A Medicina avança a passos largos e a questão de como lidamos com a finitude da vida se torna algo cada vez premente. No início desse mês, o ex-premiê holandês, Dries van Agt, e sua esposa, Eugenie van Agt-Kerlelberg, ambos com 93 anos, decidiram por uma eutanásia dupla, na cidade de Nijemegen, na Holanda; e isto trouxe à tona novamente o debate sobre a dignidade no final de vida.
Esse ato foi possível porque na Holanda a eutanásia é legal desde 2002 e a eutanásia dupla foi permitida em 2022.
As revoluções sem precedentes experimentadas no século XX, notadamente no campo técnico-científico, transformaram a prática médica e trouxeram à tona questões éticas sobre o prolongamento da vida.
Antes, a Medicina se via muitas vezes impotente diante da morte; hoje, ao contrário, ela dispõe de recursos quase ilimitados para estender os limites da vida, mas isto gera dilemas éticos.
Na terminalidade da vida é possível se pensar em três situações:
- a eutanásia, que é a abreviação ativa da vida por motivos altruístas, como fez o ex-premiê holandês;
- a distanásia, que é o prolongamento desnecessário do processo de morte já instalado;
- e a ortotanásia, que é a busca por uma morte natural, com busca de alívio da dor física e do sofrimento psíquico e espiritual.
A ortotanásia, prática permitida pela legislação brasileira, representa uma conduta terapêutica que respeita a dignidade do enfermo, oferecendo cuidados paliativos focados no alívio da dor e no suporte psicológico, quando o processo de morte já se instalou. Essa abordagem reconhece a importância de permitir que o processo de morte aconteça de maneira digna, sem obstinação por tratamentos curativos ineficazes.
Como cada pessoa vai lidar com sua finitude é algo muito pessoal e depende de inúmeros contextos, mas o mais importante é o reconhecimento da autonomia do paciente em processo de terminalidade da vida.
Como o personagem Ivan Ilitch, de Tolstoi, o enfermo não pode ser privado do seu direito de participar das decisões que afetam os momentos finais da sua existência. A dignidade que se busca no final de vida abrange o direito de cada pessoa de terminar sua vida de maneira que reflita seus valores e desejos profundos.
Entre o viver e o sobreviver existe uma profunda diferença, percebida apenas pela sensibilidade de alguns profissionais de saúde. A história do premiê holandês e sua esposa nos faz questionar qual tipo de vida nos interessa. No Brasil, onde a eutanásia não é permitida, o debate sobre essas questões se torna ainda mais crucial, pois nos confronta com nossas próprias crenças e valores sobre o direito de escolha no final da vida. Nunca é demais lembrar que Dries van Agt sempre foi um cristão devoto e talvez em seu final de vida tenha que ter lidado com seus próprios valores e crenças.
A humanidade sempre teve que enfrentar o desafio de lidar com a finitude de modo racional, o que, muitas vezes, pode se mostrar angustiante. Somos talvez os únicos seres capazes de refletir sobre a própria extinção. Se nossa finitude é uma realidade incontestável, o avançar da ciência não pode nos tornar soberbos.
Talvez morrer seja mais complexo do que podemos imaginar e encarar a morte com dignidade, respeitando os desejos individuais de cada sujeito, desafia-nos a repensar nossas próprias crenças sobre o que entendemos por autonomia, dor, sofrimento e a essência do que significa viver de modo pleno e segundo os próprios valores.