Lula e Lira: presidente da Câmara diz que espera aprovar reforma até o fim do ano -  (crédito: EVARISTO SÁ/AFP)

Lula e Lira: presidente da Câmara diz que espera aprovar reforma até o fim do ano

crédito: EVARISTO SÁ/AFP

 

O Brasil levou 40 anos para aprovar a reforma tributária, que agora será regulamentada pelo Congresso. Quem quiser que se iluda, mas esse será o novo eixo da disputa política entre o governo e a oposição, mediada por um Congresso majoritariamente conservador. Tanto que, ao encaminhar a proposta de regulamentação da reforma, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recuperou a iniciativa política do governo, que estava sendo acuado por pautas diversionistas ligadas à segurança pública e aos costumes.

Não será fácil deglutir os 550 artigos da reforma. Ao contrário do que aconteceu durante a Constituinte, quando a atual estrutura tributária foi aprovada, não há muitas moedas de troca para atender aos deputados e formar maioria. A discussão será balizada pelo conflito distributivo: de um lado, União versus estados e municípios; de outro, a concentração de renda em contradição com a nossa iniquidade social.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acredita que a reforma saia até o final do ano. Por ora, deputados e senadores estão preocupados com suas bases e voltarão das eleições com o humor proporcional às vitórias e derrotas na disputa por prefeituras. E o governo coleciona derrotas no Congresso, quando o assunto é aumentar gastos ou reduzir impostos.

Há, sim, um grande interesse da sociedade na reforma tributária. O problema é que o lobby concentrado dos grupos econômicos, seja de carteis ou de corporações, é muito mais eficaz do que a influência difusa da sociedade. Será um corpo a corpo desigual dos interessados. Na Câmara, os deputados cada vez dependem menos da opinião pública e mais da “estrutura” de campanha com que chegam às eleições. No Senado, um pouco menos, porque o voto é majoritário.

Uma das novidades da regulamentação é o direito ao "cashback", a devolução do imposto pago na compra de mercadorias. O governo quer garantir esse benefício para as famílias com renda per capita até meio salário mínimo. Seriam devolvidos 100% para do imposto pago no caso da CBS (IVA federal) e de 20% para o IBS (IVA estadual e municipal) na compra do gás de cozinha; 50% para a CBS e 20% para o IBS nas taxas de energia elétrica, água e esgoto; e 20% para a CBS e para o IBS nos demais casos.

O "cashback" seria descontado nas contas de água, luz, gás encanado, por exemplo; ou na forma de crédito posterior para o contribuinte; talvez, o desconto na boca do caixa, no momento do consumo, se possível. Estima-se em 70 milhões os consumidores beneficiados. Fica difícil para a oposição se opor a isso, mas o diabo mora nos detalhes. Quando se discute os tributos da cesta básica e outros produtos, o pau quebra. A proposta de incluir caviar na cesta básica parece piada pronta, porém, pasmem, foi encaminhada ao Senado pela Associação Brasileira dos Supermercados.

 

Cesta básica

Reduzir em 60% impostos para foie gras, camarão, lagostas, ostras, queijos com mofo e cogumelos, caviar, cerveja, vinho e champanhe refletem a mentalidade que precisará ser enfrentada para reduzir a concentração de renda e promover a justiça tributária. Por outro lado, há exagero na abrangência do “imposto do pecado”, que eleva as tarifas para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Nesse aspecto, há um sinal trocado em relação aos produtos processados, cuja média de tributação hoje é de 24%.

Milho, ervilha, azeitona em conserva, queijo, presunto mortadela, margarinas requeijão, concentrado e extrato de tomate, sardinha e atum, sucos e refrigerantes, carne seca, toucinho, salsichas, maionese, mostarda, produtos lácteos, achacolatados, sorvete, iogurte, pão de forma, barras de cereais e granola, bolo e misturas, biscoitos e balas, macarrão instantâneo e congelados são produtos processados.

A Pnad Contínua Rendimento de Todas as Fontes, recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a renda domiciliar per capita no Brasil cresceu 11,5% em 2023, em comparação a 2022, atingindo o recorde de R$ 1.848. Menos desigualdade pode fazer o país crescer mais rápido. Mas há controvérsias sobre um cenário em que a renda aumenta sem que a produtividade média acompanhe. Políticas sociais alavancadas pelo déficit público são populistas. Cedo ou tarde, provocarão inflação, desemprego e recessão.

O falecido economista italiano Alberto Alesina, ex-diretor do Departamento de Economia de Harvard, ficou conhecido como “o pai da austeridade”. Ele acreditava que o corte de gastos, em vez de aumento de impostos, pode estimular a economia. A chamada “contração fiscal expansiva” influenciou os Estados Unidos e a Europa a retirar estímulos fiscais e focar na austeridade após crise financeira de 2007 e 2008. Deu certo.

Sua tese é de que uma desigualdade excessiva gera pressões políticas para sua distribuição, que mexem com o incentivo ao investimento e acumulação de ativos. Segundo Alesina, se a distribuição de capital e de riqueza acumulada é feita por igual, o eleitor médio exigirá impostos mais baixos, que não impedirão o crescimento. Entretanto, se a desigualdade é muito grande e a riqueza concentrada numa elite, a maioria pobre e insatisfeita exigirá políticas distributivistas, com impostos mais altos que prejudicam o crescimento.