Jornal Estado de Minas

DIREITO E INOVAÇÃO

A regulamentação das criptomoedas

Conhecida por suas belas praias e por ser um dos destinos preferidos dos mineiros, a cidade de Cabo Frio ganhou destaque nos últimos anos, também, por suas pirâmides.
 
Diferentemente, porém, das misteriosas obras arquitetônicas que fascinam turistas do mundo inteiro, as pirâmides encontradas na cidade fluminense são caso de polícia. São as chamadas pirâmides financeiras.




 
Imagine que uma corretora de valores proponha aplicar para você recursos em determinados investimentos e prometa uma remuneração mensal de 10%. Para isso, você deve também recrutar mais pessoas para contratar os serviços da empresa e convencê-las a chamar outros participantes. Quanto mais pessoas você atrair, mais dinheiro você ganhará.
 
Em algum momento, porém, haverá mais recrutadores do que novos investidores e somente quem está no topo da pirâmide será remunerado. Os demais participantes perderão os valores aportados. Mesmo que exista, de fato, um serviço prestado inicialmente (em algumas situações ele sequer existe), esta prática é ilegal.
 
Nas pirâmides de Cabo Frio as promessas de investimentos envolviam, em sua maior parte, criptomoedas. Por causa disso, Glaidson Acácio dos Santos - apontado como o precursor do esquema na cidade - ganhou o apelido de Faraó dos Bitcoins. Segundo as investigações, com o golpe ele (que se encontra preso) teria, por meio da sua empresa GAS Consultoria, movimentado mais de R$ 38 bilhões.




 
Segundo as investigações, os valores sequer eram investidos. Eram, na verdade, direcionados para contas pessoais geridas pelos golpistas. Depois dele, várias outras empresas passaram a ser investigadas pela realização de práticas semelhantes e, em razão da repercussão do caso, Cabo Frio acabou ganhando o apelido de Novo Egito. 
 
Podemos também encontrar pirâmides em Minas Gerais. Segundo matéria recente do Correio Brasiliense, uma cantora gospel e seu marido foram acusados de aplicar a fraude por aqui. Vítimas relataram que receberam a promessa de ter 100% de lucro em 40 dias úteis, mas que passado o prazo estipulado, nenhum pagamento foi feito. Para outras pessoas, os empresários chegaram a prometer de 200% a 400% de lucro. Quem entrava no esquema era incentivado a indicar outros clientes com a promessa de receber um bônus sobre os recursos aplicados por eles, o que caracteriza a pirâmide financeira.
 
Como se sabe, este tipo de fraude é antigo no Brasil. Mas por que os casos têm aparentemente aumentado nos últimos tempos? E o ambiente das criptomoedas? São, de fato, propícios para este golpe?
 
Segundo um levantamento da Comissão de Valores Mobiliários, divulgado em 2021, as criptomoedas são utilizadas em 43% dos golpes financeiros no país. E, dentre eles, estão exatamente as pirâmides (vale aqui ressaltar que há diversos outros tipos de fraudes neste mercado e que a prática de pirâmides financeiras envolve diversos tipos de aplicações).




 
Alguns fatores podem explicar a presença destes golpes no ambiente das criptos. 
 
O primeiro deles tem a ver com a expectativa de alto retorno dos investimentos (inspirada pelas grandes variações das moedas virtuais, como bitcoin, por exemplo). Sabendo desta realidade, os golpistas prometem, por exemplo, que a compra de bitcoin garantirá ao cliente uma alta remuneração (às vezes, de 10% a 15% ao mês), de forma rápida e sem a necessidade de sair de casa (é preciso tomar cuidado com ofertas tão generosas).
 
Outro fator é a falta de conhecimento dos investidores sobre este mercado que, para a população, em geral, é ainda muito complexo. Criptografia, chave privada, chave pública, hash, token, blockchain, mineração, cold vallet e por aí vai são conceitos de difícil compreensão e, por isto, os interessados em aventurar-se neste mercado precisam contratar intermediários para cuidar de suas operações.
 
Estes intermediários são as corretoras, chamadas de exchanges. No Brasil, não há, ainda, uma regulação específica para sua constituição e atuação. Com isso, faraós e seus soldados podem, sem autorização prévia da CVM ou do Banco Central, por exemplo, criar empresas para oferecer tais serviços. É claro que há muitas exchanges sérias e seguras no país e são elas que devem ser buscadas pelos investidores.




 
Uma última causa também tem a ver com a regulação, ou, no caso, a falta dela. Não há ainda em nossa lei, uma tipificação apropriada para esse crime e muito menos uma punição adequada. Ele está previsto em uma lei de 1951 (lei 1521/51), que trata dos crimes contra a economia popular e a pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos e multa. Não há, portanto, uma sanção suficiente para desencorajar sua prática. Diante disso, a justiça acaba, quando possível, enquadrando estas condutas em outros tipos penais como lavagem de dinheiro e estelionato.

O PL DAS CRIPTOMOEDAS

Na semana passada, o Senado aprovou um projeto de lei que poderá regular o mercado de criptomoedas no Brasil (PL 4401/21). Segundo especialistas, se o texto virar lei, ela poderá representar um marco regulatório para o setor, pois  trará regras para a atuação das corretoras (exchanges) e para a proteção dos investidores.
 
A proposta traz a definição do que são ativos digitais e incumbe a um órgão regulador a ser criado pelo Governo Federal a tarefa de elencá-los. Poderão entrar no rol, por exemplo, as criptomoedas e as NFTs (tokens não fungíveis).




 
A este órgão caberá também autorizar a constituição das exchanges e traçar diretrizes e regras para seu funcionamento. Dentre estas normas estarão, por exemplo, a obrigatoriedade de manutenção dos recursos dos investidores em contas de forma segregada e o compromisso de prevenirem a lavagem de dinheiro.
 
O projeto traz, ainda, alterações na lei que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional (7492/86), na lei da liberdade econômica (13874/19) e na lei que regula o crime de lavagem de dinheiro (9613/98).
 
Por fim, ele prevê a inclusão no Código Penal de um novo artigo, o 171-A, que prevê a fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, valores mobiliários ou financeiros. Segundo a redação proposta, será crime oferecer carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais,, com o fim de obter vantagem ilícita. A pena prevista será de 02 a 06 anos de reclusão. Estaria aí incluído, portanto, de forma mais clara, o crime de pirâmide financeira.




 
Apesar de algumas críticas, como a ausência do rol dos ativos virtuais (que será definido somente em regulação posterior), o projeto está sendo bem aceito pelo mercado de criptos.  
 
De fato, ao pensarmos na questão das fraudes, a tipificação de crimes é importante, mas a regularização das corretoras (desde que de forma razoável e não invasiva) também é essencial. Esta regularização trará mais segurança para quem deseja investir neste promissor e desafiador mercado.
 
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email
lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br