Em tempos de intensa conectividade e distração em alta, o silêncio pode representar uma forma de resistência à lógica do aparecer e, quem sabe ainda, nos conduzir rumo à uma reconexão existencial. Vivemos cercados por muito barulho, não apenas os sonoros, mas também pelo excesso de estímulo, de palavras e de opiniões: todos têm algo a dizer e parecem imbuídos de um desejo compulsivo de se mostrar. Nesse cenário, um convite ao silêncio pode parecer um erro, mas, na verdade, ele pode representar o primeiro passo para habitarmos nesse mundo de um modo mais autêntico.
Para Heidegger, uma das grandes tragédias modernas é o que ele chamou de esquecimento do ser. Segundo o autor, imersos nas ocupações cotidianas, acabamos por esquecer daquilo que significa verdadeiramente sermos quem somos. Deixamos de lado nossas mais íntimas aspirações em nome daquilo que as outras pessoas esperam de nós. O falatório das redes sociais, da mídia e da nossa própria mente é, na verdade, um modo de fuga do silêncio; e fugimos dele porque tememos aquilo que ele pode nos revelar.
Somos não apenas seres que falam, mas, antes de tudo, somos seres de escuta e, nesse contexto, escutar não é apenas ouvir sons, mas também estar atento àquilo que diz nosso ser essencial. Assim, o silêncio se torna condição para uma escuta radical sobre quem somos e sobre aquilo que desejamos, nos permitindo escutar a nós mesmos e, consequentemente, nos abrindo para a possibilidade de construirmos uma vida autêntica, que é aquela desviada da perdição das mil ocupações cotidianas e centrada na responsabilidade pela nossa existência.
Em um mundo que analisa as pessoas segundo suas funções, desempenho e produtividade, o silêncio nos tira da lógica da visibilidade constante, da resposta imediata e da superficialidade da vida, para nos conduzir diretamente à realidade de quem somos. Talvez seja no recolhimento, e não na exposição excessiva, que o nosso ser essencial pode ser reconhecido e verdadeiramente acolhido. Ao nos silenciar, recusamos o espetáculo e reivindicamos nossa interioridade.
Talvez seja tempo de aprendermos com os gregos o valor da contemplação, do nada dizer, do não se manifestar. Contemplar não é simplesmente observar algo à distância, mas permitir que o que está diante de nós nos atravesse e deixe suas marcas. Assim, contemplar é o oposto da técnica - que deseja dominar e controlar o mundo - ela nos coloca na posição passiva, de quem entende que não sabe tudo e aceita humildemente a posição de aprendiz, observador da escola da vida.
Em um momento histórico em que tudo precisa ser nomeado, argumentado, explicado e justificado, o silêncio nos conecta com dimensões de nossas vidas onde as palavras não cabem, onde apenas a contemplação tem valor. É nesse lugar de silêncio que é possível escutar nossa própria respiração, o bater do coração, nossos desejos, nossos genuínos sonhos, o movimento das nuvens e o pulsar de vida – e seu oposto - que flui dentro de cada um de nós.
Ao nos silenciarmos para contemplar, deixamos de lado nossas pretensões de manipular o mundo à nossa volta e fazemos a travessia para dentro de nós mesmos, conduzidos, não pelo barulho das certezas da nossa vida cotidiana, mas pela serenidade das perguntas que só o calar de tantas vozes – internas e externas - pode trazer.
