Além do lançamento da exposição da Grada Kilomba, o público disputou cada centímetro do espaço para assistir a homenagem à Omolu ao som de uma caixa de folia tocado por Cauã, uma criança negra que faz parte da Guarda 13 de Maio, no bairro Concórdia, em BH. -  (crédito: Divulgação)

Além do lançamento da exposição da Grada Kilomba, o público disputou cada centímetro do espaço para assistir a homenagem à Omolu ao som de uma caixa de folia tocado por Cauã, uma criança negra que faz parte da Guarda 13 de Maio, no bairro Concórdia, em BH.

crédito: Divulgação

Imagina você deitado ou deitada em um espaço em que entre o chão e o teto tenha um pouco mais que vinte centímetros. Imaginou? Faça um esforço, use o seu potencial de imaginar para tentar sentir um pouco, só um pouquinho do que era a viagem das pessoas africanas capturadas e colocadas em um navio para serem escravizadas pelas pessoas européias. Eu sou capaz de sentir o cheiro de urina, misturado com as fezes, o suor, as lágrimas e a putrefação dos corpos das pessoas que não suportavam e morriam nesse ambiente insalubre dessa viagem que durava meses.

É a esse lugar que Grada Kilomba, através da sua obra "O barco” exposta na galeria Galpão em Inhotim, me propôs a retornar. Uma obra que gera uma reflexão e propõe uma criticidade que acho pouco provável, que uma pessoa que não tem empatia por um corpo negro, por ter um fenótipo diferente do seu, possa realmente acessar o que eu acessei diante daquela obra. Lembrando que a falta de empatia por um fenótipo diferente é uma das principais características de um racista. Essa é uma obra inacessível para quem enxerga o mundo exclusivamente através do olhar branco e ocidental que sempre ditou as regras por aqui, principalmente no mundo das artes.

Com 32 metros de comprimento composta por 140 peças de madeira queimada a escultura de Grada Kilomba redesenha o formato do fundo de um barco e oferta uma arqueologia do espaço que acomodou milhões de pessoas africanas alocadas ali por pessoas europeias. Era no fundo daquele barco que iniciava a tortura de uma nova vida em que se deixava de ser um homem, uma mulher do continente africano para se tornar um negro numa sociedade hierárquica em que os europeus se auto intitularam como brancos e portanto donos desses objetos humanos.

Mais uma vez Inhotim oferta galerias temporárias para artistas que descendem de quem fizeram essa viagem de barco mundo a fora e a maioria das galerias fixas são destinadas aos herdeiros do povo torturador e escravocrata. Nossos corpos negros, feminino e nordestino continuam expostos no maior museu a céu aberto da América Latina em um registro degradante, racista e cruel na galeria Miguel Rio Branco para o mundo inteiro visitar.

Enquanto isso, artistas como Abdias Nascimento, Rubem Valentim, Mestre Didi, Jorge dos Anjos, Rosana Paulino e a própria Grada Kilomba dentre tantos outros e outras seguem excluídos. Sendo ofertado a esses e essas artistas galerias com data certa para serem desmontadas. Por que a obra deles e delas não estão no mesmo patamar artístico que as demais? Não é isso. Então é por que não atrai públicos? Lógico que não é isso! Falta de verba? Muito menos. Então por que? Isso só os gestores e curadores de Inhotim podem responder.

Além do lançamento da exposição da Grada Kilomba o sábado do dia 13/04/2024 foi marcado pela performance de abertura da exposição "Esconjuro", também temporária, do artista mineiro Paulo Nazaré. O público disputava cada centímetro do espaço que ficou pequeno para tantas pessoas que assistiam atentas a homenagem à Omolu ao som de uma caixa de folia tocado por Cauã, uma criança negra que faz parte da Guarda 13 de Maio no bairro Concórdia em BH. Um ritual em que cantando um ponto do candomblé o artista se protege fazendo um circulo anti-horário com as pipocas. Em seguida ele oferece as outras bacias , também fartas de pipoca, como remédio de cura ao público presente. Que usufrui da bela manifestação sagrada africana com a sonoridade do congado tão presente nos reinados afro mineiros.

"Esconjuro" ocupa a Galeria Praça por 18 meses, divididos em quatro estações: outono e primavera em 2024 e verão e inverno em 2025. Ao chegar nessa estação outono, ainda do lado de fora da galeria o público se depara com diversas bandeiras coloridas com saudações aos Orixás. As outras obras denunciam práticas de exploração e disputas historicamente conhecidas nos territórios. Dentro da galeria um portal de sentidos se abre com pontos e contrapontos de um artista sensível que vem do Palmital e ganha o mundo.