Estado de Minas 90 ANOS

Fred Melo Paiva: Notícias do front - a gente tinha ganho a guerra

Os bastidores da crônica do atleticano no título da Libertadores'2013


postado em 07/09/2018 07:08 / atualizado em 06/09/2018 22:46

Tenho diante de mim, num quadrinho na parede, a coluna que escrevi para o Estado de Minas na madrugada de 25 de julho de 2013 – tenho a data tatuada no braço direito, sob um galo estilizado. Era a minha promessa, caso a gente ganhasse aquela Libertadores. Eu a descumpri por cinco meses. Quando estava prestes a embarcar para o Mundial do Marrocos, saí a  cumpri-la a toque de caixa, para que não fosse culpado depois por alguma eventual tragédia. O tatuador, um gaúcho fanático pelo Internacional, achou um espaço na sua concorrida agenda entendendo a causa justa daquele atleticano patológico.


Escrevi do telefone celular, no bloco de notas, o texto da minha vida – não por sua qualidade, mas porque, meu Deus, o Galo tinha sido campeão! Uma vida esperando, tantas injustiças, azares, assaltos à luz do dia. Não vi nenhum dos pênaltis. Segurava nas mãos uma camisa de goleiro, mirava o número 1 e o concreto da arquibancada. Aquele endereço, aquele prédio: eu tinha crescido ali, eu amava aquele lugar e o concreto de sua arquibancada.


Pôster do Atlético campeão da Libertadores de 2013. O time bateu o Olimpia nos pênaltis, no Mineirão lotado(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 24/7/13)
Pôster do Atlético campeão da Libertadores de 2013. O time bateu o Olimpia nos pênaltis, no Mineirão lotado (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 24/7/13)

Por entre os torcedores, olhando o chão e suas pernas, meu olhar se cruzou com o de um menino de cerca de 10 anos, numa imagem poderosa que eu nunca mais vou esquecer. Ele sabia que eu era o “colunista do Galo”, e tava atento à minha aflição. A gente batia e fazia, o Olímpia batia e errava – e eu, como o cego atleticano descrito por Roberto Drummond, contabilizava o placar ouvindo “um barulho tão grande que parece que o mundo vai acabar”. Antes que o Baggio paraguaio chutasse o pênalti na trave, esse menino balançou a cabeça pra mim e disse (ou pensei que disse, porque no estouro daquela boiada só era possível a leitura labial): “A gente vai ganhar, a gente vai ganhar”.


Quando o Baggio errou, corri como um louco para abraçar o menino, mas acabei engolfado pelo descarrego de igreja evangélica que se instalou – todos aqueles desconhecidos se abraçando e chorando, crianças sendo atiradas para o alto, velhos caídos no chão vertendo lágrimas sobre o concreto, céticos em transe, ateus falando com Jesus. Eu chorava e me descabelava, abraçava e era abraçado por aquela suruba de proporções monumentais.


O fechamento do jornal se aproximava e eu tinha de mandar a maldita e bendita coluna. Saquei do bolso o smartphone e, como aquele idiota que durante o melhor da festa está ao celular, passei a escrever pelos cotovelos, derramando doses de uma inevitável pieguice, mas também da mais profunda sinceridade. Eu tava ali, mandando notícias do front como um Joel Silveira – e, inacreditável, a gente tinha ganho a guerra.


Antes do jogo, tinha me hospedado no velho Hotel Metrópole – queria estar no Centro em caso de vitória. Na escrivaninha do quarto, dedilhei umas linhas da coluna, pra adiantar o serviço. Torci para que Deus não me visse cantando vitória antes, e contava que Ele não me achasse naquele lugar estranho e decadente. Se a gente perdesse o título, já tinha combinado com o jornal: deixaríamos no espaço da coluna uma grande mancha em branco, a delinear o nosso vazio – sem palavras.


No dia seguinte à vitória, cumpri a promessa de tomar café da manhã no Bar do Salomão. A bem da verdade, um prato de farofa. Cervejas foram se sucedendo, o jornal com a coluna também. Noite adentro, consta que fui retirado do meio da Rua do Ouro com uma bandeira do Atlético. Tudo é possível. Certo é que recebi a ligação de um diretor do jornal que queria saudar a conquista. Pensei que fosse minha mulher e fiz juras de amor. A ela e ao Clube Atlético Mineiro. Só voltei ao Metrópole dois dias depois.


Que triste escrever sobre isso e ver o Galo de 2018. Como a Itabira de Drummond (o Carlos), a minha coluninha parece hoje apenas um quadro na parede.

* Jornalista e torcedor atleticano, escreve aos sábados no Estado de Minas sobre o seu time do coração


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