Estado de Minas 90 ANOS

As páginas do EM são capítulo das trajetórias de grandes nomes

Histórias de Rogério Flausino, de Fernanda Takai e do Grupo Corpo passaram por aqui


postado em 15/06/2018 06:45 / atualizado em 14/06/2018 19:34

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O vocalista Rogério Flausino %u2018descobriu%u2019 a futura banda Jota Quest no "tijolinho" do Estado de Minas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )

Antes da internet, os “tijolinhos” formavam o guia mais completo da programação cultural de uma cidade. Cinema, teatro, exposições e música – as atrações estavam lá, naquele roteiro que ocupava mais de uma página de jornal. Todo “foca” da área cultural passou por ele. Como não havia e-mail, as informações vinham por meio do fax ou dos próprios artistas, que frequentavam as redações. Para terror dos responsáveis pelos “tijolinhos”, eram pastas e pastas com informações de shows, filmes e espetáculos.

Pois foi um “tijolinho” publicado no Estado de Minas que levou o então desconhecido Rogério Flausino, vindo de sua Alfenas natal, a descobrir uma nova banda de Belo Horizonte. “Desde que cheguei na cidade, em 1993, sempre olhava o jornal para saber o que estava acontecendo. Numa dessas, vi o ‘tijolinho’ anunciando o show do Jonny Quest no bar que ficava na esquina da Rua Alagoas com Avenida Brasil. Fiquei fissurado. Foi ali que descobri o Jota”, relembra Flausino.

Histórias de bastidores como essa recheiam a trajetória do EM. Flausino, vale lembrar, ainda levou algum tempo para se tornar o quinto integrante da banda influenciada pela soul music que se apresentava no circuito alternativo de BH. Escolhido por teste, foi o 14º candidato. O grupo só estourou no fim da década de 1990 – em 1998, a banda J. Quest alterou seu nome para evitar problemas judiciais com a Hanna-Barbera, produtora do desenho Jonny Quest.

Pois até conseguir contrato com a Sony Music, que lançou a banda nacionalmente, cada um dos cinco integrantes suava a camisa para pagar as contas. Flausino trabalhava numa agência de publicidade. Frequentava a redação do EM, então na Rua Goiás, 36, para entregar anúncios ao departamento comercial. Safo, aproveitava que já estava no prédio para visitar a editoria de Cultura. “Sem conhecer ninguém, ia na cara dura. Sabia que se chegasse na portaria pedindo para subir, ninguém iria querer receber aquele ‘pela-saco’”, comenta. Assim, aos poucos, ele conseguia espaço no jornal.

Andar pela redação era comum aos artistas em início de carreira. Eduardo Moreira, um dos fundadores do Grupo Galpão (1982), se lembra de ter frequentado o jornal. “Tenho muito a memória de matérias falando do Galpão na rua, de pernas de pau, mudando o cotidiano da cidade. Sempre tivemos uma acolhida muito legal, mesmo quando começamos e éramos pouco conhecidos”.

Em 35 anos, foram muitas as matérias sobre as andanças da companhia. Uma das que Moreira se lembra, ainda na primeira década do Galpão, foi a página inteira publicada em 4 de janeiro de 1989, com o título “O teatro sai de cena e vai à rua”. Com texto e fotos do diretor e dramaturgo Eid Ribeiro, trazia a cobertura do 8º Encontro Internacional de Teatro de Grupo, em Lima, Peru. O Galpão participou do evento com A comédia da esposa muda, dirigido por Paulinho Polika. “O sucesso foi tanto que logo depois do espetáculo criou-se um clima para o surgimento de uma roda de samba... Que acabou de vez com a seriedade europeia do encontro”, descreveu Ribeiro.

O próprio Eduardo Moreira publicou vários textos no caderno Pensar do EM. Em “De Brecht a Brecht” (15 de outubro de 2005), o ator descreveu a relação do grupo com a obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.

Edição de 12 de julho de 2000 destacou o lançamento do terceiro sucesso da banda mineira
Edição de 12 de julho de 2000 destacou o lançamento do terceiro sucesso da banda mineira

DE CANTORA A CRONISTA

Fernanda Takai, do Pato Fu, também frequentou bastante as páginas culturais, mas de outra maneira. A convite do EM, a cantora se tornou cronista do jornal – escreveu textos para a contracapa do caderno de Cultura entre 2005 e 2011. “Foi uma maneira muito rica de manter contato com o cotidiano das pessoas. Meu e-mail era publicado com o texto, então era possível um diálogo bastante frequente. Essa experiência me valeu o início de minha carreira na literatura”, comenta ela. Os dois primeiros livros de Fernanda – Nunca subestime uma mulherzinha (2007) e A mulher que não queria acreditar (2011) – são compilações de crônicas dela no EM.

Nomes emblemáticos da produção cultural mineira têm sua história registrada pelo jornal. “Papai, como bom mineiro, sempre perguntava quando falávamos sobre os novos projetos do grupo: ‘Alguém fez contato com o Estado de Minas?’. Foi assinante assíduo do jornal, a leitura era sempre após o café”, conta Beatriz Apocalypse, filha de Álvaro Apocalypse (1937-2003), fundador do Grupo Giramundo, em 1970.

Diretora e manipuladora, Beatriz se lembra de momentos marcantes da companhia vistos pelo olhar do jornal. Alguns nem sempre felizes. A foto de Álvaro com uma mala vem à lembrança de Beatriz sobre a cobertura que o EM fez da saída do artista da UFMG, em 1999. O Giramundo nasceu na universidade, que acabou tirando-o de lá, um processo difícil que levou meses.

Em 2001, a trupe inauguraria o Museu Giramundo, que Álvaro pouco aproveitou, pois morreu dois anos mais tarde. “Consegui ler a matéria mais de um ano depois”, comenta Beatriz sobre a reportagem “Operário da criação”, publicada em 8 de setembro de 2003. O Giramundo continua nas páginas do EM. Beatriz recorda, com carinho, a matéria de 13 de junho 2017. Em “É coisa nossa”, o ator Danton Mello empunha o boneco Imperador, criado pelo grupo para a novela Pega pega.

COREÓGRAFO
E O CRÍTICO

Falar em artes cênicas e cinema no EM é falar do crítico Marcello Castilho Avellar (1960-2011), que atuou no jornal por três décadas. “Marcello tinha características que respeito muito. Era um cara de uma cultura acima da média, conhecia muito a respeito de tudo e de dança como pouquíssima gente do país”, comenta o coreógrafo Rodrigo Pederneiras, do Grupo Corpo.

A partir de 1989, Avellar publicou 46 textos sobre o Corpo, entre reportagens e críticas. “Ele conhecia os artistas, mas não deixava o lado pessoal interferir nas críticas. Onde tinha que bater, batia. Mas sempre de um modo construtivo, falava do que gostava e não gostava, o que deveria ser de outra forma. E falo isso de coração, pois do mesmo jeito que ele me elogiou, também bateu muito”, continua Pederneiras, citando o texto “Jogo entre dimensões” (5/9/2005), quando Onqotô estreou.

“Os bailarinos são geniais, a produção material dos espetáculos do Corpo é perfeita, Rodrigo Pederneiras é um dos melhores coreógrafos de duos do mundo – mas, mesmo com tudo isso, Onqotô não decola, não empolga, não transcende. Parte desse sentimento pode vir da companhia que Onqotô tem em sua turnê brasileira. Lecuona, coreografia que o Corpo estreou em 2004, é conceitualmente mais simples, mas convence praticamente todo mundo. Sua paixão transbordante talvez produza, pelo contraste, a impressão de que Onqotô tem menos paixão do que deveria, diz mais ao cérebro que ao coração”, escreveu o crítico.

Diretora do Grupo 1º Ato, Suely Machado se lembra quase textualmente da crítica de Avellar para Mundo perfumado (19/11/2004). “Ele escreveu que o 1º Ato sempre teve bailarinos mais altos, mais baixos, mais gordos, mais magros, enfim, diferentes. Que o grupo trabalhava com os aspectos individuais de cada bailarino, dando a eles autonomia nos gestos”, diz ela. Concluindo esse pensamento, Avellar anotou: “Assistir ao trabalho deste elenco é assistir a um diálogo constante dessas histórias”. Para Suely, foi a primeira vez que tais características foram analisadas por um crítico. “Foi muito gentil a maneira como ele enxergou isso.”

 

 

A jornada de nava
"Uma das matérias mais interessantes que fiz no jornal foi acompanhar Pedro Nava, em 1976, em uma visita aos locais de sua juventude em Belo Horizonte. Outro momento foi fazer o caderno Pensar. Durante dois anos (1997 e 1998) tive contato com intelectuais não só do Brasil, como de outros países, que trouxeram matérias para o caderno, onde eu também escrevia muito, quase semanalmente."

Angelo Oswaldo de Araújo Santos, secretário de Estado de Cultura de Minas Gerais, trabalhou no EM entre 1969 e 1998, com intervalos. Foi redator, subeditor e editor. Criou o caderno Pensar


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