O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), confirmou a votação do chamado Novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado nesta terça-feira. “Segurança pública exige firmeza, mas também garantias e eficiência institucional. Por isso, inseri na pauta de amanhã e a Câmara dos Deputados vai votar o Marco Legal de Combate ao Crime Organizado. É a resposta mais dura da história do Parlamento no enfrentamento do crime organizado”, anunciou na manhã de ontem.


Motta reforçou que o texto “aumenta as penas para integrantes de facções e dificulta o retorno às ruas, também cria e integra os Bancos Nacional e Estaduais de Dados sobre as Organizações Criminosas”. A firmeza do presidente da Câmara contrasta com o conteúdo nebuloso da proposta: ninguém sabe ainda qual versão será votada.


O relator Guilherme Derrite (PP-SP), licenciado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e politicamente alinhado ao governador Tarcísio de Freitas, apresentou quatro versões diferentes – todas polêmicas, todas recusadas, ora pelo governo, ora pela oposição, ora por ambos.


Ao escolher Derrite, Motta sinalizou sintonia com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu correligionário. E alargou a distância em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia mandado dois projetos para a Câmara voltados para o combate a organizações criminosas: A PEC do Sistema Único de Segurança Pública, que estabelece a integração da atuação de inteligência de todo o sistema sob coordenação da União, e a Lei Antifacções, que endurece as penas contra os chefões do narcotráfico.


Ao longo da semana passada, Derrite trafegou numa montanha-russa. A equiparação entre facções criminosas e terrorismo foi sua proposta mais polêmica e rejeitada por todos os atores institucionais relevantes, com exceção dos bolsonaristas, liderados pelo governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).


Bandeira para as eleições de 2026, a proposta foi duramente criticada pelo governo, que apontava inconstitucionalidade, risco de interferência estrangeira e violação da Lei Antiterrorismo no texto. Diante da pressão, Derrite retirou o dispositivo, mas voltou a flertar com ele em versões seguintes. Esse jabuti continua na árvore.


Outra proposta estapafúrdia retirava a autonomia da Polícia Federal. Em uma das versões, Derrite condicionava a atuação da PF em casos classificados como terrorismo ao aval de governadores. Isso gerou reação imediata de juristas, da PF e do Ministério da Justiça.


O ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann classificou a proposta como um contrassenso absoluto: “O governador dizer se a PF pode ou não pode entrar é um absurdo completo”. O item caiu depois de forte desgaste público.


Derrite também tentou direcionar bens apreendidos pela PF para fundos estaduais, o que retiraria até R$ 360 milhões da União. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski protestou, governadores pressionaram e a PF reagiu, com apoio da Receita Federal e do Ministério Público. Na nova versão, destinou os bens apreendidos nas operações policiais ao Funapol (Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da Polícia Federal). Mesmo assim, o governo que sejam destinados ao Funad (Fundo Nacional Antidrogas), de maior alcance.

 

Narcoterrorismo

O conceito legal de “facção criminosa” foi alterado diversas vezes, com termos vagos como “organização criminosa ultraviolenta”. O objetivo de Derrite era unir direita e centro, mas o efeito foi o oposto: criou insegurança jurídica e levantou questionamentos técnicos sobre subjetividade e risco de interpretações expansivas por parte dos governadores de oposição. Alguns trechos endureciam penas a ponto de serem considerados contraproducentes, pois poderiam levar a novas batalhas judiciais. Após críticas de secretários estaduais de Segurança, o relator alterou novamente a dosimetria.


Esse vai-e-vem impediu que até parlamentares da própria Comissão de Segurança da Câmara saibam o que será votado hoje. Entretanto, ao reservar a sessão exclusivamente à votação do Marco, Motta sinaliza que já tem maioria para aprovar alguma versão do texto, que deve ser levada ao colégio de líderes antes de sessão. Enquanto isso, a discussão mais profunda sobre a segurança pública fica em segundo plano.


Raul Jungmann oferece a avaliação mais consistente. Ele rejeita com veemência a ideia de equiparar crime organizado a terrorismo: “Quando aquela facção está praticando esses delitos, não está pensando em derrubar o governo. […] Não tem nada a ver com a política, absolutamente nada”, declarou em entrevista publicada domingo no “Correio Braziliense”. “São claramente interesses eleitorais […] de governadores à direita que querem apresentar-se como tendo feito a defesa da população”, avalia.


O ex-ministro considera essenciais três iniciativas do governo: a PEC 18, que cria coordenação federal formal do SUSP; o PL Antifacções original, antes de ser descaracterizado pelo conceito por pressões políticas; e a Operação Carbono Oculto, que mostrou a eficácia da integração entre a PF, a polícia paulista e o Ministério Público.


Jungmann destaca o problema estrutural: “O crime se nacionalizou e se internacionalizou, enquanto a segurança pública segue pulverizada entre estados sem coordenação federal. O sistema prisional transforma pequenos criminosos em soldados de facções. A União, por falta de atribuições constitucionais claras, não consegue liderar uma política integrada.”

 

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