As catástrofes climáticas em todo o mundo são cada vez mais frequentes e intensas. Cientificamente, está provado que o aquecimento global já mudou o clima. Esses acontecimentos extremos ocorrem de forma mais ou menos aleatória, mas são previsíveis estatisticamente. Ou seja, é possível saber o grau de probabilidade com que vão ocorrer, embora nem sempre seja possível detectar sua localização com maior antecedência. Uma simples comparação facilita o raciocínio: quando se ouve uma playlist aleatoriamente, não se sabe qual, mas uma música será executada, às vezes até repetida.


Esse raciocínio serve para elaboração de planos de prevenção de desastres naturais, como obras de macrodrenagem, e de contingenciamento de defesa civil, para evacuação de populações em situação de risco e socorro imediato às vítimas. Por exemplo, desde ontem sabia-se que o Rio Guaíba transbordaria em Porto Alegre e que o sistema de diques, comportas e bombas da cidade, construído depois da grande enchente de 1941, não daria conta de impedir a inundação de grande parte da cidade, sobretudo o centro histórico, que ocorre desde ontem.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se deu conta da gravidade do problema, pelas medidas tomadas após visitar o Rio Grande do Sul. Ontem, voltou a se solidarizar com as vítimas ao receber a visita oficial do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. Por sinal, o Japão é um país que lida com desastres naturais com o maior planejamento possível por, entre outros fatores, a recorrência de furacões, terremotos e até tsunamis.


"As primeiras palavras do ministro Kishida na reunião que fizemos foi de solidariedade ao povo do estado do Rio Grande do Sul, que está sendo vítima de uma das maiores enchentes de que nós temos conhecimento. Nunca na história do Brasil tinha havido uma quantidade de chuva tão grande em um único local", disse Lula. Até ontem, 235 dos 496 municípios do estado haviam sido atingidos de alguma forma.


A capital gaúcha entrou em colapso. As pontes sobre o Guaíba foram interditadas, o sistema de macrodrenagem não deu conta de conter as águas, principalmente na maré cheia, quando o mar invade o rio em vez escoá-lo. O rio superou a marca de 4,5m, sobe em média 8cm por hora e, segundo previsões das autoridades, ultrapassará os 5m, um recorde histórico. Os prejuízos por causa da chuva deverão ser superiores a R$ 100 milhões.


Em todo o Brasil, quando ocorre uma enchente de grandes proporções, a vulnerabilidade das moradias é desnudada, principalmente nos bairros pobres. Ao monitorar 872 municípios – são 5.570 nos 26 estados –, o IBGE identificou cerca de 8,3 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco. O caso mais grave é o de Salvador, com 45,5% da população em locais com maior propensão a desastres.


Em 2010, o IBGE lançou um relatório específico sobre áreas de risco, em parceria com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O levantamento aplicou uma metodologia própria para definir áreas de riscos de movimentos de massa, inundações e enxurradas e identificou 8.270.127 pessoas vivendo nesses locais, em 2.471.349 domicílios particulares permanentes. Cerca de 17,8% desse montante era formado por crianças de até 5 anos (9,2%) ou idosos com 60 anos ou mais (8,5%), mais vulneráveis a desastres. O Sudeste foi a região com mais cidades listadas (308), seguida do Nordeste (294), Sul (144), Norte (107) e Centro-Oeste (19). Ou seja, Porto Alegre e outras cidades gaúchas não estavam entre as mais vulneráveis.