Estado de Minas 90 ANOS

Minas no centro das grandes decisões políticas brasileiras

Fatos e movimentos importantes que mudaram a história do país tiveram mineiros como protagonistas. Dez ocuparam a cadeira da presidência da República


postado em 30/11/2018 08:00 / atualizado em 30/11/2018 19:23


Desde a Inconfidência Mineira, embrião do movimento pela Independência do Brasil, que transformou em mártir Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ocorreram nas Alterosas ou passaram pelas mãos de filhos da terra episódios, articulações e decisões que mudaram a história do país.


O protagonismo de Minas Gerais nos rumos da nação – que se tornou ainda mais evidente na República Velha (1889-1930) com a política do café com leite, quando oligarquias mineiras e paulistas se revezavam no poder – levou 10 mineiros a ocupar a Presidência da República, embora dois deles não tenham chegado a tomar posse.   Fora dos cargos oficiais, o povo de Minas, estado que traz na bandeira os ideais de liberdade, também esteve no centro dos debates, vocação registrada no histórico Manifesto dos Mineiros, contra o Estado Novo (1930-1945). “Em verdade, Minas não seria fiel a si mesma se abandonasse sua instintiva inclinação para sentir e realizar os interesses fundamentais de toda a nação.”

 

Para o bem ou para o mal, o estado sempre teve peso nas decisões, seja na ditadura militar ou nas Diretas já. Depois de décadas no protagonismo da política nacional, Minas, atualmente mais acanhada no cenário brasileiro, tem pela frente o desafio de retomar força condizente com o peso do segundo colégio eleitoral do país.

 

Um poste de ferro fundido é testemunha e marco dos seis dias que abalaram Belo Horizonte, durante a Revolução de 1930, dois anos depois da fundação do Estado de Minas. Transformado há mais de meio século em mastro da Bandeira do Brasil na sede do 12º Batalhão de Infantaria (12º BI), subordinado à 4ª Região Militar (4ª RM), no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul, o equipamento testemunhou a violência dos conflitos entre a Força Pública, antiga Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), e praças e oficiais do Exército.

 

No saldo do episódio sangrento no quartel morreram mais de 50 pessoas, entre militares e civis.

 

Resultado do colapso da política do café com leite e da instabilidade econômica, causada também pela quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, o gaúcho Getúlio Vargas, da Aliança Liberal, derrotado nas eleições de 1930 por Júlio Prestes, acabou tirando o então presidente Washington Luís do cargo, apoiado por Minas, Paraíba e Rio Grande do Sul.


O governador Itamar Franco faz seu discurso de posse na sacada do Palácio da Liberdade(foto: Euler Junior/EM/D.A Press - 1/1/99)
O governador Itamar Franco faz seu discurso de posse na sacada do Palácio da Liberdade (foto: Euler Junior/EM/D.A Press - 1/1/99)

Havia uma acusação de fraude eleitoral no processo que, junto da crise, deu sustentação ao golpe. Em 3 de outubro, quando os “revoltosos” da Aliança Liberal chegam ao então 12º Regimento de Infantaria para comunicar a posse de Vargas, naquele mesmo dia, no Rio de Janeiro (RJ), dá-se início à reação.

 

Na defesa da Constituição, o comandante do regimento, tenente-coronel José Joaquim de Andrade, não se intimida e acaba preso, já que o então governador de Minas Olegário Maciel era partidário de Vargas. Conforme a edição do EM de 4 de outubro de 1930, na hora do expediente havia 200 praças, ao passo que do lado de fora, mais de 1 mil homens. Na cobertura dessa “operação de guerra”, o jornal relatou a ocupação de repartições públicas, a exemplo dos Correios, pelas tropas estaduais.

 

Vargas acabou no comando do país por 15 anos a partir de 1937, governando ditatorialmente no período conhecido como Estado Novo (1937-1945). Mas foi de Minas também que houve o primeiro pronunciamento público de setores liberais contra o Estado Novo e pela instituição da democracia. Por um ideal de liberdade em tempos de censura, repressão e autoritarismo, 92 personalidades, entre políticos, intelectuais, advogados e representantes ligados às áreas sociais e econômicas, fizeram o Manifesto dos Mineiros, documento escrito em 24 de outubro de 1943.

 

Até então, a oposição ao governo de Vargas estava restrita à ação de comunistas ou de movimentos operários e estudantis, clandestinos e alvo de dura repressão. Para burlar a censura, o manifesto foi distribuído de mão em mão ou deixado debaixo das portas e enfatizava a importância da liberdade de pensamento e opinião.

 

Outras iniciativas surgiram a partir dele, no Rio Grande do Sul e na Bahia, mas sem êxito. O manifesto pegou carona com a onda de mobilização contra a Segunda Guerra Mundial. “Se lutamos contra o fascismo, ao lado das Nações Unidas, para que a liberdade e a democracia sejam restituídas a todos os povos, certamente não pedimos demais reclamando para nós mesmos os direitos e as garantias que as caracterizam”, diz um trecho.

 

Manobra tentou impedir a posse de JK

 

Já na década de 1950, depois do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, e o afastamento de seu sucessor, Café Filho, que alegou que precisava tratar da saúde, quem assume a Presidência é o mineiro de Três Corações Carlos Luz, então presidente da Câmara.


Juscelino e a primeira-dama d. Sarah chegam para o Baile de Gala após a cerimônia de posse do presidente no Rio de Janeiro, ainda a capital do país(foto: Eugenio Silval/O Cruzeiro/Arquivo EM - 31/01/56)
Juscelino e a primeira-dama d. Sarah chegam para o Baile de Gala após a cerimônia de posse do presidente no Rio de Janeiro, ainda a capital do país (foto: Eugenio Silval/O Cruzeiro/Arquivo EM - 31/01/56)

A intenção por trás da manobra era articular um golpe de Estado e impedir que o também mineiro Juscelino Kubitschek, presidente eleito, assumisse o cargo. Em meio a uma reação armada comandada pelo general Henrique Lott, da ala legalista do Exército, o Congresso Nacional acabou aprovando o impeachment de Luz, que ficou apenas três dias na Presidência, o mais curto período na história.

 

A manobra, que ficou conhecida como “contragolpe preventivo do marechal Lott”, garantiu a posse de JK, um dos mais carismáticos políticos brasileiros. Os anos dourados em que o mineiro de Diamantina esteve na Presidência da República registraram um avanço na economia raramente visto no Brasil, numa política desenvolvimentista marcada por grandes obras de infraestrutura. Prova da ousadia de JK foi seu plano de metas “50 anos em 5” e a construção da nova capital federal, a moderna Brasília, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lucio Costa.

 

Antes prefeito de BH e governador de Minas, JK enfrentou dura oposição no governo federal, mas se mostrou hábil conciliador. “Juscelino teve o olhar para o sertão, que o paulista e o carioca não tinham. Com isso, ele se aproxima demais da população menos favorecida e consegue fazer isso no PSD, partido que não era populista, mas nacionalista, desenvolvimentista e vanguardista”, afirma o professor do Departamento de História da PUC Minas Carlos Evangelista Veriano, que lembra a coragem de JK em romper com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1959.

 

Minas Gerais também esteve no centro de páginas sombrias da história brasileira, nas articulações políticas que deram início à ditadura militar. O golpe de 64 foi apoiado pela classe média mineira, preocupada com possível “ameaça comunista” e com a intenção de “proteger a democracia”, e teve uma de suas centelhas acesas em Minas ainda em 1963. O general Olympio Mourão Filho, recém-empossado comandante da 4ª Região Militar de Juiz de Fora, convidou a Polícia Militar na cidade para depor o presidente da República.

 

Na época, o assunto foi tratado como improvável, mas acabou ocorrendo com o aumento da rejeição ao presidente João Goulart entre os militares e o fortalecimento de uma visão de que a democracia estava em risco. Em março de 1964, Jango anunciou reformas de base que incluíam medidas como a desapropriação de áreas nas margens de rodovias e a encampação de refinarias de petróleo. As propostas provocaram grande insatisfação.

 

Em viagem a Juiz de Fora, em 28 de março de 1964, o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, se reuniu com o marechal Odílio Denys e os generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes, marcando para três dias depois a deposição de Jango. Já existia uma movimentação em outros estados nessa direção, mas a quartelada mineira pegou de surpresa os demais opositores ao presidente.

 

Mourão Filho também fez pronunciamento à imprensa anunciando a quartelada e, na madrugada de 1º de abril, as tropas saíram de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro, ganhando adesão. Jango disse que resistiria, mas acabou desistindo. Dando início aos 21 anos de governo militar, em 14 de abril, o marechal Humberto Allencar Castello Branco assume a Presidência. O mineiro Magalhães Pinto foi a público justificar a medida como estratégia contra a “radicalização de posições e atitudes”.

 

Mas, assim como no apoio ao golpe, Minas também se destacou pelos focos de resistência à ditadura. O Colégio Estadual Central, berço do movimento secundarista, e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foram locais estratégicos de discussão política e de articulação do movimento contrário ao regime militar. Em julho de 1965, a União Nacional dos Estudantes (UNE) tem sua sede ocupada pela polícia e, em Minas, é iniciada campanha pró-UNE.

 

O Comando de Libertação Nacional (Colina), do qual fez parte a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), foi um dos principais grupos da luta armada do país, dando origem depois à Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). É também de BH o tabloide O Binômio, fundado em 1952, que, com tom crítico e debochado, representou forte oposição ao regime.

 

Acabou sendo destruído, em 1964, e seu editor, José Maria Rabêlo, foi obrigado a se exilar no Chile. Era também mineira uma das mais atuantes militantes pela anistia e pela defesa dos direitos humanos no país, Helena Greco, que presidiu o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA/MG), e sofreu atentados e ameaças durante todo o período da ditadura.

 
Destino pôs mineiros no poder nacional

 

Movimentos contrários ao regime militar e que motivaram, entre 1983 e 1984, a campanha Diretas já, protestos em que o povo lutava para que pudesse votar para presidente, acabaram encontrando no mineiro Tancredo Neves a habilidade conciliadora necessária para que o Brasil se reencontrasse com a democracia. Em um dos discursos durante as Diretas já, em Belo Horizonte, Tancredo disse: “Minas... Minas... Minas. Eu sabia que tu não faltarias à sustentação do Brasil”.

 

Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, que garantiria eleições diretas, Tancredo, endossado por governadores do Nordeste, foi anunciado como o nome mais indicado para buscar um acordo entre os diversos partidos políticos. Sem pleito direto, Tancredo derrota Paulo Maluf no Colégio Eleitoral e é eleito presidente em 15 de janeiro de 1985. “Os mineiros têm a vantagem do perfil conciliador. Mineiros tiveram embates militares somente com paulistas, na Revolução de 32, em São Paulo. Antes disso, só no período colonial”, comenta Veriano.

 

Por força do destino, Tancredo foi internado um dia antes da posse, com dores abdominais. As causas da morte ainda são mistério, com diagnósticos de apendicite, diverticulite. Fala-se até em erro médico, como mostra reportagem publicada em 19 de abril de 2015 pelo EM. O vice, José Sarney, assume o cargo e, num domingo, 21 de abril, Tancredo morre, protagonizando um dos maiores funerais da história nacional. Sem circular na época às segundas-feiras, o Estado de Minas publica em 23 de abril a manchete “A Nação, órfã, chora por Tancredo”.


Um dos maiores líderes do movimento, o então governador Tancredo Neves discursa durante o grande comício de Minas pelas Diretas já, em Belo Horizonte (foto: Alberto Escalda/EM- 24/2/84)
Um dos maiores líderes do movimento, o então governador Tancredo Neves discursa durante o grande comício de Minas pelas Diretas já, em Belo Horizonte (foto: Alberto Escalda/EM- 24/2/84)
 

Mas o mesmo destino que impediu um mineiro de tomar posse também colocou outro no poder. Primeiro presidente eleito depois da ditadura militar, em 1989, Fernando Collor se afunda em denúncias de corrupção e, em 1992, renuncia, sofre o impeachment e quem assume é seu vice, Itamar Franco. Natural de Juiz de Fora, na Zona da Mata, e com estopim curto, ele quase rompeu a dobradinha com Collor antes das eleições que o levaram à Presidência.

 

As divergências entre os dois seguiram durante o governo e, quando assumiu, Itamar fez questão de se descolar da imagem do antecessor. No Palácio do Planalto, encontrou inflação de 20% mensais e desemprego em alta. Foi ele também quem pôs Fernando Henrique Cardoso (FHC) no Ministério da Fazenda, abrindo caminho para o Plano Real, implantando em 1994 a moeda que circula até hoje.

 

Apesar disso, acabou tendo em FHC um desafeto. Em 1999, Itamar decidiu ir para o confronto com o governo federal e decretou moratória de 90 dias dos acordos financeiros feitos com a União.  No ano seguinte, em uma nova disputa com seu ministro, mandou a Polícia Militar cercar o Palácio da Liberdade, para protegê-lo de uma suposta invasão.

 

Mais tarde, na eleição histórica de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Lula encontrou em Minas Gerais a imagem para sua nova fase, mais moderada, e convidou para vice o empresário José Alencar, que representava aceno positivo do mercado.

 

Na sucessão de Lula, quem assume é a mineira de BH Dilma Rousseff (PT), que se mudou na época da repressão e acabou perdendo vínculo com o estado, comprovado com sua derrota ao Senado nas eleições deste ano. Em 2014, a disputa pela Presidência é travada entre dois mineiros: Dilma e Aécio Neves (PSDB). Derrotado pela petista, ele teve o nome envolvido em denúncias de corrupção e acabou minguando na cena política.

 

De agora em diante, no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), Minas Gerais, segundo colégio eleitoral do país, terá o desafio de retomar sua força no cenário nacional. “Nossa bancada federal nos últimos anos sempre foi muito frágil porque é praticamente uma bancada emprestada de pequenos partidos. Não temos grandes políticos, oradores e intelectuais que possam falar por Minas. Isso explica por que estamos há 20 anos esperando o metrô em BH”, avalia o professor Carlos Veriano.


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