O amor não é algo que vem pronto e acabado, ao contrário, ele é uma construção que tem nas palavras o seu elemento mais essencial. O filósofo brasileiro Christian Dunker chega a afirmar que, até certo limite, essas palavras podem caber em uma carta ou uma mensagem de WhatsApp, contudo, a partir de um certo ponto, o amor exige uma habilidade que, segundo ele, estamos perdendo, que é a capacidade de falar de modo autêntico.
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Roland Barthes vai no mesmo sentido e diz que essa autenticidade não é simples de ser alcançada, pois o discurso amoroso é permeado por riscos. O amante se expõe ao falar, e o dizer amoroso é repleto de percalços, pois tenta dizer o indizível. Barthes afirma que o amor não é um sentimento estável, para ele, amar é ocupar um lugar de linguagem no qual a fala não tem como apoio qualquer garantia. Nesse sentido, amar é oscilar entre o desejo de dizer algo e o temor de que esse algo não seja compreendido.
Talvez pelo temor de dizer algo que desagrade o parceiro, muitas vezes a fala amorosa é repetitiva, não por falta de imaginação dos amantes, mas por sua natureza e pelos riscos que estão envolvidos nela. O amante é falante, mas não sobre o essencial, seu dizer, muitas vezes, é pura tagarelagem. É como se o amante estivesse à mercê das palavras e tivesse que fazer uso operativo delas, mas não conseguisse o fazer de modo autêntico, pelo medo de que o outro perceba aquilo que há de verdadeiramente humano em nós.
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A autenticidade do discurso amoroso é construída, não acontece espontaneamente. Pelos riscos que envolve, as falas amorosas exigem trabalho de escuta e compreensão profunda e, talvez, por essas razões, haja tanta complexidade no discurso amoroso. Barthes nos lembra que o amante vive entre dois abismos, o de dizer demais e o de não dizer de modo suficiente, por isso o discurso amoroso está sempre atravessado por muito medo e hesitação. Os amantes temem falar, não sabem muito bem quando falar e se questionam se o silêncio não seria o modo que melhor protege o vínculo que se estabeleceu.
São exatamente os temores que nos levam a adotar estratégias de contenção, pois acreditamos, muitas vezes, que o silêncio tem mais capacidade de proteger a relação do que uma fala autêntica. Segundo Barthes, o amante se protege de modos muito diversos da autenticidade, tais como a repetição, o adiar e o minimizar. Acreditamos que esses são modos de proteger nosso próprio coração do risco de dizer algo que, talvez, possa desagradar o parceiro. E, assim, o discurso amoroso, quando se aproxima de sua verdade essencial, no entendimento dos amantes, se torna um risco, pois expõe uma vulnerabilidade que não estamos, muitas vezes, dispostos a assumir.
As falas, assim, se tornam atalhos de linguagem e não uma fala autêntica, que revela ao outro quem somos por inteiro. Quando isso acontece o amor se esvazia, pois a palavra contida não desaparece. Ela provavelmente nos atormentará todos os dias, até se tornar ressentimento ou fantasia na cabeça daquele que se calou. Nesse cenário, o não dito toma forma e constrói a distância, pois quando um não fala, o outro passa a interpretar ou imaginar sentidos que, muitas vezes, lhe perturba a paz. E o amor, que desde os primórdios é pensado como sendo uma construção conjunta, se torna um espaço repleto de suposições solitárias.
É por falta de palavras que muitas vezes o amor morre sem qualquer ruptura explícita, ele simplesmente desaparece no silêncio e, consequentemente, na falta de entendimento. Por mais arriscada que seja, é apenas na da fala autêntica que podemos construir e afirmar o amor, e nada pode substitui-la. São por meio das palavras que criamos o vínculo e impedimos que o outro seja apenas uma projeção dos nossos próprios desejos. Assim, se queremos proteger nossas relações amorosas, por mais arriscado que seja falar, ficar em silêncio pode ser muito mais arriscado.
