O tremendo esforço de governos sucessivos para fazer o país acertar o passo na produção agrícola e no consumo alimentar, embora nem sempre avançando em linha reta, acabou se desenrolando de modo espetacular. Em meio século, de 1976 até hoje, a produção de grãos (soja, milho, arroz etc.) se expandiu por múltiplo de 10 vezes, feito inédito no mundo, resultado de corajosas iniciativas de pesquisas na área, aliadas a não menos ousadas políticas de liberalização dos mercados, antes sufocados por rígidos controles de mercado e de preços.

Enquanto isso, o fomento ao consumo de uma alimentação sadia pelos brasileiros também ganhou impulso em 1976, por meio da lei 6.321, sancionada pelo então presidente Ernesto Geisel, que também levava a assinatura do seu competente ministro, Mário H. Simonsen. Foi por meio dessa lei que se lançou o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

De modo engenhoso, o governo criou uma “moeda de alimentação”, oferecida pelos empregadores a seus funcionários, por meio de vouchers emitidos por empresas operadoras de vales-alimentação (para compras em armazéns e supermercados) e vales-refeição (para gastos em bares ou restaurantes).

O PAT foi adotado com grande sucesso pelo forte incentivo embutido na lei: a empresa aderente ao PAT pode descontar em dobro, do lucro tributável, a despesa mensal que ela realiza na aquisição dos vouchers fornecidos a seus empregados.

Além disso, os vouchers, embora sendo uma forma de remuneração ao trabalho, não sofrem incidência de impostos e encargos sociais. A vantagem para o trabalhador, ao receber essa moeda alimentação, é relevante, ao elevar seu salário líquido, com isenção tributária. Para o empregador, o benefício de aderir ao PAT também é evidente por descontar a despesa duas vezes.

Assim cresceu o uso desse belo instrumento de política social, hoje responsável por 10% do total das vendas em supermercados, embora o uso dos vouchers, em cartão ou por aplicativo, seja bem superior a 10% em mercadinhos e restaurantes populares. O PAT é hoje um mercado de benefício alimentar da ordem de R$ 200 bilhões por ano, alcançando mais de 22 milhões de trabalhadores.

Mas quem, afinal, financia o PAT? Alguém poderia responder que é o governo, quando este deixa de arrecadar IR e INSS, para lembrar apenas as maiores renúncias tributárias do programa. Mas não é o governo que banca o PAT. É a própria sociedade, quando o tributo que deixa de incidir no salário alimentação, mas vira imposto pago por algum outro contribuinte. A sociedade se beneficia do PAT, mas algum contribuinte sempre paga, pois não existe “almoço grátis”.

Isso nos leva ao núcleo do debate atual sobre o PAT. Sabemos que a alimentação nutritiva e desonerada é um desejo expresso da sociedade brasileira. Nem por isso essa é uma decisão social isenta de custos econômicos elevados. Uma análise de eficiência do PAT sempre se impõe, até como preceito inscrito no art. 37 da Constituição brasileira.

Quase meio século após sua implantação, só recentemente o PAT teve sua legislação original revisitada pelo lado da eficiência. O objetivo é que cada real despendido no PAT se converta em alimentação efetiva. Os custos de repasse dos vouchers pela transferência desse benefício até o bolso do usuário deve representar uma parte mínima do gasto alimentar efetivo. Em simples palavras, mais alimentação e menos intermediação deve ser, de modo contínuo, o objetivo do PAT em termos de eficiência.

Só que não tem sido assim. Os comerciantes de alimentos e produtores de refeições podem ficar até 60 dias para converter um voucher em dinheiro vivo. E deles, prestadores, são cobradas taxas onerosas por essa conversão do voucher em dinheiro – em geral mais elevadas do que as cobradas por uso de cartões de crédito ou débito. Quatro operadores de vouchers dominam o mercado. Num ambiente pouco competitivo, é previsível que se formem cunhas de ineficiência operacional. Os ganhos na intermediação aumentam em detrimento da vantagem social almejada pela lei e bancada pelos contribuintes.

Por conta dessas ineficiências operacionais, o Congresso Nacional aprovou a lei 14.442, de 2022, que prevê a interoperabilidade e a portabilidade dos vouchers, tudo para dar mais flexibilidade aos seus usuários na hora das compras. Em boa hora, o presidente Lula resolveu encarar a regulamentação da lei assinada por Bolsonaro.

Pelo Decreto 12.712, desta semana, qualquer maquininha de pagamento aceitará vouchers de todas as bandeiras. O decreto de Lula também colocou um teto de 3,6% mensais sobre a taxa de desconto cobrada dos comerciantes. Mais importante ainda, ficou estabelecido prazo máximo de 15 dias para o ressarcimento dos vouchers.

Tais inovações adaptam esse mercado à era digital. Nenhum agente econômico do PAT sairá perdendo por se buscar mais eficiência na circulação do benefício expresso pelos vouchers. É preciso avançar mais. O país precisa buscar ganhos de produtividade em todos os segmentos e cortar tudo que possa representar peso morto na intermediação entre produtores e consumidores finais. O resultado será colhido sob a forma de custos mais baixos da cesta alimentar do brasileiro e com menores ônus para os contribuintes pagadores da conta dessas políticas sociais.

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