O último filme de Wim Wenders, Dias Perfeitos, é um convite à desaceleração -  (crédito: Divulgação/MUBI)

O último filme de Wim Wenders, Dias Perfeitos, é um convite à desaceleração

crédito: Divulgação/MUBI

Ele acorda, molha suas plantas, escolhe a música que vai escutar no carro, respira uma boa dose de ar e começa o dia. Essa é a vida de Hirayama. Ele não se interessa por podcasts, não quer se manter bem-informado, não discute Rússia e Ucrânia, Israel e Palestina, esquerda e direta. Ele não pretende saber tudo sobre todas as coisas. Apenas assunta a vida, respeita o dia e vive.

 


Em um mundo tomado pelo digital, nosso personagem é a representação do analógico. Na hora do almoço, tira fotos da mesa copa, da mesa árvore, pois sabe que, na verdade, ela nunca é a mesma. Rega suas plantas como em um ritual, entendendo que a vida se constrói mesmo é nos detalhes e, talvez, a verdadeira revolução aconteça em cada minuto.

 


Leitor voraz, sua vida cabe em seu pequeno espaço. Em meio a tanta bobagem, botões coloridos e o surgimento do “homo trecos”, ele vive uma espécie de ética do contentamento, sabendo apreciar da existência aquilo que ela tem a oferecer.

 


Sua atividade é limpar os banheiros públicos de Tokio. Ali, em meio aos restos, ao menino que fica preso na cabine, às passagens e pessoas, constrói um tipo de relação que não é instagramável e não cabe em uma narrativa de filtros que tentam mascarar a realidade. Em uma sociedade do espetáculo, idólatra dos excessos, vive como um epicurista, cultivando seu jardim interior.

 


O último filme de Wim Wenders, Dias Perfeitos, é um convite à desaceleração, uma resposta de sabedoria frente a um mundo produtivo, eficiente e embrutecido. Assisti-lo muda nossa percepção da realidade, nos colocando diante de uma vida possível. Não é sobre a carreira, sobre superação, lição de moral ou autoajuda, mas é sobre a existência na nervura do real.

 

 


Seu diálogo silencioso nos coloca diante de uma vida rotineira e significativa, despertos para as dimensões que verdadeiramente importam. O cotidiano se desvela como um ritual, grávido de coisas sagradas que esperam a arte socrática do partejamento, exigindo uma certa disposição para as coisas quietas, sossegadas. Mais que nunca, o importante não é ter razão, mas viver em paz.

 


Mesmo diante da iluminação artificial de Tokio, nosso personagem, o faxineiro de banheiros públicos, consegue gratuitamente aquilo que muitos pagam caro para conquistar: a felicidade. Seus gestos confessam sua ética contente, pois é feita de um fiel contentamento.

 

 

A nós, que vivemos perdidos na correria dos centros urbanos, Wenders nos mostra uma espécie de saída possível, sem compromisso com qualquer militância ou ideologia, apenas uma vida filosófica conquistável no louvor do ordinário, pois aquele que não se contenta com o dia não saberá o verdadeiro valor de se construir uma história.