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Estado de Minas

Sobreviventes contra o crack ajudam a resgatar viciados

As histórias de usuários que quase chegaram ao fundo do poço e agora se dedicam a convencer dependentes químicos a sair das ruas de Belo Horizonte e buscar tratamento


postado em 17/03/2013 06:00 / atualizado em 17/03/2013 07:51

 Élcio e João Lucas, recuperados do vício, agora ajudam quem não consegue se livrar da droga(foto: JUAREZ RODRIGUEs/em/d.a press)
Élcio e João Lucas, recuperados do vício, agora ajudam quem não consegue se livrar da droga (foto: JUAREZ RODRIGUEs/em/d.a press)
Diante da dificuldade das autoridades frente à epidemia do crack, os próprios dependentes químicos estão se mobilizando para ajudar os usuários da droga. Muitos deles já tropeçaram na pedra maldita e conseguiram sair do fundo do poço. “Existe vida depois do crack”, garante o segurança patrimonial João Lucas de Araújo e Silva, de 31 anos, que, em fevereiro, completou dois anos sem usar a substância. Ele e o jovem funcionário público Élcio Pacheco Júnior, de 26, que chegou a pesar menos de 40 quilos em função da pedra, largaram seus respectivos empregos para fundar uma comunidade terapêutica em um sítio em Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.


“Meu salário será salvar vidas”, afirma João Lucas. Com a compulsão própria dos viciados, ele mergulhou de cabeça nos cursos de capacitação, palestras e livros especializados na dependência química. “Não tem cura, mas tem tratamento. Sempre vai existir a ‘compulsão’ dentro de mim e, por isso, devo evitar frequentar os mesmos lugares, hábitos e pessoas de antes. Tento canalizar essa ansiedade para um novo estilo de vida, seja a prática de esportes radicais ou o prazer de estar com a família”, conta João Lucas, que começou a fumar maconha aos 13 anos, experimentou cocaína aos 14, provou LSD e ecstasy nas baladas aos 18 e, aos 20, estava atolado no crack.

“Só de pensar em abrir as portas da entidade, dá aquela adrenalina”, brinca João Lucas. Ele e Élcio, sócio da Amigos da Sobriedade Comunidade Terapêutica (Amis), ainda não recebem financiamento governamental e contam apenas com as prestações a serem pagas pelos familiares dos internos. Por enquanto, a dupla tem dificuldades até para abastecer o tanque de gasolina do carro, mas confia em que o projeto vai dar certo. “Se funcionou para a gente, vai funcionar para outros. Já tenho amigos buscando uma vaga. Sei que todos querem sair do crack, mas a maioria não consegue. Já fui chorando para a boca de fumo, sem querer usar de novo, e comprei mais”, relata Élcio, filho de advogado. Com 17 anos, ele foi detido por furto e, aos 22 anos, pesava 40 quilos. “Fiquei irreconhecível”, admite ele, atualmente com 75 quilos.

De cada cinco usuários ocasionais de drogas, um vai se tornar dependente químico segundo estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS). João Lúcio e Élcio já fizeram parte dessa estatística. Desde que conseguiram sair dela, sentem necessidade de retribuir a ajuda que receberam, quando ninguém acreditava ser possível recuperar viciados em crack. Perguntado sobre a internação espontânea ou compulsória de viciados que vivem nas ruas como mendigos, João reflete e responde: “Existe uma regra. O dependente químico só para de usar a droga quando o sofrimento dele estiver maior do que a vontade de usar”.

“Basta estender a mão”

“É fácil acabar com cracolândia em Belo Horizonte. A maioria das pessoas que vive afundada no crack, como se fosse mendigo, está sofrendo e quer sair das ruas voluntariamente. Basta estender a mão e oferecer tratamento.” Quem desafia é Helbert Imbuzeiro, do alto da experiência de quem passou mais da metade da vida nas drogas, dos 14 aos 34 anos. Está ‘limpo’ há cinco anos. “Vivi mais tempo doido, na onda, de cabeça feita, do que são. Isso é muito sério”, reconhece. Ele se dedica hoje a recuperar dependentes químicos por meio da organização não governamental Resgate Urbano.

Por meio da página da entidade na internet (www.curadopordeus.webnode.pt), com mais de 8 mil acessos, Imbuzeiro recebe todos os dias apelos desesperados como os da professora K., de Ibirité: “Não sei mais a quem recorrer. Há quatro anos divido meu marido com o crack e sinto que estou perdendo ele para as drogas. Saio para trabalhar e, quando volto, dou falta de algo em casa. Preciso de ajuda, pelo amor de Deus”.

Com muita boa vontade e pouco dinheiro, Imbuzeiro conta que vai atrás dos dependentes químicos onde eles estiverem, inclusive em bocas de fumo nas favelas. Ele diz pedir licença aos traficantes para fazer o trabalho de resgate social. “Geralmente, consigo convencer o usuário de crack a aceitar o tratamento, com base em muita conversa. É preciso entender o motivo que levou o dependente químico a buscar o crack, se ele brigou com a mulher, se está se sentindo desprezado, se a família é preconceituosa. Muitas vezes o dependente químico não é ouvido sobre seus sentimentos, só é cobrado. E nem sempre está fazendo uso da droga na rua, ele pode estar esperando uma marmita ou se escondendo do sol”, defende o militante, que recebeu medida alternativa para fazer trabalho social ao ser flagrado por porte ilegal de drogas. “Era uma pedra só, mas foi minha salvação”, conclui.


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