Na terra de Guimarães Rosa, escritor conhecido no Brasil e no mundo inteiro por retratar em seus livros a fala popular, a leitura de obras que fujam do padrão culto da língua portuguesa pode sofrer restrição. Projeto de lei (1.983/2011 ), pronto para ser votado na Assembleia Legislativa, determina que as redes pública e privada de ensino priorizem a adoção de “livros que não contrariem a norma culta da língua portuguesa”. O texto original da proposta, apresentada no ano passado pelo deputado estadual Bruno Siqueira (PMDB), queria proibir o uso em toda sala de aula de livros didáticos, paradidáticos e literários com conteúdo contrário à norma culta, bem como com teor sexual e incentivos diretos ou indiretos à prática de atos criminosos.
A proposta só não foi adiante porque a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Legislativo alertou o autor sobre a polêmica que o texto iria causar e sugeriu que a palavra “proibir” fosse trocada por “priorizar” e que fosse eliminada a restrição legal de adotar na rede pública e privada de ensino material que contivesse “elevado teor sexual” e “incentivos diretos ou indiretos à prática de atos criminosos”.
O argumento da CCJ é de que é muito difícil definir esses conteúdos. “Seja pelo risco de se adotarem posturas que carregam excessiva carga ideológica, em um espaço que deve privilegiar a pluralidade cultural e o conhecimento isento da influência de posicionamentos de natureza preconceituosa, que é, por excelência, o meio educacional”, diz o parecer da comissão sobre o projeto. O relatório da comissão também alertou sobre a polêmica que envolve o ensino em sala de aula das variações da língua e das diferenças das linguagem falada da escrita.
Um abaixo-assinado contra o projeto do deputado circula desde ontem pela internet e conta com mais de mil assinaturas. O texto afirma que sua aprovação vai impedir os alunos de terem acesso ao “riquíssimo patrimônio literário brasileiro edificado no século 20, já que um traço comum à vasta e heterogênea produção literária nacional dos últimos cem anos é exatamente a subversão à norma culta padrão de nossa língua materna. Restaria proibida em nossas escolas a distribuição de livros da autoria de Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Mário de Andrade, para ficar em apenas três nomes de uma infindável lista de grandes autores que inclusive satirizaram o ensino da norma culta da língua”. O manifesto cita o famoso poema do modernista Oswald de Andrade, “Pronominais, que satiriza a norma culta da gramática, “do professor e do aluno”.
“Considerando que o ensino de Língua Portuguesa condizente com um Estado Democrático de Direito deve se pautar pela leitura crítica de textos de quaisquer gêneros discursivos, em vez de encontrar-se restringido por uma lei que representa indiscutivelmente um retrocesso aos regimes mais autoritários de nossa história (lembrando a censura executada pelo regime militar para proibir a circulação de diversas obras literárias acusadas de cometer as mesmas “violações” que o referido projeto menciona), manifestamo-nos contrários à aprovação do Projeto de Lei 1.983/2011”, finaliza o texto que propõe a não aprovação do projeto.
O autor do projeto se defende da acusação de tentar cercear a leitura de obras que não sigam o padrão determinado pelas gramáticas e diz que toda a polêmica em torno do assunto tem fundo eleitoral. Bruno Siqueira é pré-candidato a prefeito em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e sua principal adversária, a petista Margarida Salomão, pré-candidata pelo PT, é professora universitária no curso de letras e de linguística da Universidade Federal de Juiz de Fora. Para a professora de linguística da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Arabie Bezri Hermont, essa polêmica em relação ao ensino da norma culta e falada e suas diferenças é assunto superado dentro da universidade por todos que atual no ensino de literatura e língua portuguesa. “A escola por excelência tem de ensinar a língua escrita, mas não pode ignorar que a língua é viva, que falar é diferente de escrever e isso tem de ser passado para o aluno”. A professora considera absurda essa restrição, principalmente em relação ás obras literárias, onde “tem licença para tudo”.