Jornal Estado de Minas

TERCEIRO SINAL

Peça 'A morte de DJ em Paris' continua atual, 22 anos depois de sua estreia

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INCOMODAMENTE ATUAL

Luiz Arthur

Desde que me entendo por gente, os temas liberdade e morte pairam sobre o meu imaginário. O artista que sou começou a se descobrir assim por meio das novelas, ainda em preto e branco. Lembro-me de como ficava atiçado ao ver na ficção personagens se deparando de alguma forma com o inevitável ou com o direito inalienável de ir e vir.




 
Assisti à novela “Saramandaia”, versão da década de 70. Obviamente, como criança que era, não entendia a metáfora do cerceamento da liberdade e afronta à censura da criação de Dias Gomes, mas fiquei embevecido quando o protagonista João Gibão mostrou suas asas para voar até o infinito.
Quando pude, finalmente, escolher as histórias que queria contar, essa pulsão encontrou reciprocidade em encontros que só o teatro é capaz de realizar. O solo “A morte de DJ em Paris” foi por 18 anos meu grito subversivo a tiracolo. Estreou em 1999, sob a direção do meu mestre Walmir José, com o seu autor, o saudoso amigo Roberto Drummond, sentado na primeira fila.
 
Libelo contra a ditadura militar no Brasil, conta a história de “dejota”, que, pelo amor de Deus, nunca foi “dee jay” em Paris, ao contrário de como, erroneamente, assim foi mencionado inúmeras vezes em notas na imprensa.




 
DJ é um professor de francês. Oscila entre a realidade e a ficção ao criar uma Paris imaginária no sótão de sua casa. De lá, passa a ter voz, coisa que nunca teve em sua vida marcada por uma submissão forçada, clara alusão ao hediondo período conhecido como “anos de chumbo”.
Outro mentor que tive, o inesquecível Marcello Castilho Avellar soltou uma crítica, aqui no EM, em janeiro de 2000, referindo-se ao texto do espetáculo como “incomodamente atual”. Hoje, 22 anos depois, o incômodo permanece no livro homônimo e, certamente, a peça causaria o desconforto certeiro se ainda em cartaz estivesse.
 
Quando montei a peça, fui atraído pela possibilidade de usá-la como vigília de uma liberdade conquistada a duras penas por gerações que me antecederam. Jamais imaginei, nem minimamente, que viveríamos o horror também nos dias atuais. O genocídio retumba diariamente e dolorosamente em mentes conscientes da barbárie. Ter conhecimento é estar predestinado à resistência, no exílio, como “dejota”, ou no front, como Hamlet, ciente de que “a reflexão faz de todos nós covardes”. Nós, artistas, historicamente maltratados e beligerantes, seguimos assim.




 
A geração que antes recebia cartas subversivas de DJ hoje receberia WhatsApp. E vírus. Toda uma geração bombardeada por informações pueris e vãs. Por fake news e Tik Tok. Hoje, o “DJ” que há em mim precisaria do “Homem-Bomba”, um novo solo com a poesia contemporânea de Cynthia Paulino. Precisaria do símbolo que o cutelo na mão representa. Um cientista-açougueiro que disseca-traduz os vários genocídios para todos os seus ouvintes: o das pessoas, o dos animais, o das ideias. O cutelo é o choque de realidade de que a fantasia que há em mim precisava para despertar o público atual.
 
“A morte (libertária) de DJ em Paris” é literatura maior, atemporal. Uma obra-prima necessária para os dias vigentes, mas que merece – no livro ou nos palcos – públicos que entendam a profundidade de suas imagens e a real tradução de suas intenções.
 
ÀS SEXTAS-FEIRAS, A COLUNA HIT PUBLICA A SEÇÃO “TERCEIRO SINAL”, NA QUAL DIRETORES, ATORES E PRODUTORES ESCREVEM SOBRE PEÇAS QUE FIZERAM SUCESSO ENTRE OS ANOS 1960 E 1990 E COMO SERIA A REAÇÃO DO PÚBLICO SE ELAS FOSSEM REMONTADAS.