Jorge Molon vem obtendo cada vez mais sucesso com suas plantações em Curral de Dentro -  (crédito: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

Jorge Molon vem obtendo cada vez mais sucesso com suas plantações em Curral de Dentro

crédito: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press

 

Curral de Dentro – O agricultor Jorge Molon, de 56 anos, cultiva e comercializa frutas como maçã, ameixa, uva (de diversas variedades), pêssego e morango. Falando assim, logo vem a ideia de que a produção está situada em algum estado do Sul do Brasil ou outro lugar dominado pelo frio, já que essas frutas são típicas de regiões de baixas temperaturas. Nada disso. Ele vem atingindo bons níveis de produtividade e de qualidade em suas plantações no município de Curral de Dentro – de 11,6 mil habitantes –, no Norte de Minas, área quente e árida que, este ano, enfrentou longa estiagem agravada pelas mudanças climáticas, com termômetros passando dos 35 graus, como ocorreu na recente onda de calor que afetou o país.


Jorge consegue “o milagre” de produzir “fruta de clima frio” no sertão quente por conta do experimento de variedades, da aposta em novas tecnologias e do uso racional da água, numa demonstração de que a inovação é uma ferramenta que permite vencer a seca e conviver com as adversidades climáticas no semiárido, de forma sustentável.


Ele atua como agente multiplicador, repassando suas técnicas para outros agricultores familiares. Com isso, contribui para melhorar a vida e diversificar a atividade econômica do município, que, historicamente, se resumia praticamente à monocultura do eucalipto (usado na produção de carvão e madeira) e aos benefícios sociais do governo, além dos pagamentos aos funcionários da prefeitura.
“Sempre vi o clima quente como um desafio com grandes possibilidades. Sempre me inspirei em Israel, que é líder mundial em irrigação e produtividade, mesmo sendo praticamente um deserto e onde 80% da água utilizada sai do mar. Por que então não podemos produzir aqui? O que falta é acreditar e investir em tecnologia e mão de obra especializada”, afirma.

 

DESCONFIANÇA E RESISTÊNCIA

Descendente de italianos e natural de Flores da Cunha, na Serra Gaúcha, Molon destaca que introduziu as culturas de clima frio no sertão mineiro graças à adoção de novas tecnologias. “Acho que quebrei paradigmas. Mas, para isso, tive que fazer testes com diversas variedades de frutas para identificar as culturas mais adaptadas ao clima da região”, diz o agricultor, que está no semiárido há 13 anos.
Ele relata que encontrou desconfiança e resistência no começo da empreitada. “Quando cheguei ao Norte de Minas, os fazendeiros chegaram a me chamar de louco. Disseram que as terras da região só davam certo para o plantio de eucalipto, criação de gado e nada mais, pois eram terras fracas e improdutivas”, recorda.


Disposto a mostrar que não tinha nada de louco e que, ao contrário, estava determinado, Molon procurou centros de estudos, como a unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Uva e Vinho) de Bento Gonçalves (RS).


O produtor afirma que fez experimentos com mais de 20 qualidades de frutas para saber quais teriam melhor desempenho no clima quente do Norte de Minas. “Avaliei diferentes tipos de uva (10), pêssego (4) e ameixa (4)”, explica.


O agricultor revela ainda que foi pioneiro no cultivo de duas variedades de maçã (fez o plantio inicial de 30 mudas) adaptadas ao clima da região, denominadas “Eva” e “Julieta”. “Antes, só se produzia maçã em região de clima frio”, pontua.

 

FÓRMULA GUARDADA

Jorge Molon também destaca o processo de irrigação por microaspersão e gotejamento, que garante a economia e o uso racional da água. A área de fruticultura em sua propriedade, a Fazenda Dom Felice, é de 12 hectares. O carro-chefe é a uva, que ocupa 4,5 hectares, trabalhando com as variedades Vitória, Niágora e Isabel, todas voltadas para o consumo direto. As mudas de uva são produzidas na mesma área.


Molon ainda inova no plantio de morango, feito em uma estrutura suspensa – a pouco mais de um metro de altura, dentro de uma estufa, no sistema semi-hidropônico, no qual recorre à irrigação por gotejamento, feita duas vezes por dia, em média.


O cultivo do morango ocorre em slabs (bolsas plásticas), com o uso de um substrato contendo componente especial que ele desenvolveu e não revela a fórmula – “é segredo”, alega. O plantio é orgânico, o que garante maior valor do fruto no mercado.


Ainda na mesma propriedade, o criativo agricultor cultiva diversas outras fruteiras como a lichia, o maracujá, a pitaia e cítricos, outras inovações para a região. Algumas plantações exigem mais dedicação e cuidados. No caso do maracujá e da pitaia, ele faz a manipulação manual nas plantas para facilitar o processo de polinização.

 

 O cultivo de pêssegos mostrou ser viável nas terras do semiárido do estado

O cultivo de pêssegos mostrou ser viável nas terras do semiárido do estado

Luiz Ribeiro/EM/D.A Press


LADO BOM DO CLIMA

O agricultor salienta outro ponto relevante: a adubação correta pra fazer a correção necessária das deficiências do solo. “A luz solar e o calor são benéficos para uma melhor coloração e brix (sacarose ou açúcar) para as frutas”, acrescente.


O produtor ressalta que a pouca quantidade de chuvas tem o seu “lado bom” por influenciar para a menor incidência de doenças, especialmente as causadas por fungos. “E também não temos geadas, vendavais nem granizo como no Sul do país”, lembra.


Além do uso racional da água, Molon recorre a outra estratégia para facilitar a produção: a conservação da ambiental. Em sua propriedade, ele preserva as nascentes, mantém uma área de reserva nativa maior do que a exigida por lei e também conserva a mata ciliar de uma barragem. Ele adota o sistema de curvas de nível no terreno das plantações, o que evita o assoreamento das partes baixas.Também usa adubação orgânica, reduzindo o consumo de produtos químicos.


“Se cada um fizer a sua parte, preservar as nascentes e usar de forma racional, não vai faltar água pra ninguém. É uma questão de consciência”, ensina. 

Técnicas adaptadas permitem o crescimento de morangos mesmo com o calor

Técnicas adaptadas permitem o crescimento de morangos mesmo com o calor

Luiz Ribeiro/EM/D.A Press

ESTUDOS CONFIRMAMA VIABILIDADE

A pesquisadora Gisele Polete Mizobutsi, doutora em fisiologia vegetal e professora do curso de agronomia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), afirma que, do ponto vista técnico, é possível produzir frutas como uva, pêssego, maçã e outras de clima temperado em regiões quentes. Ela lembra que espécies como maçã, pera, caqui e outras mostraram viabilidade de cultivo nas condições do semiárido, conforme estudos realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), unidade de Petrolina (PE). “Contudo, o cultivo requer algumas práticas especificas que vão desde a escolha da cultivares com baixas exigências em frio, manejo de irrigação, uso de fito reguladores como inibidores de crescimento e indutores de floração, manejo de podas de formação e frutificação, manejo nutricional”, assegura.

EFEITO MULTIPLICADOR


O agricultor Jorge Molon auxilia outros pequenos produtores de Curral de Dentro, repassando a eles as técnicas inovadoras no cultivo de novas variedades de frutas, a fim de melhorar as condições de renda na região de poucas chuvas. Ele repassa as técnicas para outros agricultores em eventos como “Dia de Campo”, atuando em parceria com a prefeitura de Curral de Dentro.

Molon afirma que seu desejo é que todos os pequenos produtores do semiárido tenham acesso às novas tecnologias, para que possam ter condições de plantar e gerar a própria renda. Também salienta que é essencial o apoio dos filhos dos agricultores para se combater o êxodo rural. “É preciso apoiar os jovens do campo para que eles tenham condições de plantar e produzir – mostrar que podem permanecer nas propriedades, trabalhar na agricultura e ganhar dinheiro com isso. Do contrário, os jovens acabam indo para as grandes cidades em busca de oportunidades, deixando somente os velhos na roça”, avalia.

O prefeito de Curral de Dentro, Adaildo Rocha Moreira (Podemos), o “Tampinha”, assegura que a prefeitura oferece todo apoio a Jorge Molon para que ele produzir as “frutas de clima frio” na região quente e escoar sua produção. “Este é o papel da prefeitura: dar visibilidade a quem produz e estimular a geração de emprego e renda no município”, disse “Tampinha”. Ele disse que a prefeitura incrementa o apoio aos produtores locais por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) e da compra de hortaliças, verdura e frutas com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Governo Federal – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

O secretário municipal de Planejamento e coordenador de Desenvolvimento Econômico de Curral de Dentro, Robson Souza, destaca que o estímulo aos pequenos produtores rurais eleva a renda no município. “Está sendo mostrado que é possível conviver com a seca, incentivando o pequeno agricultor a produzir e gerar sua própria renda”, disse Robson.