FAZENDAS DE GADO EM PALMÓPOLIS, NO VALE DO JEQUITINHONHA, PAGAM DIÁRIAS A JOVENS TRABALHADORES RURAIS PARA LIDAR COM OS ANIMAIS -  (crédito: Acervo pessoal)

FAZENDAS DE GADO EM PALMÓPOLIS, NO VALE DO JEQUITINHONHA, PAGAM DIÁRIAS A JOVENS TRABALHADORES RURAIS PARA LIDAR COM OS ANIMAIS

crédito: Acervo pessoal

Em Minas Gerais, produtores rurais e entidades relacionadas a agropecuária, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater–MG) e a Associação dos Produtores de Soja, Milho, Sorgo e outros Grãos Agrícolas (Aprosoja-MG), têm registrado falta de mão de obra em diversas cadeias produtivas do setor. O déficit entre a demanda e a disponibilidade de trabalhadores relatado é ainda mais significativo nas funções que requerem qualificação técnica, como aquelas ligadas à operação de máquinas e recursos tecnológicos como drones.

Diante da situação, Alexandre Martins, analista técnico de Formação Profissional Rural do Sistema Faemg Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural – Administração Regional de Minas Gerais), avalia que “isso é seríssimo para um segmento que necessita tanto de colaboradores para poder desenvolver, se manter em pé e crescer cada vez mais”. Essa falta preocupa também outros envolvidos no agronegócio, que em 2022, foi responsável por 22% do Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais, somando R$205 bilhões, segundo a Agência Minas.

Otávio Maia, presidente da Emater- MG, que presta assistência técnica e extensão rural em mais de 800 municípios mineiros, é um dos envolvidos no ramo do agro que nota reclamações constantes, especialmente por parte dos agricultores familiares, sobre a ausência de mão de obra qualificada e não qualificada no mercado. O mesmo relata Nádia Barbosa, técnica da Emater em Fortuna de Minas, Região Central do estado. Ela, que tem contato direto com os assistidos pela empresa, percebe que muitas vezes essa escassez impossibilita o interesse dos produtores em expandir seus negócios

PRODUTORES E TRABALHADOR

Tiago Rezende é dono da Fazenda dos Tachos em Varginha, Sul de Minas, onde tem uma produção de café. Com uma plantação de 60 hectares e produção em média de mil sacas de 60kg por ano, Tiago tem quatro funcionários e necessita contratar mais, porém, enfrenta empecilhos para encontrar interessados, desde mão de obra para exercer trabalhos braçais quanto habilitada tecnicamente para operar máquinas como tratores. “Essa procura é o ano inteiro, a fazenda não para. Acabou a colheita, tem que começar os preparos para a próxima”, diz o produtor, que nota uma crescente no desinteresse das pessoas, principalmente dos jovens, em trabalhar no campo.

FAZENDA DE CAFÉ EM VARGINHA, SUL DE MINAS: SÃO 60 HECTARES E PRODUÇÃO DE MIL SACAS DE 60KG POR ANO, MAS FALTAM FUNCIONÁRIOS

FAZENDA DE CAFÉ EM VARGINHA, SUL DE MINAS: SÃO 60 HECTARES E PRODUÇÃO DE MIL SACAS DE 60KG POR ANO, MAS FALTAM FUNCIONÁRIOS

Acervo pessoal

A aproximadamente 185 km de Varginha, no município de Alagoa, também na Região Sul do Estado, o produtor rural Osvaldo Filho, fundador da Queijo D’alagoa, registra uma situação semelhante à do agricultor cafeeiro. “A maioria dos nossos produtores parceiros trabalham com a família. O que eu percebo é que são raras as exceções de quem tem funcionários, apesar da procura”, diz. A Queijo D’Alagoa, que comercializa três toneladas de queijo por mês, conta com seis famílias produtoras parceiras, dessas, duas têm um funcionário cada. 

Além da falta de mão de obra, especializada ou não, Osvaldo Filho reforça que encontrar trabalhadores para morar nas propriedades, conhecidos popularmente como caseiros, é ainda mais difícil. Segundo ele, cada vez menos as pessoas têm interesse em morar na roça.

OSVALDO FILHO TENTA MANTER OTIMISMO, MAS DIZ QUE A PRODUÇÃO QUEIJEIRA TEM SIDO AFETADA PELA FALTA DE PESSOAL

OSVALDO FILHO TENTA MANTER OTIMISMO, MAS DIZ QUE A PRODUÇÃO QUEIJEIRA TEM SIDO AFETADA PELA FALTA DE PESSOAL

Acervo pessoal

“O fazendeiro quer alguém para morar, mas tem algumas fazendas que não tem uma boa moradia ou não tem acesso à internet. As pessoas não querem ficar em um lugar longe de tudo”, avalia Gilvan Ribeiro, de 23 anos, trabalhador rural no município de Palmópolis, no Vale do Jequitinhonha. O jovem, que faz empreitadas principalmente relacionadas ao gado, opta por receber diárias em vez de trabalhar como CLT por dizer que o lucro é maior. Essa situação reflete a realidade dos salários oferecidos aos trabalhadores no campo.

ÊXODO É MONITORADO

Foi diante de relatos frequentes como esses que a Emater, que é vinculada à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), realizou um levantamento interno para apurar as dimensões e razões por trás da situação e notou que todos os representantes das 32 regionais da empresa, espalhadas por todo o estado, apontaram a falta de mão de obra como um problema local. E mais do que isso, na hora de classificar a escassez na região em que trabalham em uma escala de leve, média e grande, os gerentes técnicos de metade das áreas, como em Governador Valadares, Uberaba, Sete Lagoas, Curvelo, Lavras, Viçosa e Patos de Minas, a classificaram como nível máximo. Entre os espaços de produção apontados pelo levantamento como as mais necessitadas de trabalhadores estão prestador de serviços gerais do campo, ordenhador de leite, operador de máquinas e colhedor de café.

Com base nos resultados da pesquisa, o presidente da Emater-MG destaca dois motivos centrais, interligados entre si, para a drástica escassez de trabalhadores: o êxodo do campo para as cidades e a falta de sucessão familiar nos negócios, assim como apontaram os produtores Tiago Rezende e Osvaldo Filho.

Leia também: Imposto de Renda 2024: saiba como fugir da malha fina

Otávio Maia explica que cada vez mais as pessoas, principalmente os jovens, têm saído do ambiente rural para procurar novas oportunidades de trabalho, inclusive, em outros países, como os Estados Unidos. “As gerações não estão se sentindo mais atraídas a permanecer na atividade do campo”, diz. É o caso de Tharcysio Jardim, de 29 anos, que cresceu em um município rural no Vale do Jequitinhonha e fez o ensino médio e técnico em uma instituição para formação na agropecuária, porém, apesar de ser apaixonado pelo trabalho no campo, veio para Belo Horizonte fazer faculdade com o objetivo de encontrar melhores condições de renda.

PROFISSIONAL QUALIFICADO


A percepção de Fábio de Salles Meirelles Filho, presidente da Aprosoja-MG, entidade representativa dos produtores rurais ligados às culturas de soja, milho, sorgo e outros grãos agrícolas, sobre a falta de mão de obra no setor é a mesma. Como principal motivo, Fábio dá ênfase na escassez de trabalhadores aptos para lidarem com processos agropecuários mecanizados, como operação de máquinas de colheita, aplicação de defensivos agrícolas e ordenhadeira de leite. Outro exemplo de alta demanda em relação à disponibilidade é a procura por pessoas capazes de pilotar drones, que têm sido cada vez mais utilizados na agropecuária.

O mesmo nota Vanessa Martins, gerente geral da Labor Rural, empresa de gestão para o agronegócio com base tecnológica. Contudo, diante da cobrança de produtores rurais por uma qualificação dos futuros contratados, ela argumenta que também é fundamental que eles invistam na formação dos funcionários que já têm. “Parte da responsabilidade é do patrão. Oferecer condições de trabalho e capacitação soluciona grande parte do problema”, diz.

MEDIDAS DIANTE DA SITUAÇÃO

Incentivar o retorno das pessoas ao campo e promover a qualificação dos trabalhadores para operar instrumentos tecnológicos são as ações mais citadas pelos produtores rurais e entidades do agro para mitigar a falta de mão de obra e possibilitar uma ampliação do setor.

Como exemplo de medida, o presidente da Emater-MG cita o Capacita Minas Rural, programa de capacitações temáticas em apicultura, agricultura irrigada, fruticultura e queijo artesanal lançado em outubro de 2023, que tem como objetivo atender 1,5 mil agricultores familiares da área de atuação do Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais (Idene).

Leia também: Imposto de Renda: tributaristas apontam erro em fala sobre IR zerado a empresas

O projeto “estabelece a promoção de oito encontros técnicos para treinamento dos profissionais da empresa pública que irão ministrar os cursos, além de cem capacitações presenciais para produtores rurais beneficiados pelo programa”, segundo a Emater. De acordo com Otávio Maia, o Capacita Minas Rural está na fase preliminar de alinhamentos e as capacitações diretas aos agricultores iniciarão em meados do ano.

A criação de outras medidas segue acontecendo. Na quarta-feira passada (4/4), a Emater-MG e a Associação Mineira das Escolas Família Agrícola (Amefa) estabeleceram um acordo para um trabalho conjunto para estimular o envolvimento dos jovens nas atividades agropecuárias e diminuir o êxodo rural. “As 'Escolas Famílias Agrícolas' trazem esse público para trabalharmos em conjunto com capacitação, oportunidade de projetos produtivos, entre outras ações. É a união de esforços para potencializar o alcance dos objetivos e superar os desafios que estão aí, como a sucessão no campo que a gente pretende atacar fortemente com essa parceria”, diz Otávio Maia em nota sobre o projeto.

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira