Neste ano, o Brasil bateu recorde em número de casos e de vítimas da dengue. Desde janeiro, foram registrados mais de 3,2 milhões de brasileiros infectados. O número de óbitos chegou a 1.385 e 1.955 sob investigação – em 2023, foram 1.094 confirmados. E o mosquito Aedes aegypti não para de adoecer as pessoas – o país concentra quase 70% dos casos da doença na América Latina e Caribe, segundo a Opas. A proximidade em ter uma vacina própria e com dose única, a Butantan-DV, surge como importante medida para evitar que esse caos sanitário se repita em um curto período, mas o desafio de estancar a transmissão da dengue vai além da oferta ampliada de imunização.

O presidente do Instituto Butantan, Esper Georges Kallás, adianta que o imunizante nacional poderá chegar à população no começo do próximo ano. Ele acrescenta que a equipe do instituto está empenhada e dedicada a concluir todas as etapas do processo regulatório exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ressalta dificuldades enfrentadas pelo país para que, de fato, as pessoas sejam protegidas. “O processo de desmobilização dos nossos programas de imunização se dá por razões múltiplas: crises econômica, política e financeira, seguidas de políticas públicas que receberam uma interferência muito grande durante a pandemia”, avalia Kallás.

Outros fatores, como climáticos, políticos e até de comportamento, também têm contribuído para que doenças transmissíveis e evitáveis ganhem escala. O aquecimento global e o El Niño influenciaram o regime de chuvas no verão. Os fortes temporais criaram um ambiente mais propício à reprodução dos mosquitos. Em inúmeros locais, o acúmulo de água permitiu o aumento de propagação desses insetos e, na sequência, das doenças por eles transmitidas – no caso do Aedes aegypti, a dengue, a chikungunya e a zika.

O negacionismo em relação à ciência e aos efeitos das vacinas contra as doenças preveníveis vem, ao longo de décadas, prejudicando a vida das pessoas. A rejeição aos imunizantes tornou-se mais aguda durante a pandemia de COVID-19, o que muito colaborou para a morte de mais de 700 mil brasileiros. Os pais mudaram o comportamento e, hoje, não levam suas crianças aos postos de vacinação. O mesmo ocorre com boa parte dos idosos.

O Programa de Imunização Nacional (PIN), um exemplo brasileiro ao mundo pela sua eficácia em proteger a saúde de crianças, adolescentes e adultos, também se tornou vítima do negacionismo que deprecia os efeitos das vacinas e sugere aos cidadãos que as rejeitem. Nos últimos anos, as campanhas de vacinação não alcançaram as metas estabelecidas, frustrando as iniciativas do poder público e abrindo brechas para que mais pessoas fossem vítimas de moléstias evitáveis. Kallás se diz preocupado com a proteção contra a influenza, que já chegou a atingir quase 100% do público-alvo brasileiro. “Depois da pandemia, a gente está beirando a metade desse percentual”, lamenta.

Reverter esse cenário não é algo que o poder público possa fazer da noite para o dia. Exige, entre outras medidas, ações e campanhas constantes de sensibilidade voltadas aos cidadãos, a fim de desconstruir as inverdades que os induzem a ser vítimas dos seus atos por meio de doenças para as quais a ciência já encontrou proteção.