caixas d’água precisam estar completamente vedadas para evitar acesso do aedes aegypti

 -  (crédito: Emater-MG / Divulgação)

caixas d’água precisam estar completamente vedadas para evitar acesso do aedes aegypti

crédito: Emater-MG / Divulgação

Com mais de 93 mil casos de dengue confirmados, Minas Gerais se prepara para enfrentar a maior incidência da doença de sua história. A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) tem expectativa de que o número de casos em 2024 supere os 600 mil registrados em 2016, o pior ano até então. Diante deste cenário, 71 municípios mineiros já decretaram situação de emergência e tomam medidas de combate à doença. No entanto, além das cidades, o trabalho de prevenção contra a dengue deve ser feito também nas comunidades e propriedades rurais.

Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os maiores índices de infestação pelo Aedes aegypti, mosquito transmissor do vírus da dengue, são registrados em bairros que têm grande população e baixa cobertura vegetal, onde o inseto encontra alvos para alimentação mais facilmente. Apesar de estar relacionado com o adensamento populacional característico dos centros urbanos, o grande número de casos da doença passa a ser preocupação também nas áreas rurais.

“A zona rural pode propiciar as condições necessárias para que o mosquito se desenvolva, como a disponibilidade de água parada em alguns pontos. Então, é necessário ter atenção”, explica a engenheira ambiental Jane Terezinha Leal, coordenadora estadual de Saneamento Ambiental da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG). A engenheira alerta ainda que, além de conseguir se desenvolver fora dos centros urbanos, o Aedes aegypti pode ser transportado para a zona rural por diversos meios de forma involuntária.


“Por exemplo, às vezes, um mosquito que picou alguém que tinha dengue na cidade entra em ônibus que segue para na área rural. Lá, ele vai encontrar as condições para colocar os ovos e pessoas que consegue contaminar”, explica Jane Terezinha Leal. A atenção deve ser redobrada para regiões muito próximas às cidades. Embora o raio de voo da fêmea do mosquito raramente ultrapasse os 200 metros em regiões com aglomeração de pessoas, nas áreas sem barreiras pode chegar a um quilômetro, afirma a engenheira ambiental.

CONTAMINADO

Francisco Ermelindo Ribeiro, de 53 anos, é produtor de leite na zona rural de São José do Goiabal, no Vale do Rio Doce, e foi um dos 234 casos confirmados de dengue no município. Após contrair o vírus no início do ano, os sintomas fizeram com que ele ficasse afastado por 10 dias do trabalho. “Me fez muito mal, não conseguia levantar da cama. Prejudicou muito a produção, porque deixar com outras pessoas e não estar lá acompanhando prejudica muito”, relata. O produtor conta que não se atentava às ações de prevenção ao mosquito, mas, após contrair a doença, mudou a forma como cuida do sítio onde mantém a produção.

Apesar de prestar atenção aos locais onde pode ocorrer acúmulo de água, como o bebedouro dos animais, tambores de armazenamento e a caixa d’água, Francisco afirma que ainda vê dificuldade na forma de combater o Aedes aegypti no campo.

“Na roça é complicado. Por mais que a gente tenha precaução, cuidados, sempre tem alguma planta onde ocorre acúmulo de água e a gente não tem controle. Às vezes, uma vaca passa, pisa, faz uma pocinha d’água ali e fica dias parada. É muita coisa que é necessário prestar atenção, mas tudo o que eu posso fazer eu estou fazendo”, explica. Para evitar ser contaminado novamente, ele aposta no repelente, que é reaplicado a cada duas horas. “Eu estou tomando muito cuidado. É importante os produtores prestarem o máximo de atenção porque pegar dengue não é fácil, a gente sofre muito, é muito pesado. Depois de passar o que eu passei a gente se assusta, é muita dor, é muito sofrimento. Além do prejuízo financeiro de ficar longe da produção”, alerta Francisco.

A engenheira Jane Terezinha explica que as áreas de risco de proliferação do Aedes aegypti na zona rural surgem, principalmente, pela falta de saneamento adequado, registrada em cerca de 70% das propriedades rurais. “Ainda existe uma deficiência em relação ao abastecimento de água, coleta de lixo e tratamento de esgoto. As soluções que alguns produtores rurais encontram para essas questões podem potencialmente se tornar criadouros para os mosquitos”, afirma.

LIXO e outros resíduos

Um dos riscos para os quais a engenheira chama a atenção é em relação ao lixo da propriedade. “Qualquer resíduo que possa reter água de chuva ou que armazene água parada deve ser acondicionado em sacos. O lixo deve ser fechado e colocado num local com tampa, ou seja, nunca deve ficar aberto”, ressalta a coordenadora. Além disso, Jane alerta para o armazenamento de água feito pelos produtores. “No meio rural, as pessoas têm que buscar água em uma nascente ou represa, fazer o tratamento e encontrar alternativas para guardar essa água como túneis, bombonas ou outros recipientes.”, conta. Jane Terezinha orienta que esses depósitos devem ser mantidos bem fechados, assim como as cisternas e, se possível, ser limpos semanalmente. “Toda a água para consumo humano deve ser clorada para evitar contaminações”, afirma.

Outro cuidado destacado pela engenheira ambiental é o destino do esgoto doméstico rural. “Quando a pessoa não tem esgoto, costuma utilizar fossa rudimentar ou, às vezes, despejar a céu aberto. O mosquito prefere água limpíssima, mas se tiver água parada em outras condições, também pode ser utilizada para a reprodução”, explica. Segundo a coordenadora da Emater-MG, a água suja que escorre do esgoto despejado pode atrair, além do Aedes aegypti, outros vetores de doenças como pernilongos e ratos e ainda contaminar a água limpa e o solo.

Uma alternativa sugerida pela Emater-MG é a fossa de evapotranspiração (Tevap), forma de tratamento do esgoto que evita a poluição do solo, das águas superficiais e do lençol freático, além de evitar o acúmulo de água parada. “O produtor rural pode procurar o escritório da Emater onde temos especialistas aptos para fazer esses projetos e para auxiliar todos os produtores de Minas Gerais”, destaca. Mais informações podem ser encontradas também na cartilha disponível para download gratuito localizado na parte “Livraria Virtual” do site www.emater.mg.gov.br.

CURSO DE SANEAMENTO

A Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) oferece aos produtores mineiros uma capacitação voltada para o saneamento das propriedades rurais. “Criou-se uma imagem de que o mosquito só colocaria ovos em água limpa e ficaria na zona urbana. O problema é que o bicho já se adaptou e ele põe ovos em água suja, e aí as propriedades rurais próximas a centros urbanos passam a ser focos da doença também”, explica o instrutor de saneamento rural do Sistema Faemg/Senar, Alexandre Rodrigues da Silva.


No curso é abordada a questão do lixo, compostagem, limpeza de curral, dechiqueiro, galinheiro e animais peçonhentos. “Abordamos também questõesrelacionadas às nascentes de água, fossa séptica e as doenças que estão vinculadasa esses fatores. É um curso extenso no qual rodamos toda a propriedade, analisando e fazendo as ações necessárias utilizando o equipamento de proteção individual”, explica Alexandre Rodrigues. Em relação à dengue, o curso faz uma abordagem às arboviroses, passando instruções de combate à dengue, chikungunya, zika e febreamarela.


A principal dica destacada pelo instrutor é a atenção à água parada. É necessária a verificação de lajes e calhas das casas, onde a água pode ficar acumulada, e manter a caixa d’água sempre fechada. “É importante também tomar muito cuidado com os bebedouros de água para os animais, inclusive nós recomendamos colocar algum peixe larvófagos nos bebedouros, como o guppi ou lebiste, espadinha, plati e molinésia. Eles comem as larvas e impedem o desenvolvimento do mosquito”, explica. Segundo ele, os peixes podem ser comprados em lojas próprias.
“Além da atenção com os espaços próprios do ambiente rural, as demais recomendações são as mesmas aplicadas nas cidades. Não deixar exposto nada que possa reter água. É importante dar o tratamento adequado ao lixo, ao esgoto e à água. É necessário esse tipo de trabalho para evitar que a comunidade rural passe a ser foco da doença”, finaliza. Os produtores que desejarem realizar o curso de Saneamento Rural do Faemg/Senar devem procurar o sindicato dos produtores rurais do município onde será possível agendar a capacitação. O curso é gratuito.

AÇÕES DO ESTADO

Até a conclusão desta reportagem, a SES-MG não confirmou se são realizadas ações específicas de combate à dengue em propriedades rurais. As ações de emergência para a doença envolvem um incremento de R$ 32,2 milhões aos municípios mineiros para o combate de dengue, zika e chikungunya no estado. O valor se soma aos R$ 80,5 milhões repassados em dezembro, enquanto outros R$ 32,2 milhões serão pagos em julho. Também são investidos R$ 30,5 milhões para que os municípios contratem o serviço de drones que utilizados na identificação, monitoramento e tratamento dos focos e criadouros do Aedes aegypti. Foram repassados R$ 15 milhões em 2023 e o restante será pago já nos próximos meses.


A partir do decreto que declarou a situação de emergência em 27 de janeiro, foram autorizadas adoção de medidas administrativas necessárias, como a requisição de bens ou serviços e flexibilização para aquisição direta de produtos, insumos e materiais. Foi implantado o Centro de Operação de Emergência (COE), estrutura de governança no âmbito da SES-MG pela qual se executarão as medidas de enfrentamento da situação de emergência em saúde pública pelas arboviroses, incluindo monitoramento e gestão da emergência. A Política Estadual para Vigilância, Prevenção e Controle das Arboviroses, que se configura como conjunto de ações com a finalidade de prevenir e controlar a ocorrência dessas endemias na população e garantir o acesso a serviços de saúde, foi publicada em novembro de 2023. O Plano Estadual de Contingência para Enfrentamento das Arboviroses também foi publicado com o objetivo de organizar as ações de enfrentamento em caso de surtos ou epidemia no estado de Minas Gerais. A Secretaria de Estado de Saúde também dá suporte na elaboração e acompanhamento dos Planos Municipais de Contingência (PMC). São feitos monitoramentos constantes dos casos, incluindo os graves, incidência e óbitos, com ações direcionadas pelo Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LirAa/LIA), realizado trimestralmente e que aponta, entre outros, o Índice de Infestação Predial pelo Aedes (IIP).São promovidas ainda reuniões periódicas do Comitê Estadual de Enfrentamento das Arboviroses para deliberar sobre o cenário epidemiológico no estado e as ações a serem realizadas por cada eixo que o compõe, além de encontros regulares com os Comitês Regionais de Enfrentamento das Arboviroses, visando o planejamento de ações e o repasse de orientações, e com as Unidades Regionais de Saúde para alinhamento estratégico. A SES-MG distribui ainda inseticidas e equipamentos para viabilizar as atividades de controle vetorial nos municípios. 

* Estagiária sob supervisão do subeditor Paulo Nogueira