Jornal Estado de Minas

DIREITO E INOVAÇÃO

Os limites da liberdade de expressão na internet

A liberdade de expressão é um direito fundamental garantido constitucionalmente. Não há dúvidas. Basta lermos os artigos 05°, IV IX, XIV e 220 de nossa Constituição Federal. Seu exercício é uma garantia à dignidade humana e à estrutura democrática do Estado. 





Todavia, como qualquer direito - mesmo que fundamental, ele pode sofrer restrições, desde que estas restrições visem à efetivação de outros direitos e valores também reconhecidos por nosso sistema jurídico (privacidade, honra, dignidade etc).
 
 

Se uma determinada manifestação violá-los, é na própria Constituição Federal que se encontram as normas para a reparação dos danos sofridos (artigo 5°, incisos V e X). O ofensor poderá ser responsabilizado tanto na esfera criminal (com a aplicação de penas específicas) quanto em âmbito cível (poderá ser condenado a pagar uma indenização à vítima da ofensa).

Esta responsabilidade, portanto, é aferida após a prática do ato. A liberdade de expressão não pode, em regra, sofrer uma limitação prévia, sob pena de caracterização da censura.





Estas regras valem, por óbvio, para a manifestação de idéias e opiniões por qualquer meio. Sua aplicação e análise, porém, ganharam, já há algum tempo, um enorme relevo no ambiente digital. Como se sabe, muitos se valem (ou abusam) do direito de liberdade de expressão para ameaçar autoridades e instituições, para disseminar desinformação, ou para ofender minorias. Estes agentes podem ser responsabilizados ao extrapolarem os limites de seu direito

Mas e quando o rompimento deste limite é reiterado, padronizado, financiado e monetizado? Há como impor uma moderação prévia? Ou estaríamos diante de um ato de censura? Se isto é possível; a quem caberia exercer este controle? Este é, de fato, um dos grandes desafios atuais do nosso estado democrático de direito.

A internet não é uma terra sem lei, mas as leis hoje existentes - como o Marco Civil da Internet adotam um reconhecimento à autorregulação das plataformas digitais que  pode ser entendida como o conjunto de normas (termos de uso e política de segurança) criadas pelas próprias empresas.





O Youtube, por exemplo, pode determinar a suspensão de determinado canal por entender que o conteúdo ali disponibilizado afronta as regras criadas pela plataforma.  O Instagram, não raro, suspende contas ou exclui postagens, por reputar que não estão de acordo com suas regras.  Já o Twitter, há algum tempo, apresenta alertas para o usuário sobre determinados conteúdos (indicando a presença de fake news, por exemplo). 

Não sem motivos, esta autorregulação é alvo de críticas feitas por usuários e por governos. A ausência de critérios claros para as medidas tomadas (exclusão, bloqueio, etc) e a falta de contraditório (o usuário não tem como se defender) são os fundamentos para algumas delas (e são taxadas de censura por aqueles que extrapolam o exercício do direito de liberdade de expressão).

Além disto, as empresas geralmente não adotam uma postura coerente e nem sempre seguem seus próprios termos de serviços.

Em 2020, por exemplo, durante nossas eleições municipais o WhatsApp ajuizou ações contra duas empresas que realizavam disparos em massa de propaganda partidária. Em 2021, porém, alterou seus termos de uso sem deixar claro para os usuários como o compartilhamento de dados com outras redes é feito. Essa omissão pode permitir, por exemplo, o direcionamento de propaganda partidária por meio do Facebook, como ocorreu durante as eleições de 2018.





O Youtube não fica atrás. Não é difícil encontrar na plataforma vídeos que negam a pandemia ou o aquecimento global. Eles são mantidos em razão da monetização gerada para os autores e para a empresa. É a lógica de dar relevância a qualquer conteúdo que traga engajamento, publicidade e dinheiro.

PL 2630/20 que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência (apelidado de PL das Fake News, em razão da sua origem), trata das principais questões envolvendo a atuação das plataformas digitais, dentre elas, o tema da liberdade de expressão.

Para tanto, prevê normas que exigem mais transparência das plataformas e uma espécie de corregulação ou autorregulação regulada de suas atividades. Para a elaboração de seus termos de serviços, por exemplo, as empresas de tecnologia deverão seguir diretrizes fornecidas pelo Comitê Gestor da Internet, órgão criado em 2003, que é composto por representantes dos setores público, empresarial, do terceiro setor e da comunidade científica e tecnológica.




 
A maioria das plataformas têm se mostrado contrárias à aprovação do texto. Alguns políticos, também (dentre eles, o Deputado Daniel Silveira). Com isto, na semana passada, o requerimento de urgência para sua votação na câmara foi negado e a tramitação seguirá o rito normal, passando por diversas comissões. 

De fato, a proposição merece ajustes em muitos pontos que poderão ser agora discutidos durante sua tramitação na câmara; quem sabe com o auxílio os representantes das plataformas.

É, porém, um passo importante, para uma regulação mais ampla deste ambiente digital que, às vezes, parece sim uma terra sem lei.
 
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial
 
Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br