Jornal Estado de Minas

OPINIÃO

Marcos do Val e a desinteligência do golpe

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A moda agora é testar o tal ChatGPT, inteligência artificial acessível via celular, para fazer textos sofisticados e responder perguntas complexas. Peço ao leitor que vá ao robozinho e pergunte: por que um bolsonarista que usa broche da SWAT no Brasil, e se diz doutor honoris causa em artes marciais, entregaria Bolsonaro de bandeja para a Justiça?
 
Contar a história é fácil. Segundo o plano descrito pelo ex-deputado Daniel Silveira, o senador Marcos do Val (Podemos-ES) teria que gravar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com escutas usadas por agências de inteligência. É bem provável que o ChatGPT consiga ir até essa parte.




 
A revista Veja publicou em primeira mão a entrevista com Marcos do Val, na qual era nítido que Bolsonaro tinha todo o conhecimento e concordava. Inclusive, o ex-presidente teria exortado Do Val a “salvar o Brasil”. Evidentemente, a repercussão foi enorme e deixou o senador apavorado.
 
Depois de renunciar ao seu mandato e voltar atrás, Do Val iniciou uma série de declarações contraditórias, mas que têm em comum três aspectos: tentou livrar o ex-presidente Bolsonaro do protagonismo golpista, colocou toda a culpa no seu ex-assessor de imprensa Leonardo Caldas, e dá mais um giro na chave da cela de Daniel Silveira.
 
Toda essa confusão aconteceu no final de uma semana em que a lógica prevaleceu na eleição para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Venceram os favoritos, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente. 




 
A eleição de Pacheco foi na quarta-feira (1/2). Foi possível ver em pelo menos uma ocasião Do Val falando com jornalistas “Lembra daquilo que eu te falei? Sai amanhã”. “Aquilo” era a reportagem da revista Veja publicada na quinta-feira (2), na qual o plano escabroso para comprometer Alexandre de Moraes e impedir Lula de assumir a presidência foi detalhado.
 
O fato é que Do Val se enrolou todo. É bem provável que perca o apoio da base bolsonarista que lhe dava sustentação. Ainda, passará a integrar o nada seleto grupo de investigados no inquérito que apura os atos antidemocráticos, e não alcançará o pretensioso objetivo de tirar Alexandre de Moraes do inquérito.
 
Dizer que toda essa história é uma “cortina de fumaça” também parece pouco crível. O fato é grave demais e se soma a outros, em especial à invasão aos prédios dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, que fazem com que seja impossível simplesmente virar a página.




 
O efeito talvez seja até o avesso do pretendido por Do Val: o inquérito que apura os atos antidemocráticos só cresce. Isso está longe de ser benéfico para a própria democracia. Muitas decisões de Moraes foram, para dizer o mínimo, polêmicas. O afastamento de Ibaneis Rocha (MDB) do cargo de governador do Distrito Federal, a manutenção da prisão sem pedido do Ministério Público, suspensão de perfis on-line, para citar só algumas.
 
O STF pode e deve ser contestado, mas o golpismo incessante não ajuda. O mesmo pode ser dito de um Procurador-Geral da República inerte. Aliás, o caso do senador Do Val quase eclipsou o constrangimento criado pelo discurso de Augusto Aras na abertura do ano judiciário no STF, quando bradou um macarrônico “democracia, eu te amo”.
 
Por essas e outras, o ChatGPT não ganha a vaga nem de estagiário em análise política no Brasil. Talvez na Dinamarca.