As tristes marcas que o Brasil carrega em relação ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes dão a dimensão de quanto o tema ainda precisa ser trabalhado nas escolas, entre as famílias e pelos órgãos públicos. A cada hora há mais de quatro registros policiais de menores de 13 anos estuprados no país. A maioria das vítimas é do sexo feminino: de cada 10 estupros, sete foram cometidos contra meninas de até 13 anos, de acordo com dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


Uma das ameaças está no mundo digital. Mais do que apresentar estatísticas – numa tentativa de coibir esse tipo de crime –, o Brasil tem que começar a traçar estratégias para combater práticas sexuais envolvendo crianças e adolescentes no ambiente on-line. Em 2023, a Safernet recebeu 72 mil denúncias de imagens relacionadas ao abuso sexual, um aumento de mais de 77% em relação ao ano anterior, um recorde em 18 anos de funcionamento da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos.


Esse salto dos números refere-se a fatores como a geração de imagens de crianças e adolescentes por inteligência artificial (IA), somada ao aumento exponencial da participação dessa faixa etária nas redes sociais (embora muitas tenham como princípio não autorizar a inscrição de jovens com menos de 14 anos) e à redução no contingente dedicado à moderação de conteúdo de algumas plataformas, resultante de demissões em massa no setor.


Para os especialistas, o problema, em parte, passa pela questão comportamental. A cada ano, as crianças entram em contato com a tecnologia mais cedo; em alguns casos, dedinhos de bebês deslizam sobre os tablets para a “alegria” inconsciente dos pais.


Fato é que a responsabilidade e o combate a crimes que envolvam abuso sexual de crianças e adolescentes devem ser de âmbito coletivo – sociedade civil, instituições de ensino e governos. No caso dos pais, é preciso manter um controle rigoroso sobre as redes sociais de seus filhos e sobre os conteúdos a que eles têm acesso, e aqui incluem-se os joguinhos on-line, muitos dos quais têm bate-papo entre os jogadores. No caso das escolas, é estimulando rodas de conversa envolvendo docentes e discentes, enfim, a comunidade escolar para alertar os alunos. Aos governos, além dos órgãos de fiscalização contra crimes cibernéticos, é possível estabelecer parcerias com organizações não governamentais para o desenvolvimento de projetos com a criação de plataformas que impeçam a publicação de imagens expondo a intimidade das crianças e adolescentes.


Vale destacar a empresa Meta, gestora do Instagram, do Facebook e do Threads, que usa a “Take it Down”, ferramenta que cria uma espécie de impressão digital dos usuários para garantir a moderação e a preservação do público infantojuvenil.


Enquanto as brechas para coibir o crime vão sendo preenchidas, devemos manter os olhos atentos diante de qualquer ameaça às nossas crianças e jovens. O Maio Laranja, dedicado a ações efetivas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, trouxe e traz oportunidades de se discutir um assunto tão sensível. Que os alertas e números vindos à tona com a campanha reverberem todos os dias, todos os meses. Como um grito de socorro aos mais vulneráveis.