O sistema político brasileiro já está funcionando no modo de sucessão presidencial. Em um mundo de sonhos seria de se esperar que o país estivesse contagiado pelo debate das grandes questões de nosso futuro e que grandes personagens estivessem em cena, liderando esses debates. Em nosso país real as coisas são diferentes. Raras vezes a sucessão se prenunciou tão melancólica e vazia, sem grandes temas e sem grandes personagens.
Parece certo de que teremos mais uma candidatura Lula, uma candidatura cuja promessa implícita é repetir o que ele e seu partido fizeram em 20 dos 26 deste nosso século. A chegada de Lula e do PT ao governo em 2003 foi sem dúvida um avanço de nossa democracia. Naquele momento, tanto Lula quanto o seu partido tinham uma certa inocência, que vieram a perder com os anos no poder. Hoje eles se confundem com a velha política em quase todos os aspectos. Seria quase uma dissonância cognitiva acreditar que Lula possa vir a ser de repente um agente para as grandes transformações de que o país precisa e um fator de união dos brasileiros.
Na atual desordem brasileira os poderes do presidente estão muito limitados. Mas uma coisa o governo tem feito com competência: a comunicação. Sua comunicação conseguiu, entre outras coisas, colar em todos os que fazem oposição a Lula a identificação de direita, independentemente da sua posição real no espectro político, tentando forçar uma bipolarização que as pesquisas não encontram na sociedade brasileira. Direita foi sempre uma denominação pejorativa em nosso imaginário político, associada a autoritarismo, militarismo e valores sociais e culturais reacionários.
É evidente que Bolsonaro e os que seguem sua orientação política por convicção podem ser chamados de direita e têm orgulho desta identidade. Mas, se a democracia pode conviver com a esquerda, pode e deve também conviver com a direita. Não pode haver posição política proibida, do contrário não é de democracia que se trata.
A vida política brasileira é muito mais diversa do que querem fazer crer o governo Lula e os partidários de Bolsonaro. Quase tudo o que nos aconteceu de bom e positivo na política foi obra de políticos de centro, Juscelino, Tancredo, Ulysses e Fernando Henrique.
Se a bipolarização que dominou as eleições de 2018 e 2022 se repetir, será uma grande frustração para uma parte importante dos brasileiros, que tem sido forçada a votar no candidato que rejeita menos, para evitar o maior de dois males. Por isto as vitórias eleitorais não têm produzido governos capazes de formar maiorias na política e na sociedade.
A sucessão de conflitos e turbulências que envolvem os Poderes do Estado e a falta de autoridade política do presidente estão nos empurrando para uma crise existencial. O Legislativo e as cúpulas do Judiciário estão sob suspeita da opinião pública. O ostensivo envolvimento de parlamentares com o mundo dos negócios e até com o crime, não recebe dos seus pares senão o silêncio ou a mais aberta complacência. O Judiciário anulou todo o processo da Lava Jato, o maior episódio de corrupção orgânica da história do país, sob a tese de que o processo feriu algumas normas procedimentais, embora todo o mundo saiba que tudo o que se apurou era verdade. As pessoas comuns, e não só elas, pensam que talvez a ordem processual esteja constituída justamente para dificultar ou até impedir que esse tipo de crime seja apurado ou punido.
Quando as instituições e seus líderes estão sob suspeita, corremos o risco de Estado e sociedade se separarem, abrindo caminho para toda a sorte de aventuras. Quem sabe se esta crise, que parece terminal, não nos permitirá encontrar um brasileiro, de uma nova geração, que seja capaz de unir a maioria dos brasileiros e governar para todos, e não apenas para os seus. Que pelo exemplo pessoal, pela integridade e pelo conhecimento do ofício de governar, imponha às elites políticas e aos outros Poderes da República, moderação, equilíbrio e compostura.