Uma pintura de Hendrick Pot, de 1640, mostra as deusas das flores passeando com bêbados que pesam dinheiro, seguida por uma multidão louca para ficar com o grupo. É a representação do “efeito manada”, que o pintor flamenco captou durante a “tulipomania" holandesa ocorrida naquele ano. Essa foi uma das primeiras bolhas econômicas de que se tem conhecimento nas economias capitalistas, estudada por Charles Mackay, em 1841 (“Ilusões populares e a loucura das massas”, Faro Editorial). Foi o primeiro a tratar do assunto.
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O “efeito manada” também ocorre na política. Gera a formação de bolhas de opinião cristalizadas, que hoje se propagam mais rapidamente, por causa das redes sociais. Na pandemia de COVID-19, por exemplo, a automedicação em massa com o uso continuado e indiscriminado de ivermectina, hidroxcloroquina e anticoagulantes é um “efeito manada”. O principal beneficiário dessa bolha é o presidente Jair Bolsonaro, que virou garoto propaganda desses medicamentos, e os utiliza como uma espécie de “vacina” contra as acusações de ser responsável pela falta de controle sobre a epidemia de COVID-19 e a morte das pessoas, além da falta de vacinas propriamente ditas.
Na sexta-feira, o país havia registrado 2.866 mortes pela COVID-19 nas últimas 24 horas e 386.623 óbitos, desde o início da pandemia. O grande número de mortes por COVID-19 derreteu a aprovação do governo e confinou o presidente Bolsonaro à bolha de apoiadores fanatizados que mantém nas redes sociais. O que pode reverter essa tendência de queda acelerada é o controle da pandemia, que dá sinais de queda neste final de mês. Na sexta-feira, a média móvel de mortes no Brasil nos últimos 7 dias era de 2.514. As medidas restritivas adotadas por governadores e prefeitos funcionaram: a variação foi de -17%. Foi a maior queda desde 11 de novembro, quando a média móvel de mortes apresentou queda de 27%.
Campanha
Bolsonaro é contra as medidas restritivas, mas delas está se beneficiando também, por uma dessas ironias da política. Não por acaso, na sexta-feira passada, desembarcou em Manaus para inaugurar um centro de convenções, participar de uma reunião com grupos de evangélicos e distribuir cestas básicas. Foi a primeira vez, desde o começo da pandemia, que visitou a cidade. A capital do Amazonas já foi o epicentro da COVID-19 por duas vezes: no começo da pandemia, em 2020, quando os hospitais e cemitérios colapsaram; e, em janeiro passado, quando faltou oxigênio nas UTIs. Em nenhuma delas o presidente da República deu o ar da graça; ao contrário, manteve-se distante, encastelado no negacionismo que o levou a ter quatro ministros da Saúde.
Responsável pelo grande atraso na vacinação em massa da população, Bolsonaro apostou na “imunização de rebanho”, na qual os mais fortes e os que fizerem o chamado “tratamento precoce” sobreviveriam, e na resiliência ideológica de sua base eleitoral, cujo núcleo mais combativo é formado por corporações embrutecidas pelas atividades que exercem e grupos de extrema direita, além dos evangélicos. Ontem, como em todo fim de semana, passeou por Brasília: fez um tour sem máscara por Ceilândia, um reduto nordestino com 400 mil habitantes, e Sol Nascente, que disputa com a Rocinha a condição de maior favela do Brasil.
Como sempre, provocou aglomerações, indiferente aos riscos de transmissão da COVID-19. Daqui para a frente, tentará permanecer “na rua”. O presidente da República “pisa no barro”, como se diz no jargão político. Está em campanha para a reeleição. Bolsonaro aposta na resiliência de sua base e no “efeito manada” da radicalização ideológica que promove, anabolizado pelas redes sociais, para se reeleger. Toda a estratégia eleitoral de Bolsonaro está focada na utilização dos meios de que dispõe no governo federal, com objetivo de ter um lugar garantido no segundo turno das eleições de 2022.