Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA DE SEGUNDA

Filho de empresária troca multinacional por negócio da família em BH

É oficial. Juliana Scucato, que ao longo de duas décadas e meia foi a cara da Easyice, deixou a empresa. No lugar dela, entrou o filho, Francisco Melo, que nos últimos 15 anos trabalhou na Ambev. Seu último posto foi um cargo executivo em Nova York.




 
Juliana conta que depois de muitos anos, volta à psicologia, ofício pelo qual sempre foi apaixonada. O sucesso da sorveteria a fez trocar o diploma pelos compromissos de RP da empresa.
 
O martelo para Francisco assumir os negócios foi batido durante a pandemia, época em que o executivo trabalhou em home office na capital mineira. Curiosamente, Chico, como ele é conhecido, disse que nunca colocaria os pés na fábrica em função administrativa.
 
A marca registrada da “Tia Ju”, segundo Francisco, foi defender o negócio com unhas e dentes. Juliana acreditou que poderia fazer a diferença apostando em ices com o jeito dela. E conseguiu essa validação junto aos principais clientes e parceiros.




 
“Mas santo de casa não faz milagre, né? Foram necessários 15 anos para eu conseguir reconhecer o trabalho feito nos últimos 25 anos!”, reconhece Francisco. “Brinco que meu grande sonho é revolucionar o mercado de sorvete, assim como as cervejarias artesanais revolucionaram o mercado de cerveja. A turma da Ambev me ensinou que sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho”, revela.

Desde os tempos de escola, você disse que não tomaria conta do negócio da família. Por ironia do destino, você assumiu o controle da Easy Ice. Qual é o balanço deste primeiro ano? 
O primeiro ano foi de muito aprendizado, a vida de executivo é diferente da vida do empreendedor. As diferenças vão desde horário, rotina, prestação de contas e tipos de reuniões até o nível do risco tomado. Pode soar estranho, mas os riscos tomados hoje na Easyice são maiores do que os da Ambev, além de os impactos serem bem mais rápidos. Olhando em retrospectiva, foi um ano em que tive a oportunidade de sentir na pele o que é ser empreendedor. Quase fechamos alguns grandes negócios; cada um que não deu certo nos trouxe energia e ideias para melhorarmos. Isso traz a resiliência tão necessária para o empreendedor. Às vezes batemos na trave, mas logo vamos fazer golaço.
 
Na escola, você já desejava seguir a carreira do executivo de sucesso. Depois de quatro anos numa rotina de muita responsabilidade, com mais de 30 viagens pelo mundo, vale tudo pelo glamour da vida de executivo?
Vale a pena todo o esforço, mas não diria que é um estilo de vida fácil para viver para sempre. Trabalhar com pessoas de altíssimo nível técnico, conhecer vários países, vivenciar diversas culturas, ter novas experiências é muito especial e engrandecedor. Mas assim como tudo na vida, tem o seu preço. Quando minha filha tinha apenas 15 dias, tive de ir à Colômbia ficar cinco dias num workshop com mais de 500 pessoas do mundo todo. Na volta, fiquei três dias com ela em São Paulo e voei para mais uma semana no México. Me mudei para Nova York quase um ano e meio antes de minha família ir para lá, fiquei fazendo bate e volta a cada três semanas. Você abre mão de muita coisa. Teria feito de novo, talvez tivesse parado um pouco antes.





Muitos estudantes sonham em se tornar executivos de multinacional. O que você diria a eles?
Temos de correr atrás dos nossos sonhos, eles sempre valem a pena serem vividos. Especificamente sobre o sonho de ser executivo de multinacional, claro que vale a pena. Apresentei alguns projetos para o Carlos Brito, CEO da AB-InBev na época, desenhei o plano estratégico da logística global junto aos vice-presidentes da empresa, trabalhei com pessoas geniais. Isso dá uma bagagem enorme. Viver o mundo é engrandecedor. Tive a oportunidade de comer a mesma comida do time da fábrica na Índia, pude ouvir das pessoas que viveram o apartheid na África do Sul o que sentiram durante esse período, consegui visitar as pirâmides do Egito durante uma escala em Cairo. Tudo é especial, porém é importante reforçar: não é só glamour, as viagens geralmente são muito corridas e cansativas, envolvem mudanças de fuso, voo noturnos, finais de semanas “perdidos” em hotéis e bastante tempo longe da família e dos amigos, além da rotina intensa de trabalho e reuniões.

Você começou como estagiário e conquistou um cargo cujo orçamento era de US$ 5 bilhões. Foi garra, sorte ou determinação?
Foi a combinação de fatores – um deles a minha formação pessoal, que ajudou demais na parte de “soft skills”, tão necessária ao mundo corporativo. O outro, sem dúvida, o trabalho duro, desde a época de estagiário. Passei domingos contando estoque do centro de distribuição, madrugadas acompanhando carregamento noturno. Todos os perrengues me ajudaram a criar a casca necessária para encarar os desafios. Somado a isso, busquei entender o que estava acontecendo em outras áreas para conectar a minha rotina com a rotina dos demais setores, garantindo, assim, que o que estávamos fazendo era o melhor para o todo, e não o melhor para uma função específica.

Quais são os seus principais desafios à frente da Easy Ice?
A Easyice se transformou ao longo desses 25 anos de história. Deixamos de ser sorveteria de bairro para nos transformarmos em indústria de sorvetes premium. Isso traz muitos desafios. Me deparei com uma empresa sólida, com área industrial bem desenvolvida, mas que ainda precisava compreender o que queria para o futuro. O principal desafio tem sido montar o plano estratégico, algo tão claro nas grandes empresas. Estamos traçando metas e desenhando planos de ação, bem nos moldes da Ambev, para alcançar nossos objetivos.