, que tocaram em pontos como flexibilização de monopólios estatais, reforma previdenciária, remuneração no serviço público, entre outros.

"Adeus, meus irmãos. É despedida definitiva, sem o desejo de retorno. Nosso desejo é o da nação: que este plenário não abrigue outra Assembleia Nacional Constituinte (%u2026) Declaro promulgado o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil"

Ulysses Guimarães

O Supremo, corte vocacionada para a interpretação da Constituição, também tomou 4.305 decisões para elucidar as letras da lei máxima e garantir que ela se sobreponha a todas as outras leis no país. Com base na Constituição, em 2011, por exemplo, o STF reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo, abrindo caminho para o casamento homoafetivo. Mas, apesar das modernizações à luz dos novos tempos, a necessidade de novas regras para a nação apareceram com força nas eleições de 2018. O programa de governo do PT continha proposta de convocar nova Constituinte, retirada ao longo da campanha. Vice-presidente eleito, o general da reserva Hamilton Mourão defendeu a elaboração de nova Constituição por “notáveis”, sem a necessidade de participação dos “eleitos pelo povo”. Após críticas, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) desautorizou o vice. Garantiu que será um “escravo” da Constituição e, na sessão solene do Congresso, em homenagem aos 30 anos da carta, afirmou que “na democracia só há um norte, é o da nossa Constituição”. “Uma nova Constituinte é absolutamente antijurídico, significaria uma ruptura institucional. Não se estabeleceram prazos de validade. As alterações em seu texto são feitas por emendas”, afirma Fernando Jayme. “O problema é que a Constituição preconiza uma situação muito bacana de uma sociedade justa, fraterna, solidária. Isso gera uma frustração nos governantes que não dão conta de alcançar seus princípios, que acabam responsabilizando a Constituição”, completa.

Cidadão apresentou 72 mil sugestões

Convocada em 1985 pelo então presidente da República José Sarney, a Assembleia Nacional Constituinte contou com a participação de 559 senadores e deputados federais, eleitos de forma direta e democrática. A redação da Constituição começou de fato em fevereiro de 1987. Por 20 meses, se debruçaram na elaboração do documento. Como base, tinham mais de 72 mil sugestões de cidadãos, enviadas por formulários distribuídos nos Correios, e outras 12 mil ideias vindas dos próprios constituintes. Paulo Delgado (ex-PT), deputado federal entre 1987 e 2011, era um deles. Ele conta que o documento foi elaborado à noite, depois das atividades ordinárias do Congresso. Apesar de esforços comuns para mudar, pacificamente, o sistema político brasileiro, havia conflito entre duas correntes. “Existia a ideia do Estado de bem-estar social, mais protetoral, e, do outro lado, um Estado ultraliberal, defendido por Afonso Arinos e Roberto Campos”, diz. “O mais bonito e difícil foi introduzir o SUS, grande vitória. Se ainda existe paz social, é por causa do SUS. O debate de licença-paternidade também foi muito polêmico. Havia ali na Constituição um dicionário de utopias”, recorda-se. Delgado também se lembra do “dr. Ulysses” argumentando contra a emenda que queria substituir do texto a expressão “Estado democrático” por “Estado” somente, como forma de assegurar a democracia. “Todos reconhecem virtudes, apontam vícios, mas ninguém afirma que não foi um trabalho relevante e necessário. Progressista ou retrógrada, feita de boa ou má-fé, o fato jurídico chamado Constituição Brasileira é sólido”, afirma.


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