Vivemos na falta. Nos falta uma roupa diferente para passar a noite de Natal (e outra para a virada do ano); nos falta um vinho melhor para celebrar as festas; nos falta um carro mais seguro para atravessar os pontos perigosos da cidade ou as armadilhas das estradas brasileiras; nos falta uma casa maior, com quantidade suficiente de cômodos para alojar tudo aquilo que um dia teremos. Ah! sim, ainda teremos, porque, no momento, nos falta muita coisa. Nos falta, na geladeira, o que afague nosso apetite voraz, algo diferente que não sabemos bem o que seja. Certeza mesmo só temos da falta.


Assim nos falta alegria e razão suficiente para sentar no final do dia e dizer obrigado. Agradecer a Deus, à natureza, ao vizinho (que não fez mais que a obrigação de nos sorrir logo cedo), à mãe que simplesmente aceitou nos parir. Agradecer o dia findo, porém sob nossa ótica um dia não vencido (bem que poderia ter sido melhor se nada tivesse nos faltado).


Estamos cansados. Cansados de correr atrás daquele algo citado lá em cima, algo que não sabemos bem o que seja, apesar de sentirmos verdadeiramente sua falta.


Nos sobra ressentimento. Ressentimento por fazer tudo o que nos é possível e, ainda assim, insuficiente. Ressentimento pelo outro ter mais que nós (deve ser desonesto), ser mais bonito (não deve ter com o que se preocupar), aparentar mais jovem (deve ter feito plástica), por ter risada solta (nasceu com o c* virado pra lua). Certamente não passa pelos mesmos desafios que nós. Deve ter tido mais sorte. Falta-nos isso também: a tal da sorte (o sol é para todos, a sombra para poucos – o que não é nosso caso).


Eles são culpados, claro, de todos os nossos descontentamentos. Inclusive pelo amor que nos falta, até mesmo o auto-amor que nos caberia cultivar.


Nos é quase impossível imaginar como alguém sobrevive com tão pouco. Com uma bagagem tão pequena, com armários com poucas prateleiras, com pouca maquiagem. Aliás, como uma mulher consegue sair de casa sem cobrir os lábios com batom vermelho, sem gotas de perfume, sem pendurar brincos nas orelhas, sem trocar de bolsa? Que tal nos concentrarmos na tentativa de mudar tanto nossos discursos quanto nossos concursos? O que nos falta para fazermos isso?

compartilhe