Flávio Dino e Lula, amizade antiga -  (crédito: flickr/Flavio Dino)

Flávio Dino e Lula, amizade antiga

crédito: flickr/Flavio Dino

Confirmando os murmurinhos que já vinham de algum tempo, Flávio Dino foi confirmado como a indicação do presidente Lula para a vaga aberta no STF. Como sempre, há algo mais a ser destacado e aqui pretendo fazer uma separação breve, mas necessária.

Sob o aspecto jurídico, retomamos o já conhecido discurso sobre os critérios para a escolha do Ministro do STF e aqui vale frisar absolutamente tudo que eu falei quando da indicação de Zanin. E retomando um bocado do que foi debatido lá, as escolhas vêm sendo mais políticas do que jurídicas há um par de tempo.

Para as crianças da plateia, com exceção do Ministro Gilmar Mendes, acompanhei de perto todo o processo de indicação de todos os demais ministros do STF. Com exceção do próprio Gilmar, da Ministra Cármen Lúcia e do Ministro Roberto, os demais não preencheriam os critérios constitucionais para ocupar uma cadeira no STF.

Traduzindo do juridiquês para a língua da horda que se agride na internet e na vida real por seu político de estimação, se a indicação política é um problema, reclama com o Lula, mas reclama também com a Dilma, com o Temer e com o Bolsonaro.

Seguindo o raciocínio que eu fiz antes, de longe quem mais errou foi Bolsonaro ao, publicamente, indicar que o critério para a sua indicação seria a segmentação ideológica e/ou religiosa e não o saber jurídico. Isso tudo sem disfarçar! O mundo político permite que se fale a mesma coisa de formas diferentes, de modo a tornar algo intragável em algo palatável. Mas não... a intenção e instaurar o caos.

Resultado: teremos o desastre chamado André Mendonça no STF por décadas com inúmeras possibilidades de vê-lo (como o fez em 2023) pautar os seus votos em matérias jornalísticas e na sua afinidade ideológica com o grupo sob julgamento. Isso tudo também sem nem disfarçar com um linguajar mais rebuscado – coisa que o direito permite com alguma facilidade.

Pois é, meu amigo bolsonarista, Dino (e Zanin) são apenas reflexos diretos de André Mendonça e Nunes Marques. É um ótimo recado para quem está no poder: ele acaba e entra alguém que pode fazer a mesma coisa que você e pode não parecer tão legal como era quando da sua vez.

Parêntesis: a indicação do PGR foi a mesma coisa. Todo mundo, desde 1988, respeitava a lista tríplice do Ministério Público e o negócio era uma formalidade besta que ninguém dava nota. O que Bolsonaro fez? Foi lá avacalhar o negócio e indicar quem ele bem quis, ignorando o MP. Parabéns, agora Lula fez a mesma coisa e quem tem o mínimo de brio tem que ficar caladinho porque não foi ele que inaugurou o novo costume.

Voltando: a segunda lição da indicação de Dino para o STF é como o discurso cede para a realidade. A subida da rampa na posse de Lula foi plural e representativa. Lá tinha mulher, pessoa com deficiência, pretos, pardos e indígenas. E eu desafio você a falar o nome de cada um deles de cor agora... E não vem me perguntar não, pois eu também não sei – com exceção do Cacique Raoni, porque aí se você não sabe já fica meio preocupante.

E daí na hora que a realidade bate à porta, A presidente da CEF cai para entrar outrO; a MinistrA dos Esportes é escanteada, sem nem uma cerimônia digna, para a entrada de um MinistrO que atende aos anseios de um centrão (que se aluga e não se compra, como ingenuamente alguns acreditaram ano passado); e quando a MinistrA do STF se aposenta quem senta no lugar é outro MinistrO. Não tem linguagem e nem gênero que resista a um choque de realidade bem dado e aos anseios de "governança por coalizão" do Congresso.

O curioso de tudo isso é que, apesar de Lula ter recebido críticas de todos os lados (dos seus “do contra” e de parte dos seus “a favor”), a indicação de Dino ao STF coloca todos os membros da torcida organizada “meu político de estimação futebol clube” em um curiosíssimo paradoxo.

De um lado, o membro da torcida organizada “Lula de estimação futebol clube” precisa reconhecer, para criticar o Lula, que ele é passível de crítica, que erra e que não basta estar alinhado com o governo (e não tem como negar que Dino é um dos mais alinhados ao governo) para atender ao contexto de decidir e que na hora do jogo real os anseios do eleitorado não pesam tanto quanto parece. Nem é tão complexo assim fazer este raciocínio, basta pensar com um bocado de racionalidade e de forma menos apaixonada que a conta fecha.

Por sua vez, o membro da torcida organizada “Bolsonaro de estimação futebol clube” tem um problema de tabela muito semelhante: para criticar o Lula é preciso criticar Bolsonaro, pois eles agiram de forma rigorosamente igual (essa afirmação em determinados ambientes é a semente da discórdia mais divertida de lançar). E aí meu amigo bolsonarista fica na necessidade de reconhecer, para falar mal de Lula, que Bolsonaro errou, que suas indicações foram ruins, que sua postura criou de forma indevida o ambiente para que tudo isso ocorresse e que também usou critérios exclusivamente políticos e ideológicos (e não meritocráticos) para fazer as suas indicações.

Em resumo: ou está todo mundo errado ou está todo mundo certo! Eis o efeito sensacional da indicação de Dino ao STF. De mais a mais, a pipoquinha já está preparada. Afinal, se a sabatina promete ser divertida, imagina o primeiro julgamento com divergência entre os Ministros?